De súbito, nas duas últimas semanas, três conferências internacionais sucessivas recordaram vigorosamente a importância crucial do “centro vital” para a sobrevivência das democracias liberais. Artigo do professor João Carlos Espada para o Observador:
O
termo “centro vital” foi celebrizado em 1949 pelo livro de Arthur
Schlesinger, Jr — The Vital Center: The Politics of Freedom. O autor não
se referia a uma família política nem a um partido político. Por
“centro vital” ele designava um conjunto de pressupostos que são
partilhados por todas as famílias políticas que se reconhecem na
democracia liberal.
Foi
a existência de um centro vital forte que salvou as democracias de
língua inglesa da escalada autoritária (comunista, fascista e nazi) dos
anos 1917-40 e que lhes permitiu vencer a II Guerra Mundial contra o
nazismo e o fascismo. Depois disso, foi o centro vital que preservou as
democracias euro-atlânticas durante a Guerra Fria e que lhes permitiu
derrotar o comunismo soviético em 1989. Em Portugal, foi o centro vital
que permitiu derrotar a tentativa de golpe de estado comunista, em 25 de
Novembro de 1975, evitando simultaneamente uma derrapagem autoritária
de sinal contrário, e sustentando a alternância democrática desde então.
Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Ramalho Eanes, e a seguir
Cavaco Silva, foram naquela época os representantes do “centro vital”.
Por
outras palavras, o conceito de “centro vital” designa um chão comum de
valores liberais-democráticos partilhados pela esquerda e pela direita
democráticas. Esse chão comum não anula — e não deve nunca ser
autorizado a anular — as saudáveis diferenças políticas entre essas
famílias políticas. Pelo contrário, tem sido esse chão comum —
fundamentalmente euro-atlântico e ocidental — que precisamente permitiu e
garantiu a concorrência, rivalidade e alternância civilizadas entre
esquerda e direita nas democracias ocidentais.
O
termo caiu em desuso ao longo dos últimos anos, por razões que não
estão ainda suficientemente estudadas. Gradualmente, a rivalidade
civilizada entre esquerda e direita democráticas tem vindo a dar lugar a
uma gritaria mal-criada entre primitivismos rivais. Parece que as
chamadas “redes sociais” têm contribuído para essa má-criação. (Embora,
em meu entender, deva permanecer a pergunta sobre por que motivo essas
redes sociais mal-criadas estão a ter audiência significativa entre os
eleitores).
De
súbito, nas duas últimas semanas, três conferências internacionais
sucessivas recordaram vigorosamente o conceito e a experiência do
“centro vital”. Refiro-me à 24ª edição da Conferência anual do Forum
2000 (fundado em Praga, em 1997, pelo saudoso Vaclav Havel e que este
ano teve lugar a 12-14 de Outubro); a 28ª edição do Estoril Political
Forum (promovido entre nós pelo Instituto de Estudos Políticos da
Universidade Católica, de 19 a 22 de Outubro); e a 37ª edição da
‘International Churchill Conference’ (promovida pela International
Churchill Society, desta vez a partir do Churchill College, na
Universidade de Cambridge, a 23 e 24 de Outubro).
Não
seria possível tentar resumir aqui os nove dias de intensos debates
online preenchidos pelas três conferências (em que tive o prazer e
privilégio de participar). Mas alguns temas foram recorrente e
enfaticamente citados nos três eventos.
Em
primeiro lugar, a importância crucial de distinguir as democracias
liberais dos regimes autoritários. Esta distinção deve sublinhar a
importância crucial de preservar e reforçar a colaboração multilateral
entre as democracias, sobretudo as euro-atlânticas através da NATO. A
saída do Reino Unido da União Europeia, podendo ser lamentada e/ou
criticada, não deve perturbar a convergência estratégica fundamental que
permanece inalterada.
Em
segundo lugar e em contrapartida, as democracias liberais devem levar a
sério os desafios colocados pelas políticas expansionistas dos regimes
autoritários da Rússia e, sobretudo, da China comunista. Face a estes
desafios, a colaboração multilateral entre as democracias liberais deve
ser reforçada e não enfraquecida.
Em
terceiro lugar, no interior das democracias liberais, deve ser
recordado o valor crucial da moderação e do respeito mútuo pelas regras
do jogo demo-liberal. Este acordo de fundo sobre regras gerais deve ser
protegido — e deve ser acompanhado pela distinção robusta, ainda que
civilizada, entre centro-esquerda e centro-direita.
Talvez
me seja permitido sublinhar que estes temas foram recorrentemente
referidos em inúmeros painéis ao longo dos quatro dias do Estoril
Political Forum. Estiveram presentes nas intervenções de seis
embaixadores que participaram em diferentes sessões (embaixadores em
Lisboa do Reino Unido, de França, de Itália, de Espanha, da Alemanha e
embaixador de Portugal em Praga). Foram enfaticamente reiterados por
José Manuel Durão Barroso, Carl Gershman, (presidente do norte-americano
National Endowment for Democracy, fundado por Ronald Reagan), e por
Wilhelm Hofmeister , director para Portugal e Espanha da Fundação Konrad
Adenauer.
Estes
temas foram ainda enfaticamente reiterados no painel sobre os EUA por
William Galston (um democrata) e por William Kristol (um republicano).
[Sobre este painel, não posso deixar de referir o excelente e muito
amável artigo de Teresa de Sousa no Público de ontem].
Last
but certainly not least, sinto o dever de reportar que uma das mais
enfáticas intervenções em defesa da democracia liberal ocidental foi
proferida pelo nosso Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,
na sessão de abertura do Estoril Political Forum, no dia 19 de Outubro,
antes de todos os outros painéis terem ocorrido.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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