De repente, chega o táxi. Ele me estende a mão ― áspera, trêmula, quente ― e diz até logo. Então eu percebo que aquele homem é o meu irmão que não nasceu. Paulo Briguet, via Brasil Sem Medo, sobre um encontro inesperado no ponto de táxi:
Ligo
para o rádio-táxi e fico esperando no ponto, à sombra. Abro as
Confissões enquanto o carro não vem. Um homem se aproxima em silêncio.
Observo-o rapidamente: barba mal-feita, de vários dias; boné de brinde;
camisa puída de mangas longas; mãos de trabalhador braçal. Vem
caminhando a passos hesitantes, não sei se de vergonha ou de cachaça, ou
ambos. Quando eu começo a achar que o homem já se distancia, ele
aparece ao meu lado e diz:
― Tá lendo a Bíblia, irmão?
― Não é a Bíblia, mas o assunto é o mesmo.
― Tá esperando alguém?
― O táxi.
Ao ouvir o nome do meio de transporte, ele consulta os bolsos.
― Sabe o que é, irmão? Tenho que ir para Cambé fazer um serviço, mas faltam dois reais para eu inteirar o dinheiro da passagem.
“Pedintes
não costumam ter um repertório variado”, penso com maldade, enquanto
consulto a carteira. Antes, fecho o livro na página 33. Tenho uma nota
de 5 e uma de 20. Dou a primeira ao homem. Ele levanta as mãos para o
céu:
― Glória a Jesus Cristo Nosso Senhor!
Alisa
a nota, como quem acabou de receber um tesouro. Senta-se ao meu lado e
agradece profusamente. Eu sorrio meio sem graça. Ele faz questão de
dizer:
―
Tem muita gente que pede só para tomar pinga, mas eu não. Sou
trabalhador. Vou pegar um serviço lá em Cambé. Só não tinha o dinheiro
da passagem.
Para quebrar o silêncio, pergunto ao homem onde ele nasceu. Ele diz o nome de uma cidade do Norte Velho.
― Eu sou gêmeos ― complementa.
Demoro dois segundos para compreender que não é o signo do zodíaco; o homem tem um irmão gêmeo.
― E ele é parecido com o senhor?
― Nada! Quem vê nem diz que a gente é irmão.
O homem conta que é viúvo e tem duas filhas gêmeas. A esposa morreu no segundo parto – também seriam gêmeos.
De
repente, chega o táxi. Ele me estende a mão ― áspera, trêmula, quente ―
e diz até logo. Então eu percebo que aquele homem é o meu irmão que não
nasceu.
Paulo Briguet é cronista e editor-chefe do BSM.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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