Mulheres negras que comandam metrópoles tentam tirar os baderneiros das
ruas, mas a situação fugiu ao controle e país vive outra noite de
guerrilha urbana. Vilma Gryzinski:
O apelo que estava faltando foi feito. As prefeitas de São Francisco, Washington e Atlanta não podiam ser mais explícitas.
“Estamos mandando uma mensagem muito clara para as pessoas que têm o
direito de exercer a liberdade de expressão, mas não de destruir nossa
cidade”, disse Keisha Lance Bottom, prefeita de Atlanta.
Ela deu uma entrevista conjunta com a prefeita do Distrito de Columbia, onde fica a capital, Washington, Muriel Bowser.
Ambas são negras, na faixa dos 40 anos e até parecidas fisicamente.
Democratas, obviamente, Comandam cidades com grande eleitorado negro,
mas também simbolizam os avanços na área dos direitos civis, como os
americanos chamam as garantias de igualdade.
E estão desesperadas.
“O nível de destruição e caos é de enlouquecer”, disse Keisha.
Em entrevista separada, a prefeita de São Francisco, London Breed, que tem o mesmo perfil, foi na mesma linha.
“Houve coisas que não podemos tolerar. Alguns vândalos achavam que era um jogo, uma coisa engraçada. Isso não é engraçado”.
“Tem muitos jovens, adolescentes, envolvidos. Pais, onde estão seus
filhos?”, disse, numa frase que qualquer político conservador
endossaria.
A união de pessoas sensatas, de qualquer tendência política, apelando
pelo fim dos incêndios, saques e destruição em larga escala em 50
cidades americanas, teve efeito zero.
A convocação de mais 16 mil integrantes da Guarda Nacional, evitou o
pior, mas não controlou nem remotamente a onda de manifestações com alto
teor de violência que ganhou vida própria.
Saquear bolsa Louis Vuitton ou televisões de 72 polegadas não é
exatamente uma forma legítima de protestar contra a morte revoltante de
George Floyd.
Muito menos tocar fogo num conjunto residencial em construção para
pessoas de baixa renda e pequenos comércios, muitos pertencentes a
negros, americanos nativos, latinos e imigrantes do Oriente Médio, como
aconteceu em Minneapolis, o foco.
Como é possível que cidades importantes tenham prefeitas negras, num
sinal de progresso contra a discriminação, e policiais ainda ajam de
maneira revoltante contra um detido como George Floyd?
Considerando-se não só o império da lei, como o risco de deflagrar
ondas de protestos, os policiais americanos são treinados
especificamente para não tratar detidos, de qualquer tom de pele, da
forma criminosa com que agiram Derek Chauvin e mais três colegas.
A barbárie explícita de seu comportamento levou até a conjecturas
conspiratórias. Se Chauvin e Floyd trabalharam como segurança, durante
anos, em turnos diferentes, na mesma casa noturna, existiria alguma
conexão ainda desconhecida entre os dois?
Seja qual for a situação – e a eventual punição dos policiais
criminosos -, nunca haverá um resultado satisfatório para a família e as
organizações ligadas ao movimento negro.
Só o fato de que Chauvin foi enquadrado em acusações de homicídio
culposo e o resultado da autópsia, que elimina morte por sufocamento ou
estrangulamento, já estão causando reações negativas. A família
contratou um legista conhecido para acompanhar o caso.
A extensão e violência dos protestos entraram na sexta noite seguida, com o efeito contágio se alastrando.
Veio à tona agora que, na noite de sexta-feira, quando manifestantes
se aproximaram da Casa Branca, Donald Trump foi levado para o bunker
feito para caso de atentado terrorista ou guerra. Passou uma hora lá.
Agentes do Serviço Secreto, encarregados da segurança presidencial, chegaram a colocar equipamentos anti-motim, uma cena rara.
Trump, sendo Trump, depois tuitou que se os protestos se repetissem,
os manifestantes iriam deparar com “armas sinistras e cachorros bravos”.
A eclosão de violência pega Trump num momento péssimo. Mais de cem
mil americanos já morreram com o novo coronavírus, a economia travou e a
esperança de reeleição estava centrada numa recuperação rápida – e, se
possível, numa vacina idem.
Pelos precedentes anteriores, os protestos vão acabar refluindo ou se
prolongar sob a forma de manifestações intensamente policiadas.
O estrago, de proporções chocantes, já está feito, tanto pelos
manifestantes que partiram para a violência quanto pelas autoridades que
tiraram a polícia das ruas, com medo de novos incidentes.
“Cansamos de ligar para o 911 e para o Departamento de Polícia.
Ninguém atendeu”, disse a dona de uma casa noturna de Minneapolis, Maya
Santamaria.
“Eles não podem simplesmente sumir e deixar tudo pegar fogo”.
Como outros pequenos empresários da área central da cidade, ela perdeu tudo.
Era na casa noturna de Maya que George Floyd, com seus 2,04 metros, e
Derek Chauvin, com a o jeito de policial durão, trabalhavam na
segurança, até que seus destinos voltassem a se cruzar de forma
miseravelmente cruel.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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