Há um cunho ideológico muito grande quando se fala em economia de
guerra, pois sugere uma ideia de que vale tudo. Reportagem de Fábio
Cardoso para a Oeste:
Nas últimas semanas, uma história se repete. Para além das
recomendações de como preservar a saúde mental em tempos de pandemia e
isolamento social, são muitos os relatos nas mídias sociais dando conta
do desespero de comerciantes, pequenos empresários e empreendedores em
relação à tentativa de redução de danos e de eventual recuperação dos
negócios a médio prazo.
A má notícia é que, mais do que o desalento de não existir previsão
de retorno às atividades presenciais, é baixo o impacto das medidas
adotadas pelos governos. No Brasil e no mundo, isso está relacionado com
certa ideia que se tem feito a respeito desta crise. A imagem mais
comum é a de “economia de guerra”. A expressão, no entanto, não se
sustenta quando se nota que esta é a economia de pandemia, na qual “só
há perdas e não há ganhos”, como observa o economista Roberto Luís
Troster em entrevista à Revista Oeste.
Ainda em março, nas primeiras semanas do confinamento, o governo
federal agiu na tentativa de criar um colchão para amortecer a crise
econômica, buscando alternativas para o fechamento de empresas e o
aumento desenfreado do desemprego.
Se, por um lado, tais medidas atenuaram o impacto da crise, por
outro, essas ações representaram aumento de despesas para o governo.
Para que se tenha ideia do tamanho desse impacto, enquanto empresas
recorrem à possibilidade de diminuir a folha salarial de seus
empregados, de acordo com os ditames da Medida Provisória 936, o governo
federal só faz aumentar o tamanho do rombo fiscal à medida que avançam
os meses e é prorrogado o auxílio emergencial de R$ 600. Até o mês de
junho, o gasto previsto é de R$ 150 bilhões.
Num primeiro momento, a resposta mais imediata para endereçar os
problemas relativos à crise econômica tem sido a adoção das medidas
keynesianas, relembrando a atuação do presidente Franklin Delano
Roosevelt (1882-1945) à época da Grande Depressão. De acordo com essa
doutrina, assinada pelo economista britânico John Maynard Keynes
(1883-1946), é desejável uma maior presença do Estado na economia em
tempos de elevada instabilidade.
Por esse motivo, em 2020, diante da pior crise desde o crash de 1929,
a alternativa que se vislumbra remete à experiência de quase um século
atrás, levando em conta que o modelo em questão seria não apenas
necessário, como também a única saída para um Estado que vive um momento
de fraco desempenho.
Só que o cenário que se avizinha é tão complexo que esse curso de
ação não pode ser considerado a única alternativa, até mesmo porque o
contexto é outro.
“Há um cunho ideológico muito grande quando se fala em economia de
guerra, pois sugere uma ideia de que vale tudo”, comenta Troster.
Diferentemente da 2ª Guerra Mundial — quando seu desfecho, há 75
anos, dependeu do consenso internacional e do esforço geopolítico em
benefício de uma única agenda —, para esta pandemia do coronavírus há
que esperar o timing relacionado à resposta às medidas de contenção. É
como se as ações que podem achatar a curva, como o isolamento social e o
lockdown, fossem também as medidas responsáveis pela retração da
economia, uma vez que boa parte dos negócios depende muito de encontros e
aglomerações, como comércio, entretenimento ou mesmo atividades em
escolas e universidades. Isso faz crescer ainda mais a tensão
relacionada ao emprego.
Há ainda outras variáveis a considerar ao estabelecer paralelos com a
2ª Guerra. Na época, Europa e Ásia sofreram muito, mas nem todos os
continentes foram diretamente impactados. No caso dos Estados Unidos, os
efeitos da guerra até contribuíram para a rápida recuperação da
indústria norte-americana, que passou a produzir grande volume de
armamentos, navios e aviões. A situação de pleno emprego gerou
prosperidade e uma classe média ávida por consumo. O país foi
beneficiado e ajudou a propulsionar a retomada global. Agora, todos os
continentes estão sendo violentamente afetados, não há infraestrutura a
reconstruir, também não existem recursos para atender a todas as
demandas e a expectativa, segundo dados da Unicef, é de que, no mundo,
150 milhões de pessoas sejam adicionadas ao chamado “mapa da fome” — das
quais 5,4 milhões no Brasil. E, obviamente, é zero a perspectiva de
boom de empregos pós-pandemia.
O mais cruel dos meses
Semanas antes do anúncio da pandemia, existia certa disputa em torno
da quantidade de desempregados no Brasil. Conforme informações do IBGE
divulgadas em fevereiro deste ano, a taxa de desemprego caiu em 16
Estados em 2019, seguindo a média nacional, que indicava recuo de 12,3%
(2018) para 11,9%. Havia quem destacasse que esses dados sinalizavam,
também, o crescimento do trabalho informal — em Estados como São Paulo,
Rio de Janeiro e Minas Gerais, a informalidade aumentou no período.
Segundo informações do Ministério da Economia, o número de pedidos de
seguro-desemprego em abril foi 22,1% maior do que no mesmo mês no ano
passado. De novo, São Paulo, Rio e Minas são os Estados que apresentaram
o maior número de pedidos.
Se, no Brasil, a crise já tem derrubado as projeções do PIB, conforme
os dados mais recentes do Boletim Focus (queda de 4,7%, segundo a
última projeção), a perspectiva para os países da América Latina e do
Caribe não é das melhores, de acordo com relatório divulgado
recentemente pelo Banco Mundial. “As previsões foram revisadas em vários
pontos porcentuais em apenas algumas semanas. Na Argentina, a revisão
em baixa começou muito antes, refletindo incertezas quanto ao processo
de renegociação da dívida e seu impacto sobre as perspectivas
econômicas”, informa o texto.
Ainda no contexto internacional, a excepcionalidade do momento pode ser medida pelas taxas básicas dos bancos centrais.
A Inglaterra prevê a maior recessão em 300 anos e opera com a
taxa-base de juros na faixa de 0,1%, e a Austrália, na casa de 0,25%,
sem mencionar um pacote de estímulos que passou sem objeção no
Parlamento.
Embora os estudos indiquem o início do arrefecimento da pandemia na
Europa e nos Estados Unidos, permanece a dúvida em relação à medida mais
acertada para este momento. Não há consenso acerca do rumo a ser
tomado.
Na Europa, enquanto o Banco Central Europeu entende que é hora de
reiterar as políticas de estímulo para os países do bloco, uma decisão
da corte alemã ameaça pôr em xeque a legitimidade dessa medida. Já o
Federal Reserve (Fed), o banco central americano, seguiu na mesma linha,
dando novo significado a sua atuação. Ainda em março, a instituição já
havia reduzido as taxas de juros para níveis historicamente baixos e,
agora, vem agindo no sentido de incentivar empresas, cidades e Estados,
com empréstimos, além de ter comprado títulos atrelados a hipotecas —
num volume próximo a US$ 79 bilhões por dia.
Assim, mais do que a incerteza relacionada à demora na recuperação, o
que se nota é que os tomadores de decisão têm uma escolha difícil pela
frente: como aumentar os gastos do Estado sem comprometer o crescimento a
longo prazo (no caso, para 2021 e 2022)?
“Temos de fazer o que pudermos para evitar que negócios de pequeno
porte sobrevivam até que o vírus esteja sob controle”, disse Jerome
Powell, presidente do Fed em discurso para o Peterson Institute for
International Economy. Embora seja enfático na defesa dessa posição, o
chairman reconhece que as consequências virão: “O apoio fiscal adicional
pode ser caro, mas vale a pena se ajudar a evitar danos econômicos a
longo prazo e nos deixar com uma recuperação mais forte. Esse é um
trade-off para nossos representantes eleitos, que exercem poderes de
tributação e gastos”.
Em meio a tamanha volatilidade no Brasil e no exterior,
microempresários, empreendedores e comerciantes só podem aguardar
enquanto o novo normal não vem.
BLOG ORLANDO TAMOSI

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