Para a missão da SpaceX, a Nasa escolheu dois dos seus astronautas mais
experientes, Doug Hurley e Bob Behnken. Os dois são colegas e amigos há
vinte anos. Este é o primeiro voo que fazem juntos. Reportagem de Maria
Barbosa para o Observador:
O primeiro voo espacial da empresa privada SpaceX, rumo à Estação
Espacial Internacional, leva a bordo dois experientes astronautas da
NASA, Robert L. Behnken e Douglas G. Hurley, colegas e amigos há vinte
anos. Ou simplesmente Bob e Doug – como todos os funcionários da NASA e
da SpaceX os tratam.
“Fiz questão que todos na SpaceX conhecessem Bob e Doug como
astronautas, como pilotos de teste, mas também como pais e maridos”,
disse Gwynne Shotwell, presidente da empresa que construiu a nave Crew
Dragon ao New Yor Times.
E foi o que aconteceu. Os media não resistiram à história dos dois
amigos de longa data, ex-pilotos militares, casados com duas colegas
astronautas – que conheceram na turma de 2000 da NASA – ambos pais de um
rapaz, com histórias de vida semelhantes mas personalidades distintas.
Hurley é mais organizado, Behnken é o extrovertido.
Afinal, quem são os dois astronautas, de quarentena há duas semanas
por causa da pandemia de Covid-19, que estão a bordo da cápsula Crew
Dragon, lançada pela SpaceX?
Os dois astronautas têm percursos bastante semelhantes – mas foi só
em 2000 que os caminhos deles se cruzaram. Ambos são ex-pilotos
militares que chegaram ao posto de coronel – Behnken na Força Aérea dos
Estados Unidos, Hurley nos Marines. Os dois entraram para a NASA em
2000, e foram dois dos 17 astronautas selecionados pela agência espacial
naquele ano.
Bob Behnken, 49 anos, é natural de Saint Ann, um subúrbio de St
Louis, Missouri. Em 2010, ele descreveu o lugar como “uma espécie de
bairro de trabalhadores”, acrescentando: “Acho que, em termos de
personalidade… sou uma pessoa da classe trabalhadora”. E chegou mesmo a
trabalhar na construção civil, até descobrir que executar uma obra, ao
ar livre e no calor do verão, não era para ele.
Formou-se em física, em 1988, e uma bolsa militar (tal e qual como
Hurley) deu-lhe a oportunidade de estudar engenharia mecânica na
Universidade de Washington, em 1992. Seguiu-se o mestrado na mesma área
e, anos mais tarde, um doutoramento concluído no Instituto de Tecnologia
da Califórnia, em 1997 – também conhecido como Caltech, uma
universidade de elite que ganhou fama com a série de televisão, A Teoria
do Big Bang.
Depois dos estudos, Behnken passou à prática e foi para a Escola de
Pilotos de Teste da Força Aérea na Base de Edwards, na Califórnia, ao
mesmo tempo que trabalhava no Corpo de Treino de Oficiais da Reserva da
Força Aérea como engenheiro de testes. Nesse período fez mais de 1 500
horas de voo, acumulando experiência em mais de 25 tipos diferentes de
aviões.
Já Douglas Hurley, de 53 anos, cresceu em Apalachin, Nova Iorque.
“Era uma cidade pequena…só tivemos um semáforo quando eu já estava na
faculdade”, contou Hurley em 2009.
Formou-se em Engenharia Civil na Universidade de Tulane em 1988.
Nesse ano, cumpriu uma comissão como segundo tenente no Corpo de
Fuzileiros Navais dos EUA, antes de seguir para a Escola de Treino de
Voo na Virgínia. Em 1991, Hurley serviu em três locais no Pacífico
Ocidental e, em 1997, foi escolhido para frequentar a Escola de Pilotos
de Teste Navais dos Estados Unidos, em Maryland.
Já na NASA, trabalhou na equipa de apoio aos astronautas para as
missões de transporte STS-107 e STS-121.Em 2009, foi ao espaço pela
primeira vez no Endeavor. E em 2011 voou na missão final do vaivém
espacial.
Curiosamente, foi na agência norte-americana, durante a recruta, que
Bob e Doug conheceriam as duas astronautas com quem, mais tarde, se
viriam a casar – e que também faziam parte da classe de 2000 da NASA. Os
casais estiveram presentes nos casamentos uns dos outros.
Família: “Porta-te bem, não dês problemas à mãe”
A mulher de Bob Behnken é Megan McArthur, uma oceanógrafa que
integrou a missão do vaivém espacial que fez uma última viagem, em 2009,
para reparar e atualizar o Telescópio Espacial Hubble. Como membro
ativo do corpo de astronautas, está na corrida ao lugar de primeira
mulher a pisar na Lua em 2024, segundo o cronograma da NASA. Os dois são
pais de Theodore, de seis anos.
Na última conferência de imprensa, Behnken não escondeu o orgulho de
partilhar com a família esta missão: “No meu primeiro voo (para o
espaço) eu ainda não tinha um filho, então estou realmente empolgado por
tê-lo aqui comigo, a acompanhar de perto esta aventura”.
Doug Hurley é casado com Karen Nyberg, uma astronauta que passou seis
meses na Estação Espacial Internacional, em 2013. O treino para a
missão arrancou alguns meses depois do nascimento do filho Jack,
atualmente com 10 anos. Essa altura, coincidiu também com o facto de
Doug se estar a preparar para o seu primeiro voo – o que obrigava a mãe a
levar a criança para a Rússia, onde decorriam os testes, mas outras
vezes ficava em casa com os avós, no Texas. Os dois revelaram que os
primeiros anos de vida de Jack tiveram de ser intercalados com as
missões espaciais dos pais.
Esta tarde de sábado, minutos antes da chegada ao foguetão, Doug
Hurley, já equipado com o fato espacial preparado pela SpaceX para os
astronautas da NASA, despediu-se da família e deixou um recado ao filho:
“Porta-te bem, não dês problemas à mãe”, o que arrancou risos à equipa
da NASA.
Se para os Estados Unidos esta missão é especial porque marca o
regresso do país aos voos tripulados, a partir de solo americano – a
última missão do programa Space Shuttle foi a 21 de Julho de 2011, dia
em que a Atlantis aterrou no Kennedy Space Center – também para Bob e
Doug é um momento emotivo.
"Ter a sorte de voar com seu melhor amigo... acho que muitas pessoas
gostariam disso. É como ter um segundo par de mãos", assumiu Hurley,
numa conferência de imprensa, este mês. Acrescentando, ainda, que sabe
instantaneamente quando faz algo errado, porque o amigo "não sabe
esconder bem".
Cada um deles voou para o espaço duas vezes em missões de vaivéns
espaciais, embora nunca o tenham feito juntos. “Ter a sorte de voar com
seu melhor amigo… acho que muitas pessoas gostariam disso. É como ter um
segundo par de mãos”, assumiu Hurley, numa conferência de imprensa,
este mês. Acrescentando, ainda, que sabe instantaneamente quando faz
algo errado, porque o amigo “não sabe esconder bem”.
Essa cumplicidade é uma das vantagens da missão, segundo Behnken: “O
que é útil para nós, enquanto equipa, é o longo relacionamento que Doug e
eu temos”. “Estamos naquele momento da relação em que, além de
terminarmos as frases um do outro, podemos quase prever, pela linguagem
corporal, qual é a opinião da pessoa que está ao nosso lado ou o que ela
fará, qual será sua próxima ação.”
Behnken admitiu, ainda, que Hurley é o mais organizado dos dois.
Também o bom humor entre os astronautas ficou claro num vídeo
divulgado NASA. Behnken disse que estava ansioso pela queda, na água, no
final da missão, tendo acrescentado: “Espero que haja um pouco de
vómito nesse momento final. Quando atingirmos essa oportunidade de fazer
isso juntos na água, é estranho de se dizer, mas estou ansioso por esse
tipo de comemoração.” Hurley, mais sério, lá acabaria por concordar com
o amigo e reconhecer que o vómito comemorativo no final da missão “será
excelente”.
Em agosto de 2018, Hurley e Behnken foram anunciados como a
tripulação principal do Demo-2, o primeiro voo da SpaceX com tripulação a
bordo.”Bob e eu, nos últimos dois anos, fazemos quase toda a nossa vida
na Califórnia, trabalhando lado a lado com o pessoal da SpaceX. Só
assim foi possível chegarmos a este ponto”, relatou Doug Hurley
recentemente. Foi toda uma aprendizagem, dos elementos técnicos mais
complexos à utilização do ecrã sensível ao toque, disponível na Crew
Dragon – e bem diferente dos botões arcaicos e gorduchos dos painéis de
instrumentos das antigas naves espaciais.
Apesar do avanço da tecnologia, Hurley reconheceu que a sua
experiência como piloto de teste nas aeronaves militares se mostrou
crucial no trabalho com a SpaceX. “Isso, por si só, ajudou-nos muito,
porque durante os treinos para as missões das forças armadas, também há
atrasos, desafios técnicos, imprevistos com os quais não estamos à
espera de ter de trabalhar, mas temos de o fazer”.
"É uma honra ser parte deste grande esforço para colocar os Estados
Unidos de volta no negócio de lançamentos. Falamos com vocês em órbita",
afirmou o astronauta Doug Hurley, minutos antes do lançamento.
E o que não faltaram foram contratempos — incluindo duas explosões
que destruíram uma das cápsulas do Crew Dragon, num teste de solo, ou
problemas com os paraquedas. Apesar dos revés, a equipa não perdeu a
motivação. “Estávamos bem preparados para isso, acho que o não
cumprimento das datas de lançamento originais não causou frustração na
NASA”, explicou Hurley.
Este sábado, tal como Neil Armstrong e os seus colegas da missão
Apollo 11, os dois norte-americanos partiram da plataforma 39A do Centro
Espacial Kennedy, na Florida, para uma segunda tentativa. Desta vez,
bem sucedida. “É uma honra ser parte deste grande esforço para colocar
os Estados Unidos de volta no negócio de lançamentos. Falamos com vocês
em órbita”, afirmou o astronauta Doug Hurley, minutos antes do
lançamento.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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