O escritor Theodore Dalrymple, que passou o confinamento do Corona em
Paris, saiu às ruas para observar o lixo e o modo de vida dos franceses
(como bom inglês, claro):
O governo francês e a cidade de Paris discordam quanto à abertura ou
interdição dos parques e jardins públicos da cidade —há 169 deles. O
governo federal defende que eles permaneçam fechados, enquanto a cidade
defende a reabertura. Confesso que não entendo a lógico de manter os
parques fechados enquanto lojas, shoppings e ruas estreitas estão
abertos.
O governo teme que, sem restrições, as pessoas serão irresponsáveis,
embora haja sinais de que muitas não serão, e as provas que baseiam o
fechamento dos parques são para lá de questionáveis. A cidade quer abrir
os parques aos poucos, o que não faz muito sentido: as pessoas têm a se
aglomerar menos quando há mais espaço disponível, não?
Por enquanto, contudo, tenho de me contentar com caminhadas pelas
ruas e decidi combinar exercício físico com o dever cívico, por isso
ando com uma haste de catar lixo tirando a sujeira jogada na sarjeta e
nas folhagens diante dos prédios.
“Chapeau!” (Bravo!) gritou uma mulher da sua sacada. Um homem que
passava num carro de luxo preto não ficou tão impressionado: ao passar
bem devagar por mim, ele me olhou como se eu tivesse fugido de um
hospício. Acho que ele não era exatamente criterioso quanto ao seu
próprio lixo.
O trabalho, ou atividade, é fascinante e até que agradável — desde
que você use luvas. Ele permite que se tenha uma visão diferente, senão
da sociedade exatamente, ao menos da forma como as pessoas vivem. Todo
pedaço de lixo na rua ou nos jardins foi um ato de desprezo, indiferença
ou hostilidade em relação à sociedade como um todo, ao espaço público. A
calçada perto do meu apartamento exibe um slogan pichado: A rua
pertence a todos. Isso dá a todos, claro, o direito a jogar lixo por aí.
Durante a pandemia de Covid-19, talvez fosse de se esperar que as
pessoas jogassem máscaras e luvas na rua depois de tê-las usado. Havia,
claro, os detritos comuns do homem contemporâneo (e sobretudo da
juventude contemporânea), incapaz de andar por alguns metros sem
consumir chocolate, refrigerante, hambúrguer, cerveja, água ou
sanduíche: nenhum caroço de maçã ou casca de laranja entre eles.
Havia ainda os panfletos publicitários que todos recentemente
recebemos, oferecendo serviços de encanador ou avaliação gratuita de
imóveis — esses vão diretamente da caixa do correio para a rua. Havia
recibos de supermercados, embalagens de remédio vazias (Lipitor,
hidroxicloroquina), isqueiros descartáveis, caixas de todos os tamanhos e
pedaços de incenso queimados.
Interessante foi o espaço entre alguns arbustos em frente ao meu
apartamento, que eu tinha limpado no dia anterior — ele agora estava
cheio de latas de cerveja, embalagens de preservativos e três pequenos
frascos de metadona. Quanta coisa acontece à noite e nem nos damos
conta! Talvez eu deva comprar binóculos de visão noturna para investigar
melhor.
Devo acrescentar ainda que 2 metros quadrados de habitação por aqui
custam o equivalente a um ano da renda média de uma família na França. (Gazeta do Povo).
Theodore Dalrymple é médico e escritor.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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