A vingança virá e será maligna, mas tem o Irã fôlego para ir à guerra?
Tem Donald Trump mais motivo para festejar ou se afundará em outro
pântano? Vilma Gryzinski:
Quem vive pela espada, morre pela espada. Mas a extrema simplicidade
dos mísseis americanos disparados por drones trouxeram uma morte
extraordinariamente banal para o maior operador, tanto militar quanto
político, de todas as intervenções externas do Irã.
A morte do frio, eficiente, carismático e, para tantos xiitas,
carismático general Qasem Soleimani difere em tudo dos assassinatos de
Osaba Bin Laden e Abu Bakr Al Bagdadi.
Os chefões terroristas viviam escondidos e não representavam estados,
muito menos um militarizado como o Irã. Só foram localizados e
eliminados depois de muitos anos de buscas até chegar a situação menos
ruim possível para as forças especiais que montaram operações complexas,
com centenas de envolvidos diretamente e um enorme aparato por trás.
Soleimani, ao contrário, foi incinerado por uns poucos mísseis num
lugar que não poderia ser mais público: o aeroporto do Iraque, país por
onde circulava como um sátrapa, dando ordens ao governo e às milícias
xiitas.
Tinha sido recebido por um desses elementos, o chefe de um dos
maiores grupos armados locais, hoje transformados em forças que competem
ou superam os regulares.
Abu Mahdi al-Muhandis, vice-comandante das Forças de Mobilização
Populares, também estava numa das duas SUVs levadas até a pista do
aeroporto para receber o poderoso iraniano. Entrou para a lista de dez
mortos.
Qasem Soleimani, comandante de todas as operações externas, do mais
disfarçado ato terrorista à intervenção em larga escala na guerra na
Síria, também tinha uma posição oficial num governo legalmente
reconhecido.
Isso, obviamente, cria complicações adicionais, mesmo que a
justificava apresentada pelo Pentágono seja verdadeira em todos os seus
aspectos.
“O general Soleimani desenvolvia ativamente planos para atacar
diplomatas e membros das Forças Armadas no Iraque e por toda a região.”
“O general Soleimani e sua Força Quds foram responsáveis pelas morte
de centenas de soldados americanos e da coalizão e ferimentos em outros
milhares.”
Depois do ataque à embaixada americana no Iraque, orquestrada pelo
Irã e executada por seus apaniguados locais, Donald Trump tuitou que o
preço seria caro.
“Isso não é um aviso, é uma ameaça. Feliz ano novo”, provocou.
O aiatolá Ali Khamenei, o detentor do poder real na estrutura
governamental do Irã, que permite chamar o país de teocracia, respondeu
que “aquele sujeito”, Trump, “não pode fazer coisa nenhuma”.
Não se pode dizer que o aiatolá não pisou na bola.
O presidente americano pode e fez.
Com eficiência de cair o queixo.
Excepcionalmente, Trump não se vangloriou. Tuitou apenas uma bandeira americana.
As consequências serão vistas nos próximos dias – ou meses ou anos, o
espírito revanchista dos iranianos ligados ao regime é de fôlego longo.
O regime também comanda a fidelidade de um dos maiores grupos
político-terroristas do mundo, o Hezbolá do Líbano, que inclusive tem
muitas raízes entre Brasil, Argentina e Paraguai, fora livre trânsito na
Venezuela.
Tudo que um político faz é um ato político. Ainda mais alguém como
Trump, enfraquecido pelo pedido de impeachment e ansioso com o ano
eleitoral.
Bill Clinton chancelou um bombardeio no exterior exatamente no dia em
que seu impeachment foi aprovado (não passou pelo Senado, o mesmo
resultado previsto para Trump).
Nada comparável a explodir em pedacinhos o chefe das operações clandestinas ou públicas de um país como o Irã.
O assassinato pode provocar uma guerra?
Ninguém tem condições de cravar uma resposta a uma pergunta desse tamanho.
O Irã estava seguindo uma política de provocações localizadas,
esperando intimidar todos os adversários de Trump – praticamente o mundo
inteiro – e forçar a retomada do acordo nuclear que o presidente
rasgou, esperando negociar uma versão melhor.
Trump ficou na posição perde-perde.
Não fazer nada, ou pelo menos não retaliar abertamente ataques contra
instalações petrolíferas na região, só aumentaria a audácia do
adversário. Retaliar em massa abria a possibilidade de guerra em grande
escala.
A tática da contenção realmente deu asas aos iranianos. A milícia
Kataeb Hezbolá atacou uma base de militares americanos e iraquianas. De
troco, levou uma serie de bombardeios, com 25 mortos, o motivo alegado
para o cerco à embaixada.
Diplomatas e funcionários passaram 24 horas presos dentro delas, certamente morrendo de medo.
A opção por um assassinato político focado, assumido e sem
precedentes no caso de dois países que não estão em guerra, foi a
alternativa.
Arriscadíssima, claro.
A reação da oposição a Trump foi resumida por Joe Biden.
“Nenhum americano vai derrubar lágrimas pelo passamento de Qassem
Soleimani. Ele merecia ser levado à justiça por seus crimes contra
tropas americanas e dezenas de inocentes em toda a região”, amaciou
Biden.
Para engrossar em seguida: “O presidente Trump acaba de jogar uma banana de dinamite numa caixa de pólvora.”
“O Irã certamente vai reagir. Podemos estar no limiar de um grande conflito em todo o Oriente Médio.”
É verdade, também. O Irã pode atacar Israel através de seus
terceirizados do Hezbolá, pode acionar as milícias iraquianas, pode
bloquear parte ou todo o trânsito de petróleo no Golfo Pérsico.
Mas ver Joe Biden vacilar, demonstrar medo e criticar a morte de uma
figura como o general iraniano que pregava varrer Israel do mapa e os
americanos do Oriente Médio não tem preço para Trump.
Os mísseis Hellfire disparados pelos drones americanos no aeroporto
de Bagdá também vão destruir a reputação de muita gente que, ao
contrário do que alegou Joe Biden, vai chorar a morte de Qasem
Soleimani.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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