Não, o artigo não se refere ao Brasil da leniência do STF com os
corruptos, mas de Portugal, onde "o silêncio do governo e a teoria da
educação como única solução para combater a corrupção banalizam o crime.
Pior: fomentam um determinismo insultuoso para quem não corrompe nem se
deixa corromper". Qualquer semelhança, portanto, não é mera
coincidência. Artigo de Luís Rosa para o Observador:
1 Treze ex-banqueiros do Monte dei Paschi di Siena, a instituição financeira italiana mais antiga do mundo criada em 1472, foram condenados
há 15 dias em Milão a penas que variam entre os sete e os cinco anos de
prisão. Os gestores praticaram vários crimes financeiros ao
falsificarem as contas do banco ao ocultarem várias centenas de milhões
de euros de dívida do banco entre 2008 e 2012 — tudo em conluio com
Deutsche Bank e o japonês Nomura, bancos que foram condenados a pagar
uma multa de 160 milhões de euros. A descoberta do buraco levou o
Governo italiano a nacionalizar o Monte dei Paschi di Siena em 2017 para
impedir a falência.
Estamos a 25 de novembro de 2019, o Banco Espírito Santo foi alvo de
resolução há mais de cinco anos mas a investigação do chamado caso
Universo Espírito Santo continua sem data à vista para o seu
encerramento. E quando o Ministério Público produzir uma acusação, o
sistema judicial português vai demorar muito mais do que cinco anos a
realizar a instrução criminal e o julgamento até os ex-administradores
do BES terem uma sentença de condenação ou absolvição.
Ricardo Salgado tem 75 anos e muitos outros gestores do BES têm
também uma idade avançada. No dia em que escrevo estas linhas, não é
arriscado fazer o seguinte prognóstico: muitos dos protagonistas deste
caso vão desaparecer antes do trânsito em julgado dos autos do caso
Universo Espírito Santo. Ou seja, é muito provável que a culpa pela má
gestão do BES, que já custou cerca de 5 mil milhões de euros aos
contribuintes, nunca venha a ser apurada.
O mesmo se poderá dizer sobre do processo principal do caso BPN. José
Oliveira Costa tem 84 anos e já foi condenado pelo Tribunal da Relação
de Lisboa a uma pena de prisão de 15 anos por vários crimes
económico-financeiros depois da segunda instância ter analisado o seu
recurso durante dois anos e após um julgamento que demorou sete anos. A
nacionalização do BPN também já custou cerca de 5 mil milhões de euros
aos cofres públicos.
Independentemente da responsabilidade concreta do Ministério Público
na gestão do caso Universo Espírito Santo (por razões que já expliquei aqui),
o provável epílogo deste caso e do BPN será uma forte machadada na
credibilidade do sistema judicial português pela sua absoluta
incapacidade de ser pragmático e célere. Ao fim e ao cabo, de ser uma
verdadeira Justiça que ajude a pacificar a comunidade que deveria
servir.
Também é certo que no dia em que este desfecho se concretizar,
ouviremos dezenas de advogados a darem pancada (e com razão) no
Ministério Público, sem se preocuparem minimamente com as causas da
ineficiência do sistema. Compreende-se porque não o fazem: os grandes
escritórios e os seus clientes são os beneficiários dessa falta de
eficácia.
Foi precisamente contra esta trágica ineficiência que o ex-ministro Álvaro Santos Pereira propôs diversas soluções em entrevista ao Observador,
inspiradas em medidas que outros países têm aplicado com sucesso no
combate à criminalidade económico-financeira. Eis alguns exemplos:
*Mecanismos de colaboração premiada e de proteção de testemunhas que
permitam à investigação ter acesso a prova documental (e não apenas
testemunhal) que comprovem a prática dos crimes;
*Mecanismos legais que permitam separar os crimes
económico-financeiros, como fraude fiscal e branqueamento, dos crimes de
corrupção, para um julgamento mais rápido;
*Limitação dos recursos e eliminação de expedientes dilatórios para aumentar celeridade do processo penal;
*Execução da pena de prisão após decisão da segunda instância que encerra a matéria de facto;
*Tribunal de competência especializada para julgar os casos mais complexos da criminalidade económico-finaneira.
São medidas que visam a fase de inquérito e a fase de julgamento e
que permitiriam a conclusão mais célere dos processos criminais — o que é
do interesse dos arguidos mas também da própria comunidade. E que são
aplicadas nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e outros países que
têm um Estado de Direito tão ou mais reforçado do que o nosso.
2 Estas propostas de Álvaro Santos Pereira representam
igualmente uma autêntica pedrada no charco porque vivemos um tempo
político em que o poder vigente do PS, com a ajuda dos respetivos
comentadores alinhados, tem uma narrativa que encara a luta contra a
corrupção e a criminalidade económico-financeira como algo populista e
demagógico. Qualquer medida que vise aumentar a celeridade penal é
rapidamente encarada como algo que atenta contra as liberdades e
garantias dos cidadãos e, mais importante, como algo que abrirá a porta
ao nascimento de réplicas nacionais de Trump, Bolsonaro, Berlusconi e
Salvini. Pois foi isso que aconteceu, dizem esta mentes brilhantes, nos
Estados Unidos, Brasil e Itália.
Não deixa de ser irónico que aqueles que tentam ligar a luta contra a
corrupção a pseudo-conspirações populistas sejam exatamente os mesmo
que foram cúmplices do PS entre 2005 e 2011 na consagração de um poder
autocrático que tentou controlar o poder judicial, a comunicação social e
as principais empresas do país para perpetuar José Sócrates no poder.
É por isso que o primeiro-ministro António Costa ou a ministra
Francisca Van Dunem pouco ou nada falam do tema. Do ponto de vista
político, compreende-se porquê. Falar no combate à corrupção é falar da
Operação Marquês e de José Sócrates, logo é falar de um Governo que foi
liderado por um socialista que já saiu do partido mas que os eleitores
associam ao PS.
3 Além desta estratégia de silêncio, o Governo entende que a
corrupção e a criminalidade económico-financeira que lhe está associada
só pode ser combatida exclusivamente através de medidas preventivas,
como pode ler aqui.
Ou seja, combate-se a corrupção através da educação, como também
defendeu a penalista Inês Ferreira Leite (Faculdade de Direito de
Lisboa) no “Expresso da Meia-Noite” de 8 de novembro — ouvir aqui entre 36m00 e 37m30.
Esta estratégia de silêncio e a teoria progressista da educação têm
como consequência a normalização da corrupção. Pior que tudo: fomentam
um determinismo profundamente insultuoso ao defenderem a ideia de que de
que a corrupção faz parte do quotidiano. Como se a corrupção fosse
endémica (que não é) e os cidadãos que não corrompem nem se deixam
corromper fossem uns palermas por não fazerem o mesmo que os corruptos.
No contexto de uma democracia, em que a comunidade delegou nos seus
representantes políticos a tomada de decisões em seu nome, o crime de
corrupção é o pior que pode ser imputado a titulares de cargos públicos.
Porque representa uma traição tão profunda na confiança que o eleitor
depositou no eleito que acaba por abalar os alicerces da democracia.
Isto para não falar de todos os custos financeiros e económicos, além da
manipulação das regras de funcionamento do mercado, que está a
associada à corrupção e a outros crimes associados.
Sejamos claros: combater a corrupção exclusivamente através da
educação é a mesma coisa que utilizar uma fisga com bolas de papel para
tentar lutar com um leão. É por isso que a corrupção tem de ser
combatida de forma vigorosa e estrutural através de todos os
instrumentos legais ao dispor do Estado, como Santos Pereira propõe.
Pensar e agir de forma diferente é promover a descredibilização da
democracia.
O sistema judicial que mandou prender Armando Vara e Duarte Lima, que
deteve preventivamente e que já acusou José Sócrates e Ricardo Salgado,
além de Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, não fomentou qualquer
populismo. Pelo contrário: reforçou a credibilidade da democracia e o
princípio da igualdade de todos perante a lei.
Esse é o caminho que tem de continuar a ser trilhado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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