MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

terça-feira, 1 de maio de 2018

O cavalo Palocci, os verbos e a guerra da delação.


Só ao Judiciário cabe avaliar termos de um acordo e, se consistentes com ordenamento jurídico brasileiro, dar-lhes validade, não importa se negociados por MP ou PF. Texto do editor Carlos Andreazza, via O Globo:


O problema é o verbo e suas variações: fechar, firmar, celebrar. Trata-se de emprego errado. Se a matéria for acordo de colaboração premiada, Ministério Público e Polícia Federal nada podem além de negociar. Eis o verbo correto para o caso: negociar. Uma obviedade: quem acorda é quem homologa, o Judiciário exclusivamente. Ponto final.

Esse introito tem fito: excluir um erro fundamental do conjunto de erros graves em que consiste a perigosa briga entre MP e PF pelo direito de, segundo as instituições, fechar contratos de delação. Essas turmas podem mesmo muito, quase tudo; mas ainda — insisto — não firmam coisa alguma se o objeto for um acordo de colaboração. Negociam. Repito: negociam. Não exagerarei, aliás, se escrever que muita munição nessa batalha teria sido poupada se a humildade — o respeito à lei — conduzisse os contendores ao uso do verbo certo. Para tanto, porém, seriam necessários juízes. Mas o que restará se foi um deles, Edson Fachin, comportando-se como despachante de procurador, o criador das condições para que MP e PF se julgassem autorizados a pactuar contratos de delação?

Sim. Refiro-me ao estado de coisas que permitiu a existência de um acordo criminoso como aquele celebrado com os donos da JBS, que avançou Supremo adentro sem que juiz se comportasse como juiz. Nada se aprendeu com o episódio. Ou não estaremos diante de um vergonhoso esforço de assessoria de imprensa dos Batista para reverter o destino, a óbvia (mas estranhamente demorada) anulação, do acordo espúrio que fecharam com o Estado brasileiro? Isso a ponto se ter concebido — como ferramenta de convencimento ante a letargia de Fachin — uma espécie de delação eterna, folhetinesca, em tempo real e sob demanda. Repare, leitor. Se o tema do dia for, por exemplo, devassa em gabinetes de políticos do PP, opa: Joesley tem mala de dinheiro para lideranças do partido a revelar. E — atenção — a quem ora faz suas revelações? A quem ora revela suas traficâncias, depois de haver enlameado a Procuradoria-Geral da República no (ainda nada apurado) escândalo estrelado por Marcelo Miller e Janot Boys? À Polícia Federal; aquela que, ademais, comanda as devassas em gabinetes. E, assim, voltamos à guerra entre MP e PF.

É disputa de poder. O MP, força ascendente no partido do sistema judicial jacobino, quer a prerrogativa estritamente para si, desde a condição de titular da ação penal. A PF, por sua vez, luta para se inscrever como também apta a fazer acordos de colaboração — e, ao que parece, terá o aval do Supremo para tanto, a definir se o poderá fazer de modo independente, com posterior homologação do Judiciário, ou (mais provável e problemático) se a depender de chancela do MP antes de o contrato ser submetido ao juízo.

É disputa de poder — e uma que atenta contra o equilíbrio institucional. Porque não simplesmente pelo direito de negociar acordo de delação, mas — aplicando, com a regência do STF, o verbo errado — pelo de estabelecer, por exemplo, redução de pena e até mesmo perdão judicial. Uma batalha, sejamos claros, pelo aval para invadir prerrogativas não somente do Judiciário, mas também do Legislativo, uma vez que procuradores há tempos não se constrangem em formular cláusulas sem lastro previsto nos códigos legais do Brasil, e já que apenas raros juízes cumprem a função elementar de lembrar que, se só ao Judiciário cabem a definição de pena e o perdão judicial, só ao Judiciário cabe avaliar os termos de um acordo e, se consistentes com o ordenamento jurídico brasileiro, dar-lhes validade, não importa se negociados por MP ou PF.

Chegamos, pois, à mitológica delação de Antonio Palocci — mais um movimento, talvez o mais ousado, na discórdia entre as instituições. Durante meses, diariamente, fomos informados das tratativas entre o ex-ministro e o MP para a costura da tal colaboração. A coisa não prosperaria. A versão pública, divulgada pelos próprios procuradores, explicava que o petista entregava pouco (ou não o que queriam), conteúdo propagandeado como insuficiente para justificar o acordo, revelações superficiais chamadas de “fofocas de Brasília”.

O que terá mudado desde então? Haveria alguma mudança? O que Palocci terá oferecido de maneira a tornar uma delação descartada como lixo pelo MP em material atraente para a PF? Alguma novidade? Ou nada de novo seria necessário porque já havia matéria consistente no conjunto desvalorizado pelos procuradores? Será uma questão somente de olhar? Ou terá o ex-ministro ofertado mesmo a mesma pobreza rechaçada pelo MP, no entanto acolhida pelos delegados como peça de propaganda, imprestável para a produção investigativa mas poderosa à pressão política por impor, através de uma delação-fetiche apresentada como fato consumado, o próprio direito a fechar acordos de colaboração?

Objetivamente: será Palocci apenas cavalo para que avancem os interesses corporativos da Polícia Federal, ou teremos um cavalo que fala?
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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