Artigo do general Eduardo Villas Bôas, publicado na edição impressa de Veja desta semana:
Ao longo dos anos, o
Exército brasileiro tem tido uma participação marcante na história do
país, em especial nos momentos de crise. Sem jamais escolher a missão, a
Força Terrestre vai muito além da sua vocação basilar de defesa da
pátria. Ela tem desempenhado um papel ativo em uma gama variada de ações
que incluem o apoio à garantia de votação e apuração durante as
eleições, a segurança de grandes eventos, como a Olimpíada e a Copa do
Mundo, oportunidades em que a imagem do país esteve em jogo, e em
copiosas missões subsidiárias, como a distribuição assistencial de água à
população nordestina.
Além disso, nas
últimas duas décadas, o Exército tem participado de inúmeras missões de
Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em todo o país, particularmente no
Estado do Rio de Janeiro. Essa atuação tem se intensificado,
oportunidades em que a Força Terrestre evidenciou a sua disponibilidade
permanente e o seu espírito de cumprimento de missão, características
inerentes ao soldado brasileiro. Esse estado de prontidão, materializado
pelo atendimento tempestivo às necessidades da nação, alça as Forças
Armadas ao topo das instituições com maior credibilidade junto à
população brasileira.
Nas horas mais
difíceis vivenciadas por nossa sociedade, o Exército esteve sempre
presente, empregando todas as suas capacidades, para bem cumprir as suas
missões constitucionais. No caso específico do Rio de Janeiro, diversos
modelos operacionais foram adotados, com resultados positivos, mas que
duraram apenas enquanto as tropas estiveram presentes no terreno.
No momento em que as
tropas deixaram de atuar, os índices de criminalidade aumentaram, e a
sensação de insegurança voltou a reinar no seio da população. A razão
disso é que o tema da segurança pública é muito mais complexo, fazendo
com que qualquer solução perene para essa questão demande o envolvimento
de todos os poderes constituídos e ações que permeiem as esferas
econômica, política e social.
Hoje chegamos a um
novo patamar na abordagem da questão da segurança pública no Rio de
Janeiro, no momento em que o presidente da República decidiu expedir um
decreto estabelecendo uma intervenção federal no estado, nomeando como
interventor um oficial general do Exército brasileiro.
Não por acaso um
cidadão brasileiro fardado foi escolhido para exercer a função de
interventor. O simbolismo dessa ação do governo federal evidencia a
confiança depositada nas Forças Armadas, baluarte dos valores éticos e
morais tão caros ao povo brasileiro, capazes de aglutinar outras
instituições, de forma a atender aos apelos de uma sociedade ferida.
Nesse universo de
organizações destacam-se os órgãos de segurança pública do Estado do Rio
de Janeiro como instituições parceiras que vêm buscando cumprir as suas
missões a despeito de todas as dificuldades enfrentadas, merecendo uma
maior atenção das autoridades governamentais no atendimento de suas
necessidades — essenciais ao desempenho adequado de suas funções.
A unidade de comando
proporcionada pela nomeação do interventor amplia as possibilidades de
êxito nessa árdua empreitada. Entretanto, para que ele possa alcançar os
resultados desejados e factíveis no período de dez meses estabelecido
pelo decreto presidencial, é fundamental que disponha de todos os meios
necessários — sejam eles de ordem financeira, material, pessoal e,
principalmente, legal, que só poderão ser disponibilizados se houver o
comprometimento e a ação diligente dos três poderes constitucionais.
Convém salientar que a
intervenção federal não é uma intervenção militar. Ela foi decretada
pelo presidente da República, com base no artigo 34 da Constituição
Federal, em um segmento específico da administração pública de um estado
da federação, para fazer frente à escalada da criminalidade que tem
vitimado a população do Rio de Janeiro.
Para que ela seja
efetiva e alcance os resultados duradouros que a sociedade brasileira
tanto anseia e merece, é fundamental a construção de um projeto de amplo
espectro. Ele deve contemplar a elaboração de novas políticas públicas
de segurança, a reestruturação das polícias militar e civil, incluindo a
adoção de um novo modelo de governança, a reformulação da gestão
prisional e a revisão da legislação penal vigente, entre outros aspectos
relevantes.
Nesse escopo,
espera-se uma cooperação efetiva do Poder Judiciário visando a garantir a
segurança jurídica necessária às tropas, para que estas atuem com
proatividade, bem como a proporcionar a desejável celeridade na condução
dos processos legais, na expedição de mandados, e austeridade no
julgamento dos casos levados à sua apreciação.
Na democracia, o
Estado tem a prerrogativa legal do uso da força. A atitude da
delinquência no Rio de Janeiro põe à prova essa exclusividade, provoca a
instabilidade e a insegurança social. Considerando a gravidade do
cenário, divulgado amplamente pela mídia nacional e internacional, é
importante que medidas legais, em caráter excepcional, sejam
estabelecidas para que os militares possam atuar com maior efetividade e
obtenham os resultados almejados pela sociedade, sempre respeitando as
garantias constitucionais.
As instituições
militares têm se posicionado há décadas como organismos de Estado, fiéis
cumpridoras do regramento democrático. É passado da hora de acreditar
nas Forças Armadas e instrumentalizá-las legalmente para que possam
fazer o seu trabalho. Mas, principalmente, é a hora de as instituições
brasileiras mostrarem o valor que têm. É momento de união, de
desprendimento de ambições menores, de focar soluções efetivas — que não
são rápidas, que não são fáceis. A sociedade nos cobra isso.
* Eduardo Villas Bôas é general de Exército e comandante do Exército Brasileiro desde 2015
Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2018, edição nº 2571
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