O enunciado ‘segurança pública’ é o mais sensível ao brasileiro real. Qualquer movimento que lhe seja relativo e que insinue avanço mobiliza esperanças. Texto do editor de livros Carlos Andreazza, publicado pelo jornal O Globo:
No
exato instante em que Michel Temer assinou o decreto da intervenção
federal no Rio de Janeiro: o ano começou — o ano eleitoral de 2018
começou. Não há ator relevante no tablado que não tenha percebido.
Geraldo Alckmin — o que joga sempre parado, para quem, até há pouco, o
grande tema da campanha seria a dupla emprego e renda — teve de se mexer
e mudar: agora é a segurança pública. A questão tomou a frente. Temer
tomou a frente. Naquele momento, ao formalizar o decreto, fato novo por
excelência, marco deflagrador-acelerador da corrida presidencial, o
presidente se impôs como protagonista, o sujeito-matriz que pauta o
debate público e exige respostas dos adversários, de súbito, pegos de
surpresa, obrigados, como se diz, a correr atrás.
Entramos
no delicado terreno da percepção. O enunciado “segurança pública” é o
mais sensível ao brasileiro real. Qualquer movimento que lhe seja
relativo e que insinue avanço — ruptura no comodismo — mobiliza
esperanças e provoca sensações. Jamais acreditei, por exemplo, na
viabilidade das Unidades de Polícia Pacificadora. Sempre considerei o
projeto uma farsa. Mas nunca desprezei a potência político-eleitoral
daquela irresponsabilidade: força por meio da qual, já nos ecos, até
Pezão conseguiria se eleger, em 2014, governador do Rio de Janeiro;
cortina de fumaça legitimadora por trás da qual a quadrilha de Sérgio
Cabral pilhou o estado.
Estamos
em ano eleitoral. Quase março. A eleição é em outubro. Daqui até lá:
tiro curto. Condições perfeitas a que se explore o impulso perceptivo do
cidadão — corrida a cuja vitória um voo de galinha pode bastar. Não
importa que a intervenção federal seja, hoje, na prática, mero protocolo
de intenções sobre base excepcional; sem, portanto, qualquer conquista
palpável. Não importa. Seu simples anúncio, valorizado pela natureza
atípica do dispositivo constitucional e pela centralidade concedida ao
Exército, deu à questão da segurança pública caráter prioritário — ou
criou o ambiente para que assim fosse percebido. Sobre um assunto cuja
materialidade pode ser medida em 60 mil homicídios anuais, não será
pouco.
É a
percepção de que os efeitos político-eleitorais da ação podem ser
decisivos — e alterar a impressão das pessoas sobre o presidente — o que
orienta, à direita e à esquerda, a reação dos adversários.
Há uma
nuance aqui. Não creio que a popularidade de Michel Temer possa reagir
de modo a torná-lo competitivo eleitoralmente. Não é esse o ponto. A
perturbação está em se o governo Temer, ademais no controle da máquina e
desfrutando da capilaridade nacional do MDB, pode — beneficiado por
avanços nos indicadores econômicos e por alguma imediata sensação de
melhora na área de segurança — chegar a meados do ano como um, talvez o,
grande eleitor.
A
manifestação — tardia — de Lula a respeito da intervenção passou recibo
de apreensão e é altamente significativa de quem acusa o golpe sem ter
meios de contra-atacar com ideias. Até então aquele que dava — sozinho —
as cartas e ditava o ritmo da pré-campanha, senhor absoluto do jogo, o
ex-presidente de repente se viu na defensiva, à margem do debate,
desprovido de ferramentas para se contrapor senão reproduzindo o
discurso de histéricos como Lindbergh Farias: Temer teria, num golpe de
marketing, roubado o programa de Jair Bolsonaro e encontrado para si um
veio eleitoral influente. O senador petista Humberto Costa chegou mesmo a
dizer que o governo federal, em busca de um mote para 2018, lançara-se a
um processo de bolsonarização.
Bolsonaristas
não discordarão. Ao contrário: não faltam manifestações — perplexas —
de apoiadores do deputado que se sentem afanados no discurso. O próprio
Jair Bolsonaro verbalizou o sentimento de homem roubado. É a mais
precisa definição — à esquerda e à direita — de colapso narrativo.
A
propósito, aliás, de Bolsonaro, e sob o impacto da intervenção federal
de Temer em ano eleitoral, convém fazer uma distinção politicamente
importante, que independe da qualidade das propostas do deputado federal
e do presidente para a segurança pública.
Bolsonaro,
o pioneiro, é o que há mais tempo — e longamente sozinho — segura a
bandeira do tema. Ele soube identificar, com rara antecedência, aquela
que é a maior demanda do cidadão brasileiro — e tem lucrado
eleitoralmente com isso. É um mérito. Temer, por sua vez, é aquele que,
em decorrência do decreto, anabolizado pela força do cargo que ocupa,
tirou os adversários da zona de conforto e, ao trazer para si o
enfrentamento prioritário do flagelo também conhecido como segurança
pública no Rio de Janeiro, inscreveu-se como o pauteiro da agenda
política atual.
Não são
poucas as chances de que tenha encontrado, naquele que é estandarte
histórico de Bolsonaro, uma identidade para seu governo; uma identidade
com vigor para transformá-lo. Goste-se ou não: é política. Goste-se ou
não: fica evidente que a diferença está no peso da caneta. Um é
candidato a presidente e deputado federal. O outro é o presidente da
República.
Não se
pode subestimar a máquina, a musculatura do establishment. Essa é uma
boa lição — ainda a se aprender — antes que a campanha comece à vera.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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