MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 19 de novembro de 2017

UM "NEOLIBERAL" NA REVOLUÇÃO


por Percival Puggina. Artigo publicado em

Penso que avançaremos mais no combate à criminalidade se examinarmos a hipótese de estarmos, simultaneamente, sob os raios e os trovões de uma posição filosófica e de uma atitude política que a estimulam. Elas penduram a criminalidade num varal que tem uma ponta no capitalismo e outra na exclusão social. Na lógica da análise marxista, que faz da vítima um malfeitor, o ladrão é um justiceiro, pararrevolucionário que ainda não compreendeu bem sua trincheira. Ou, quem sabe, um neoliberal da revolução, assumindo na iniciativa privada aquilo que deveria ser socializado pelo coletivo. Aliás, é mais fácil combater o capitalismo com discurso do que vender o socialismo com exemplos.
Pensando sobre isso, lembrei-me de um artigo que escrevi para Zero Hora em 2 de fevereiro de 2001. À época, Tarso Genro era prefeito de Porto Alegre e Olívio Dutra governava o Rio Grande do Sul. Sim, sim, já passamos por isso. O referido texto tratava de um assalto ocorrido poucos dias antes na capital gaúcha e que, em vista de suas peculiaridades, ganhara destaque no noticiário.
Por azares da vida, no momento da abordagem, a vítima estava sendo entrevistada por um veículo da RBS, tornando possível a gravação, a transcrição e a divulgação da conversa que se travou entre o assaltado e o assaltante. Esse diálogo, absolutamente incomum, levou o episódio ao noticiário de Zero Hora e motivou o artigo que releio enquanto escrevo. Pasme, leitor: durante a abordagem, o assaltado afirmou e sublinhou, de maneira insistente, sua condição de pessoa conhecida, de dirigente petista presente nos noticiários daquele mesmo dia, de amigo do governador e do prefeito. Foram, ao todo, seis tentativas de trazer política à conversa com o assaltante.
Quem, na condição de assaltado, cuidaria de se apresentar como pessoa importante? Fazê-lo seria algo arriscado pois poderia aguçar a ganância do criminoso. Havia um intuito e uma estratégia naquela atitude. O assaltado tinha convicção de que produziria efeito positivo sobre o bandido. Intuía que sua posição estabeleceria uma conexão entre ambos. O assaltante, porém, não foi sensível. “Não quero saber do teu trabalho, né meu? Minha caminhada é uma, a tua é outra.”
Com essa frase, a política saiu da pauta do assalto. E o assalto entrou na pauta da política. Afinal, nossa insegurança tem a ver com ele. A vítima, ali, sabia que para a esquerda marxista brasileira tudo se resume a uma luta pelo poder, daí porque a palavra "luta" só deixa a frase do discurso para virar cartaz de passeata. Sabia, também, que toda ruptura da ordem serve à causa, quer seja uma invasão de escola por meia dúzia de adolescentes, quer seja a revolta de um presídio. Aprendeu que permissividade com o roubo abala o valor do direito de propriedade. Soube que para Foucault, guru da New Left, “As prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou, ainda pior, aumenta." Ou, como li outro dia num trabalho acadêmico: "O controle social institucionalizado, realizado pelo jus puniendi, com instrumentalização dada pelo Sistema Penal, carece, hodiernamente, de fundamentação teórica e filosófica que lhe dê sustentação, legitimidade."
É fácil entender o quanto essa concepção resulta aconchegante aos criminosos, desestimula a criação de vagas prisionais e tem oferecido aos fora da lei segurança e condenações sem qualquer eficácia.
_______________________________
* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

Nenhum comentário:

Postar um comentário