O parlamentar conservador aparece em segundo lugar em
pesquisas recentes de intenções de voto. Segundo o Datafolha, 16% dos
eleitores votariam nele. À sua frente está o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT), com 36%, e atrás, Marina Silva (Rede), com 14%.
Neste cenário, um detalhe tem chamado a atenção de
analistas e cientistas sociais: 60% dos eleitores de Bolsonaro têm entre
16 e 34 anos. Desses, 30% têm menos de 24 anos. O percentual é
significativo quando comparado com a atração ao público jovem de seus
principais concorrentes: 45% dos que disseram votar em Lula têm menos de
34 anos. Entre os que preferiram Marina, 49% estão nessa faixa etária.
Por que parte da juventude apoia de maneira apaixonada
um ex-militar cuja atuação em seus 26 anos de Congresso (sete mandatos)
vinha tendo pouco brilho?
Um consenso entre pesquisadores ouvidos pela BBC Brasil é
de que Bolsonaro é um dos principais atores políticos nas redes sociais
– e que parte de sua força entre jovens pode derivar desse fato.
Gabriel, por exemplo, viu o meme, pesquisou vídeos do deputado no
YouTube e passou a acompanhar diariamente sua página no Facebook – o
perfil do político tem 4,7 milhões de seguidores.
Entre seus adversários na corrida presidencial, Lula tem 3 milhões, João Doria, 2,9 milhões. Marina tem 2,3 milhões.
Neste mês, um levantamento do Ibope mostrou que os
eleitores brasileiros com acesso frequente à internet representam 68% do
total de eleitores. Entre os que expressam preferência por Bolsonaro,
no entanto, a situação é bastante diferente. “Nossa pesquisa mostrou que
90% dos eleitores de Bolsonaro têm acesso à rede”, diz Márcia
Cavallari, diretora do Ibope.
“Bolsonaro sabe muito bem utilizar as redes sociais,
conhece a linguagem que viraliza, usa frases curtas de efeito apelativo,
cria polêmica, fala o que pensa. Ele é um performer”, diz Esther
Solano, doutora em ciências políticas e professora da Universidade
Federal de São Paulo.
Para Moysés Pinto Neto, professor de filosofia da
Universidade Luterana do Brasil, Bolsonaro criou um personagem midiático
que joga com a incerteza sobre o tom do que diz. “Em um vídeo (gravado
em 1999), ele disse que mataria pelo menos 30 mil pessoas no Brasil. Ele
está falando sério ou não? Não dá pra saber”, diz o acadêmico, que vem
pesquisando como movimentos sociais de direita atuam nas redes sociais.
Este tipo de discurso foi elogiado por três jovens eleitores do deputado em entrevista à BBC Brasil.
“Vi Bolsonaro pela primeira vez em 2014, em um vídeo no
Facebook. Ele não fala nada para agradar o povo, ou para parecer
politicamente correto”, diz a autônoma Jéssica Melo da Silva, de 19
anos, moradora de Belém. “Ele fala o que pensa, e isso incomoda as
pessoas”, diz Gabriel, que mora em Mesquita, na Baixada Fluminense.
Mas soltar o verbo também deixou o político conservador
em apuros. Em outubro, ele foi condenado pela Justiça a pagar R$ 50 mil
de indenização por um comentário considerado preconceituoso sobre uma
comunidade quilombola. Ele também é chamado de homofóbico e de misógino,
por ter feito declarações com críticas a gays e piadas sobre as
mulheres.
Os eleitores relativizam manifestações polêmicas do
deputado: dizem que elas foram tiradas de contexto e que há perseguição
por parte de movimentos de esquerda e de grupos feministas e LGBT. “Sou
negro e não votaria em alguém racista”, diz Gabriel.
Outro eleitor, o estudante de engenharia civil João
Pedro Vital, de 18 anos, também discorda da imagem de racista do
parlamentar: “Alguém que é casado com uma mulata e tem um sogro com o
nome de Paulo Negrão não é racista”, diz, em referência à família de
Bolsonaro.
Bolsonaro com um ‘outsider’
Segundo pesquisadores ouvidos pela BBC Brasil, o
político conservador se apresenta como um “outsider”, ou seja, diz que
não faz parte da política tradicional, cuja imagem é de corrupção. Ele
se mostra contra o chamado “establishment”, as mais poderosas
instituições e organizações políticas, midiáticas e econômicas do país.
Temas como descriminalização do aborto e casamento LGBT seriam do
interesse desse “establishment”, na visão dos conservadores.
Para o universitário Vital, de Salvador, o deputado se
destaca por não ter nenhum escândalo de corrupção no currículo. “Ele tem
moral, é ético e não está metido em corrupção”, diz.
Bolsonaro começou a ganhar simpatizantes depois dos
protestos de junho de 2013, quando milhões de jovens tomaram as ruas
para, primeiro, protestar contra o aumento das tarifas de transporte e,
depois, contra governos e políticos.
As manifestações surgiram com o Movimento Passe Livre
(MPL), grupo de esquerda que, apesar de não gritar contra partidos,
dizia-se apartidário. Em seguida, os protestos foram “cooptados” por
manifestantes de direita, que chegaram a proibir bandeiras de partidos.
“Eram protestos essencialmente para mostrar um
descontentamento com governos progressistas de esquerda, que não
conseguiram implementar reformas estruturais e que acabaram se alinhando
justamente ao sistema econômico que antes criticava”, explica Moysés.
Mauro Paulino, diretor do instituto Datafolha, concorda
que o movimento “antipolítico” começou a mostrar as caras naquele ano.
“Em 2013, as manifestações já tinham um caráter de negação de qualquer
bandeira política”, diz.
Em um contexto de mais de uma década de governos
federais petistas – que coincidiu com a infância e a adolescência de
muitos dos que hoje se assumem eleitores de Bolsonaro -, a esquerda pode
ter sido encarada pelos eleitores em formação como a força política a
ser contestada.
“É uma característica do jovem ser do contra, buscar a
mudança, as transformações sociais. Ele é mais receptivo aos discursos
radicais, à esquerda e à direita”, diz o cientista político Hilton
Cesario Fernandes, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política
de São Paulo (Fespsp).
Para Danilo Cersosimo, diretor do instituto de pesquisas
Ipsos, o fenômeno de Bolsonaro como bandeira contestadora se expressa
principalmente na juventude da classe média urbana. “É um movimento de
um jovem escolarizado que não conseguiu ver as suas aspirações
atendidas”, afirma o analista. “Ele pode estar desempregado, ou tem um
emprego ruim, tem medo da violência e da crise econômica. Então ele
culpa o governo por não conseguir cumprir suas ambições. E quem estava
no governo? O PT e a chamada esquerda.”
Para o professor Moysés Pinto Neto, a esquerda não
conseguiu se aproveitar do descontentamento mostrado nos protestos para
engrossar suas fileiras. “O que aconteceu foi o inverso. A direita, que
sempre foi o establishment, começou a se mostrar como crítica ao
sistema, como se estivesse fora dele e fosse a solução para os
problemas. Nos Estados Unidos, isso levou à eleição de Donald Trump”,
explica Pinto Neto.
Paulino afirma ainda que há uma “crise de representação”
da população brasileira em relação aos políticos. É o tipo de ambiente
favorável ao surgimento de “salvadores da pátria”. “Esse vácuo permitiu
que figuras como Bolsonaro surgissem. Quando a política não resolve,
ideias simples para problemas complexos parecem a melhor solução, apesar
de, na prática, elas nem sempre funcionarem”, diz.
Com o slogan de “gestor” e “trabalhador”, o empresário
João Doria também aproveitou esse sentimento antipolítico para vencer as
eleições de 2016 e se tornar prefeito de São Paulo – ele é
pré-candidato do PSDB à Presidência. O tucano também é bastante popular
nas redes sociais, publicando vídeos de suas ações e críticas a
adversários.
A queda do PT
No meio acadêmico, uma das análises para a ascensão da
direita é a de que, do outro lado do espectro político, a esquerda
partidária não ofereceu nenhum novo nome com alcance parecido ao de
Bolsonaro. O principal expoente ainda é Lula.
Com os escândalos de corrupção, o impeachment de Dilma
Rousseff, a condenação do ex-presidente por corrupção passiva e o
desgaste acumulado pelo PT, a maior parte dos militantes da esquerda se
viu “órfã” de nomes promissores, segundo análise de cientistas sociais.
Nessa perspectiva, a esquerda sobrevive em grupos
sociais que não têm relação direta com partidos, como o movimento negro,
o feminismo, o LGBT e os secundaristas.
Paulino diz que jovens pobres, moradores de bairros de periferia, ainda preferem Lula por terem “medo de perder direitos”.
Gabriel se classifica como “classe baixa”, mas afirma
não votar no petista “de jeito nenhum”. Bolsista do Prouni, programa de
bolsas em universidades particulares criado por Lula, ele diz que não há
contradição entre sua condição econômica e o apoio a um candidato da
direita. “Pobre quer crescer economicamente, melhorar de vida. A direita
prega o crescimento econômico e liberdades individuais, a esquerda quer
controlar sua vida”, afirma.
A violência no Brasil e a ditadura militar
Outro motivo que levou Gabriel a apoiar Jair Bolsonaro é
a forma como o deputado encara a violência – ele propõe, por exemplo,
extinguir o estatuto do desarmamento como maneira de a população se
defender de bandidos.
“Precisa haver o armamento civil. O (estatuto do)
desarmamento foi uma farsa, a violência só piorou, porque o cidadão de
bem ficou indefeso. O bandido continua com as armas”, diz Gabriel.
Jéssica Melo, de 18 anos, cita o apoio de Bolsonaro ao
regime militar que comandou o Brasil entre 1964 e 1985. “As pessoas
dizem que era um tempo bom, que você podia ficar na frente de casa sem
ser assaltado. As escolas eram tranquilas, hoje aluno bate em professor,
as pessoas te roubam na sua casa”, diz.
Para Márcia Cavallari, do Ibope, jovens que não viveram o
período da ditadura militar tendem a romantizá-lo. “O regime é uma
coisa distante para elas, algo que não foi discutido a fundo. Com a
corrupção e o medo da violência, os jovens procuram um discurso que
promove a ordem, a lei e os bons costumes”, diz.
Já Paulino, do Datafolha, afirma que Bolsonaro se
aproveita de um dos “maiores medos” da população, a violência, para
alavancar seu apoio popular. “Principalmente entre a classe média, há um
aumento do apoio à pena de morte e ao enfrentamento ao crime como forma
de combater a violência. Essa é a principal bandeira dele”, explica.
Youtubers influentes
Além das páginas do próprio deputado, outros canais nas
redes também ajudaram a direita a chegar a mais jovens. O Movimento
Brasil Livre (MBL), por exemplo, é uma das páginas de maior influência
no Facebook, com 2,5 milhões de seguidores. Apesar de não declararem
oficialmente apoio a Bolsonaro, os militantes do MBL também costumam
repassar as propostas do parlamentar, como maior rigidez no combate ao
crime.
Outro “digital influencer” é o metaleiro e professor de
guitarra Nando Moura, o mais popular youtuber da extrema-direita
brasileira – ele tem 1,5 milhão de seguidores no site e 337 mil no
Facebook. Há outros com perfil parecido, mas com alcance menor.
Nas produções de Moura, que chegam a ter um milhão de
visualizações, ele comenta assuntos variados, como “ideologia de
gênero”, desarmamento, arte moderna e história do Brasil e do Mundo – o
viés é sempre de críticas à esquerda e apoio a Bolsonaro.
Para Moysés Pinto Neto, a direita foi “visionária” e
“competente” ao usar o Facebook, YouTube e Twitter. “Há também uma
estética do metaleiro youtuber, do gamer e do nerd de direita. Também
usa-se a lógica do linchamento virtual, que a esquerda também já usou
muito, para atacar a reputações dos seus inimigos públicos”, diz.
Em Belém, por exemplo, Jéssica Melo da Silva e outras
150 pessoas discutem diariamente propostas de Bolsonaro e ataques a
adversários em um grupo de WhatsApp chamado “Direita Jovem Paraense”.
Grupos parecidos são muito populares em outros Estados e tentam, cada
vez mais, conseguir votos para o candidato.
‘Um candidato mais ao centro deve vencer’
Os diretores dos institutos Datafolha e Ipsos acreditam
que, em 2018, Bolsonaro deve perder força porque, na campanha, ele terá
menos tempo de propaganda na TV e no rádio do que seus adversários.
“Apesar das redes sociais serem muito importantes, a televisão ainda tem
um peso gigantesco. Bolsonaro está num partido pequeno, terá poucos
segundos”, diz Paulino.
“A minha tese é de que provavelmente vá surgir um
candidato mais ao centro, que consiga se equilibrar na polarização entre
esquerda e direita”, concorda Cersosimo, do Ipsos.
Diretora do Ibope, Márcia Cavallari afirma que, apesar
de ser difícil prever qual será o impacto da internet nas eleições – que
tem sido difuso em eleições passadas – ele não será pequeno. “No
Brasil, 102 milhões de pessoas têm acesso a esses canais. Em 2013, eram
78 milhões. As redes sociais vão ser muito mais importantes do que foram
nas últimas eleições”, diz.
Pesquisa do Ibope deste ano apontou que 36% dos
eleitores brasileiros acreditam que a internet terá “muita importância”
na hora de decidir o voto. Para 35%, a TV e o rádio também terão
influência.
Já o cientista político Hilton Cesario Fernandes, da
Fespsp, argumenta que o apoio da juventude não será suficiente para a
vitória da extrema-direita. “O discurso radical pega uma parcela da
população específica, mas dificilmente convence a maior parte da
população numa disputa majoritária, diz.
Por outro lado, Bolsonaro vem crescendo em levantamentos
do Datafolha desde dezembro de 2015, quando tinha 5% das intenções de
voto. No último, em outubro deste ano, estava com 16%.
Se depender de Jéssica Melo da Silva, 19, seu candidato
conservador vai crescer ainda mais. “Faço campanha de graça para
Bolsonaro”, diz ela, que gosta de andar com a camiseta do ídolo pelas
ruas de Belém e compartilhar material sobre ele em suas páginas nas
redes sociais.
Terra / DIGA BAHIA!
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