Dos inquéritos contra
Michel Temer até o futuro da Operação Lava-Jato, a nova procurador-geral
da República, Raquel Dodge, tem muito trabalho pela frente:
Na segunda-feira, a Procuradoria-Geral da República (PGR) terá a sua primeira mudança de comando em quatro anos. Raquel Elias Ferreira Dodge, de 57 anos, será a primeira mulher a chefiar o órgão, assumindo o cargo apenas quatro dias depois de Rodrigo Janot ter denunciado pela segunda vez o presidente Michel Temer
(PMDB), agora por obstrução de Justiça e organização criminosa. Com 30
anos de Ministério Público Federal e postura distante do atual chefe do
órgão, ela assume em um cenário de crise política e institucional.
Pela frente, ela terá
inquéritos e delações colocando sob suspeita membros dos Poderes
Executivo, Legislativo e, mais recentemente, Judiciário. É a primeira
vez que um presidente da república é denunciado durante o mandato — não
uma, mas duas vezes. A última dessas denúncias, feita na quinta-feira, será responsabilidade de Raquel.
A nova
procuradora-geral deverá decidir também sobre quais políticos pedirá
investigação e, dependendo do resultado destes inquéritos, quais
enfrentarão acusações formais. Entre eles há alguns com notável
influência, como os ministros da Eliseu Padilha (Casa Civil), Moreira Franco (Secretaria Geral da Presidência da República), os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), Romero Jucá(PMDB-RR) e Renan Calheiros (PMDB-AL).
Como nova presidente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Raquel deverá lidar também com interesses corporativos, os altos salários e benefícios da carreira no MPF, que incluiu em sua proposta de orçamento para 2018 um generoso aumento de 16,7% para os procuradores,
muito acima das expectativas de inflação para o próximo ano (em torno
de 4%). Caberá a ela trabalhar para que o Ministério do Planejamento
inclua o reajuste no orçamento — pauta extremamente impopular.
Além disso, estarão em suas mãos decisões que influenciarão diretamente a Operação Lava Jato,
que está na fase de apresentação de provas e depoimento das
testemunhas. A defesa e manutenção da operação é o principal desafio em
face da opinião pública. Seu papel, de não deixar que as investigações
sejam abafadas por políticos que não desejam perder privilégios é uma
das maiores responsabilidades de Raquel.
A nova
procuradora-geral assume o cargo em meio a um período em que o MPF está
dividido e deverá trabalhar para que haja uma reconciliação entre os
grupos: Raquel teve menos votos na eleição para o cargo que o candidato
de Janot (Nicolao Dino), mas, mesmo sendo a segunda colocada na lista
tríplice, foi a escolhida por Michel Temer. Dodge foi apontada como a
preferida pelos caciques do PMDB por ser de ala contrária à de Janot — e
vai precisar, além de vencer as desconfianças, mostrar que será a
procuradora-geral de todos.
Com a árdua tarefa
pela frente, Dodge pouco poderá mudar a respeito do que Janot já fez.
“Ela terá o papel institucional de chefe do Ministério Público da União.
Não muda nada a respeito de processos e denúncias já feitos. Nesses
casos, a nova procuradora-geral terá que sustentar os argumentos
apresentados inicialmente [por Janot]”, explicou o advogado Daniel
Falcão, professor da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto
Brasiliense de Direito Público (IDP).
Ela assume o comando
do MPF pelos próximos dois anos, período em que devem se desenrolar dois
inquéritos contra o presidente. Um deles, em relação à delação dos
executivos da JBS,
resultou em duas denúncias apresentadas por Janot, sobre as quais Dodge
pouco influenciará, a não ser cumprir os ritos programados quando
solicitada pela Justiça. Já em relação ao outro, que apura acusações
contra o presidente na edição de um decreto para o setor portuário, aí
caberá à nova procuradora-geral avaliar as provas a serem colhidas pela Polícia Federal e decidir se Temer enfrentará uma terceira denúncia.
Crise com o Congresso
Janot chegou a
cogitar buscar um terceiro mandato. Na disputa por uma vaga na lista
tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR),
as chances eram boas – tanto que seu aliado na disputa de 2017, o
procurador-geral eleitoral Nicolao Dino, venceu a votação, mas foi
preterido por Temer. No entanto, essa era apenas a primeira barreira:
mesmo que fosse o mais votado, dificilmente conseguiria convencer o
presidente da República a indicá-lo e, caso ocorresse essa remotíssima
possibilidade, ainda teria que obter a aprovação de um Congresso no qual
é bastante mal visto.
Contar com a
animosidade de senadores e deputados investigados pode ser um bom sinal,
porque indicaria que o procurador-geral da República está aplicando a
lei de forma irrestrita. Por outro lado, nas últimas semanas, Janot
distribuiu denúncias e passou a imagem de açodado contra grupos
políticos inteiros no Legislativo. “Sempre que o procurador-geral for
bastante atuante, ele vai ter problema com políticos. E é natural que o
Congresso não reaja bem”, aponta Falcão.
Segundo o professor, a
principal mudança que deve vir com a chegada de Raquel Dodge ao comando
da PGR diz respeito às delações premiadas. O perfil da nova
procuradora-geral é de ser mais exigente em relação à obtenção de provas
e concessão de benefícios. “Na formulação dos acordos, ela deve ter uma
postura diferente. Cobrar mais dos delatores que entreguem de forma
mais clara as provas do que estão acusando, além de dificilmente firmar
superacordos, como o que tinha concedido imunidade aos colaboradores da
JBS”, afirmou Falcão, usando como base a trajetória de Dodge em funções
anteriores.
Retrovisor quebrado
Mesmo que discorde
completamente dos acertos que Janot fez recentemente contra acusados, a
trajetória recente do MPF joga contra a tese de que ela vai ter voz
ativa para tentar anular delações firmadas anteriormente. É da natureza
do cargo de procurador-geral uma grande liberdade para definir seus
próprios procedimentos e critérios, mas sem se intrometer no “legado” do
antecessor.
Isso não significa que Dodge não tomará nenhuma posição a respeito das delações que estão na corda bamba, como elencou reportagem de VEJA. A diferença é que deve ser cautelosa ao máximo e deixar as decisões finais no colo do Supremo Tribunal Federal (STF). A exceção, é claro, é a colaboração dos delatores do grupo J&F. A suspensão dos benefícios de Joesley Batista e Ricardo Saud já foi pedida ao STF por Janot e tem tudo para continuar no mesmo caminho enquanto estiver nas mãos de Dodge. (Veja.com).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário