MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Modo Trump: espantar a esquerda, chocar a direita, detonar Kim.


Com tática de guerrilha, presidente negocia com democratas e avisa claramente o mundo que a Coreia do Norte é um problema de todos. Texto de Vilma Gryzinski, publicado em Veja.com:


Donald Trump mudou de patamar durante os seis dias entre o estonteante encontro que teve com os líderes da oposição do Partido Democrata e o discurso que fez hoje na ONU – talvez o mais subversivo já proferido numa Assembleia Geral desde a estreia de Fidel Castro, em 1960.

A esta altura, todo mundo já sabe que ele anunciou perante o mundo, em termos que não poderiam ser mais claros, qual o futuro do “rocket man”, a designação vexatória de Kim Jong-Un: os Estados Unidos podem “não ter outra opção”, para defender a si mesmos e a seus aliados, a não ser a destruição total da Coreia do Norte.

Precisa desenhar? Devido à clareza sem precedentes das palavras de Trump, outros pontos do discurso ficaram ofuscados.

Todos merecem ser destacados, mas vamos ficar com alguns dos trechos mais impactantes pois equivalem a uma declaração de princípios do governo Trump como nunca tinha sido feita antes.

“Queremos harmonia e amizade, não conflito e disputa. Somos guiados por resultados, não por ideologias. Temos uma política de realismo com princípios, baseada em objetivos, interesses e valores em comum.”

O conceito-chave, explicitado em outros trechos, é a saída de cena da palavra “ideologias”. Tradução: os Estados Unidos de Trump, representados toscamente como a encarnação do mal e da guerra, não querem impor o modelo americano ao mundo.

Uma obviedade necessária seguida de um puxão de orelhas também bem óbvio: “Este realismo nos obriga a enfrentar a questão que está diante de cada um dos líderes e das nações presentes nesta sala, e é uma questão que não podemos fugir ou evitar”.

A questão, obviamente, é o que fazer com os nanicos que “violam todos os princípios nos quais as Nações Unidas são baseadas”, a começar pelo “regime depravado da Coreia do Norte”.

MORDE E ASSOPRA

Como os papas, no Natal e na Páscoa, Trump falou “urbi et orbi”. Ao público interno, como fazem todos os participantes do teatro da Assembleia Geral, e ao externo, como exigem o pódio e a condição de superpotência.

A franqueza bruta e o tom catastrofista são típicos de Stephen Miller, o assessor presidencial de 32 anos que escreve seus principais discursos. Mas a tática do morde e assopra tem sido típica de Trump nessa nova fase.

Ontem, ele assoprou, elogiando o secretário-geral, António Guterrez, pelas propostas de reforma “ousadas” – praticamente uma piada quando se trata de um leviatã burocrático como a ONU. Hoje, ele mordeu.

Na política interna, Trump tem usado do mesmo recurso. Fez uma limpa no governo, tirando o mais ideológico de seus assessores, Stephen Bannon, que prometeu amá-lo até a morte no site Breitbart News.

Quando os puristas entraram em surto, Trump anunciou que ia enviar ao Congresso, como é devido, a decisão sobre o decreto de Barack Obama sobre imigrantes ilegais levados aos Estados Unidos quando eram crianças, um projeto conhecido pelas iniciais, DACA.

Mal tiveram tempo de comemorar e Trump levou para a Casa Branca os dois líderes da oposição democrata, Chuck Schummer, do Senado, e Nancy Pelosi, da Câmara. Concordaram em “começar a discutir a possibilidade” de um acordo envolvendo a regularização dos envolvidos no DACA e a “segurança de fronteiras”.

Bateu o desespero nos trumpistas do “comentariado”, os nomões da televisão ou das redes, que são poucos mas poderosos. Se Trump tivesse levado o assassino Charles Manson para um café na Casa Branca não provocaria ojeriza maior. “Cadê o muro?”, gritaram em furioso uníssono.

Os antitrumpistas entusiasmaram-se com a chance de trolar os eleitores de Trump, colocando-os na categoria de traídos e abandonados.

No mundo real, a base mais fiel a Trump ficou menos impressionada: pesquisas e entrevistas, para frustração da imprensa antitrumpista, mostraram muitos eleitores dispostos a tolerar as heterodoxias presidenciais.

Ou a até a considerá-las necessárias, especialmente no caso das cerca de 800 mil pessoas beneficiadas pelo DACA. Fazer o quê? Deportá-las?

TRAIU, E DAÍ?

Em outras circunstâncias e com outros personagens, a abertura de Trump para acordos com a oposição seria considerada uma negociação política legítima e até astuta.

Como ainda não redundaram em nenhum resultado prático, ainda é impossível dizer se fazem parte de uma estratégia sofisticada ou são apenas uma manobra desesperada de um presidente que não conseguiu fazer o Congresso, onde o Partido Republicano, nominalmente o seu, é maioria, votar nenhuma das propostas mais importantes que defende.

Deixar a esquerda perplexa e a direita estupefata é aspiração de alguns e realização de quase nenhum. Não vamos nem falar no precedente brasileiro.

A discussão sobre fazer um muro, ou algum equivalente para controlar a imigração ilegal por terra, tem importância real zero, apesar do grande peso na esfera da simbologia política.

Trump depende muitíssimo mais da abolição do sistema obamista de saúde, empacada no Congresso, e da reforma fiscal, que nem chegou lá, para bombar a economia, aumentar o crescimento e criar mais empregos.

Nada disso vai mal, de forma alguma. Mas também não vai tão bem que dê alguma margem de segurança para Trump negociar acordos com a oposição e fazer concessões. Ou dizer, como certas atrizes: traí, sim, e daí?

Eleitores economicamente satisfeitos tendem a ser muito mais condescendentes. A maior prova é Bill Clinton, perdoado pela maioria dos americanos pelas escapadas literais.

Sobre o discurso de Fidel em 1960: apesar de já comprovadamente mortífero, ele ainda tinha o frescor da novidade, a silhueta de guerrilheiro e a aura de vencedor improvável. A melhor parte é quando fala de como a delegação cubana acabou banida para um pequeno hotel no Harlem.

“Começaram a espalhar pelo mundo a notícia de que a delegação cubana havia se hospedado num bordel. Para alguns senhores, um hotel humilde do Harlem, um hotel dos negros dos Estados Unidos, tinha que ser um bordel”, dramatizou Fidel.

Outro trecho, muito aplaudido: “Nós não temos que pedir desculpas a ninguém. O que fizemos, fizemos muito conscientes e sobretudo muito convencidos de nossos direitos a fazê-lo”.

“Está ao nosso alcance, se assim quisermos, tirar milhões da pobreza, ajudar nossos cidadãos a realizar seus sonhos e garantir que novas gerações de crianças sejam criadas sem medo, sem ódio e sem violência.”

Quem disse isso, Fidel ou Trump?
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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