Têm sido recorrentes e praticamente diárias
as propostas que os políticos fazem para emendar ou substituir totalmente a
constituição, vigente desde 1988,por uma nova. A maioria delas têm o objetivo inescondível
de dar um golpe político, modificando a constituição para que ela dê cobertura
a algum interesse escuso, desamparado no ordenamento jurídico vigente. Nessas
circunstâncias, a tentativa de golpe jurídico pode se transformar num golpe político . Essa é a sofisticação do
golpe. Não há mais necessidade de uso da força militar,das armas ,derramamento
de sangue, etc. É o típico golpe “pacífico , quase imperceptível ao
observador desatento, feito através da lei,que aparenta todos os traços da “legalidade” ,porém viciada na origem, o que
lhe tira totalmente a legitimidade. Por
isso a bandidagem mais moderna se
acostumou a agir dentro da lei, não fora dela, com a plena cobertura dos juízes e do Ministério Público.
Para que se tenha uma ideia no direito comparado sobre a
rigidez ou flexibilidade das constituições, os
Estados Unidos da América e o Reino Unido podem ser boas referências para
comparação,ao lado de alguns outros países também estáveis. A Constituição dos
Estados Unidos, por exemplo, aprovada na Convenção de Filadélfia, em
1789,portanto há mais de dois séculos, possui somente 7 (sete) artigos. Os três
primeiros organizam cada um dos Três
Poderes (Executivo,Legislativo e Judiciário),os demais tratam do “federalismo”.
Durante todo esse tempo, essa carta teve
somente 10 (dez) Emendas ,aprovadas em 1791,que inseriu a “Carta de Direitos” (
Bill of Rights),em vista de ter havido alguma divergência na original de 1789,e
posteriormente mais 17 Emendas ,num total, portanto,de 27 Emendas. Todas elas
são acrescidas necessariamente à Constituição original de 7 artigos, num só
instrumento , de modo a poder ser consultada a qualquer momento ,não demorando
toda essa leitura mais que uma hora, bastando não ser analfabeto funcional para
compreendê-la em toda a sua extensão. Portanto ali não é preciso nem ser
“constitucionalista” para entendê-la e interpretá-la. Ela é acessível a
qualquer do povo. Provavelmente esteja aí a principal razão da sólida consciência que
tem aquele povo sobre os seus direitos
fundamentais.
Já a constituição do Reino Unido não está em um só
documento. Conhecida como constituição
“consuetudinária”,”não-escrita”,ou “de fato”,ela é o conjunto de leis e
princípios que regem o Reino Unido. Seus “pilares gêmeos” são a soberania do
parlamento e o princípio da igualdade,pelo qual “todos são iguais perante a
lei”, princípio herdado da “Carta Magna”,
de 1215.
Já no Brasil essa situação é um “pouquinho” diferente. A
corja que constitui a maioria política e que se adonou do poder fez da constituição um
verdadeiro pandemônio. Muito extensa e confusa, somente malabaristas formados em direito conseguem
decifrá-la. Originalmente ela já é confusa, podendo ser considerada uma
verdadeira colcha de retalhos,inclusive
em relação ao projeto inicial. Tudo piorou com as “emendas” e “remendos”
durante todo esse tempo. Sua versão
atualizada,consideradas todas as emendas,desde 1988,contempla 250 artigos, no
corpo principal, mais 114 artigos no “Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias”. Além disso as “Emendas” posteriores totalizam 95. Quem se der ao
trabalho de consultar a constituição brasileira no site “www.planalto.gov.br”,terá
um quadro fiel do quanto esse documento foi “retalhado” desde que a CF entrou
em vigor em 1988. São riscos e mais riscos para todos os lados, que fazem uma legítima constituição toda “riscada”.
Enquanto não se leva mais de uma hora para ler e compreender
a constituição do “Tio Sam”,com todas as suas Emendas,muitos dias de “24 horas” seriam necessárias para ler e “não-compreender”
a balbúrdia da constituição “tupiniquim”.Não bastasse essa “inflação” de novos
dispositivos constitucionais a todo instante,baixados por qualquer “besteira”,também
a “fábrica” de leis e outras normas jurídicas infraconstitucionais não dá
trégua. A consequência é que se os brasileiros quiserem se atualizar com as
leis, certamente terão que ficar mais que o dia inteiro nessa árdua tarefa para se inteirarem das
normas “do dia”, não tendo mais tempo
para atender os demais compromissos exigidos pela vida. Essa é a burocracia das
leis que massacra a sociedade. E ninguém melhor que os operadores do direito
para confirmar essa realidade. Ninguém deles (advogados,juízes,promotores,consultores
jurídicos,etc) tem mais tempo para
trabalhar,o qual é totalmente consumido
pela necessidade das atualizações das normas jurídicas baixadas às pencas pelo
numeroso exército de burocratas do Governo
e do Parlamento. Essa realidade, entretanto,para que não se cometa injustiças,não
é de hoje. Ela vem de longe. Antes do Regime Militar, instaurado em 1964,havia
anualmente a edição da Revista LEX,com centenas de páginas,que publicava todas
as normas jurídicas baixadas no ano anterior. Via de regra ,cada ano era
publicado num só volume da dita revista. Mas isso era ANTES de 64. A partir daí passaram a ser editadas 4 ou 5 revistas ao ano. Hoje então
seriam necessárias verdadeiras enciclopédias anuais.
Dediquei-me a uma das tantas tentativas de golpe (jurídico) no artigo
“Golpe à Vista”, em maio de 2013, que versou sobre o projetoa PEC
33/2011,apresentada por um Deputado do PT. Essa “PEC” pretendia “alterar a
quantidade mínima de votos dos membros
dos tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis ; condicionava o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo
STF à aprovação pelo Poder Legislativo e submetia ao Congresso Nacional a
decisão sobre a insconstitucionalidade de Emendas à Constituição”. Essa PEC ,se
aprovada,seria um golpe no Poder Judiciário. Deu entrada em 25.11.2011,e foi
“arquivada” (indeferida) somente em 31.1.16.Não teve qualquer repercussão essa tentativa de “vigarice” política porque tantas outras “vigarices” já tinham
ingressado e apagado a lembrança daquela.
Portanto as diferenças culturais e comportamentais na expedição de normas jurídicas entre a
pátria “pindorama” e os países escolhidos para comparação ,são enormes. É que
“lá” os respectivos povos são politicamente mais desenvolvidos e têm mais
virtudes políticas e democráticas . Por isso eles costumam escolher os melhores para legislar e governar. Já no
Brasil acontece exatamente o contrário. O seu povo é muito debilitado em
consciência política e democrática .Pratica não a democracia,porém a sua
contrária,a oclocracia (democracia degenerada, corrompida, deturpada). É por
essa razão ,e como consequência,que as escolhas dos parlamentares e governantes
em todos os níveis se dá geralmente entre os piores. Não é verdade que “o povo tem
o governo que merece” ? E também não seria uma verdade o inverso,ou seja,que o
“governo tem o povo que merece?”. Essa “reciprocidade” sem dúvida é nítida,e
pode razoavelmente explicar o desenvolvimento de alguns países e o atraso de
outros, em todos os sentidos, ou seja, de ordem moral, política, social e econômica.
Por aí se vê o risco que corre a sociedade brasileira se
toda essa “patifaria” se mobilizar para escrever uma nova constituição. E tudo leva a crer que
isso está em vias de acontecer. Diariamente “eles” falam nisso. Os políticos se embaralharam tanto nas leis
que eles mesmos fizerem, que mais parece
que a única saida que eles teriam seria fazer agora uma nova constituição,não fosse por
outras razões,para enganar, plantando alguma falsa esperança que “tudo
melhoraria”. Aí eles conseguiriam fazer todas as falcatruas legislativas que por qualquerrazão não fizeram até agora.
Ocorre que nas democracias representativas, que é o caso do Brasil, os
mecanismos para fazer leis e constituições são praticamente iguais , no aspecto
operacional. Os eleitores nos dois casos passam uma espécie de “procuração”
incondicional aos seuseleitos para
que eles façam o que bem entenderem ,seja
em se tratando de uma nova constituição,seja
de uma nova lei. As tais de “assembleias nacionais constituintes”
sempre são construídas com uma pompa tal que mais parece uma
assembleia soberana que reúne
“deuses”,jamais admitindo qualquer oposição, por mais justa que seja,
submetendo a própria Justiça a seus
ditames ,que no caso servirá de “cão-de-guarda” para a sua futura obediência
obrigatória. Portanto não existe poder maior na política do que aquele
outorgado aos chamados “constituintes”,que geralmente não passa de um congresso
de golpistas.
Mas haveria alguma esperança de melhora na política do
Brasil com a instalação de uma nova Assembleia Constituinte e a consequente elaboração de uma nova carta? Infelizmente a retrospectiva histórica não
favorece essa esperança. Enquanto o Reino Unido nem tem constituição
escrita e a dos Estados é aquela mesma de 1789, o Brasil já teve 5 (cinco)
constituições, mais precisamente ,a de 1824 (monárquica),1891
(republicana),1934 (37),1946,1967 (69) e a última de 1988,vigente. E para
início de conversa, todas elas ,sem exceção,se constituíram em verdadeiros golpes contra a constituição substituída, que
não admitia essa troca e era em si mesma
“pétrea”. Mas sempre tudo foi feito na “marra”. Ademais não se tem
qualquer notícia histórica de que alguma das constituições substitutas tivesse melhorado qualquer coisa
na vida da sociedade. Inclusive a Constituição “cidadã”, do Sr.Ulysses
Guimarães,de 1988,não trouxe nenhum
maior resultado positivo à sociedade,se comparada com a anterior , de
1967,escrita em pleno Regime Militar. Então a consequência dessa realidade é
que não é preciso novas constituições , porém urge que melhorem as virtudes de cada povo e dos
seus políticos. Sem esses requisitos
preenchidos, certamente a sociedade jamais prosperará.
Resumidamente ,pode ser afirmado com certeza que o Brasil
não pode depositar nenhuma esperança mais sólida numa saída “política” para
melhorar a sua realidade ,pelas razões antes apontadas. Por isso a única chance que apresenta alguma possiblidade de melhora está no
afastamento imediato das cúpulas dos Três Poderes,que juntos formam a “Grande Quadrilha”, mediante uso do
poder instituinte e soberano do povo,”intervindo”por intermédio das Forças
Armadas, independentemente da aquiescência,ou não, dos seus comandos
maiores,nos precisos termos do artigo 142 da Constituição. Mas o poder a se
instalar em substituição aos afastados não poderia permanecer tanto tempo como
aconteceu com 64. Teria que ser transitório,pelo tempo necessário para que a
sociedade conseguisse se organizar e implantar uma verdadeira democracia, bem
diferente daquela falsa que sempre comandou o Brasil, e que sempre atraiu a
pior escória da sociedade para comandá-la.
Sérgio Alves de Oliveira
Advogado e Sociólogo
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