Voltemos ao caso Eike Batista, objeto de muitos artigos e comentários na Tribuna da Internet. Na reportagem publicada na edição de hoje e que nosso editor extraiu da Veja, Carlos Newton terminou com nota de rodapé afirmando “o advogado não deve mentir, porque isso é feio em qualquer profissão”. Aludiu CN à declaração da defesa de Eike que garantiu que o cliente vai se apresentar à Policia Federal, logo, logo. O exercício da advocacia não é mesmo para mentir. Defende-se o direito do cliente. Sem mentir. Sem trapaça. Sem xaveco. Sem malandragem. Todo advogado tem o dever de zelar pelo seu bom nome, sua reputação e de toda a classe. Advogado integra a Justiça, como está escrito na Constituição Federal.
No artigo da edição deste sábado, também sobre Eike e seus advogados, defendemos a seriedade do advogado e seu compromisso com a verdade. Daí a certeza de que a palavra empenhada da defesa de Eike é para ser respeitada. É pára valer. Eike vai se apresentar. O que diz um advogado é para merecer crédito. É para acreditar.
Relembro um caso concreto. Certa vez, como advogado de uma empresária de ônibus do Rio, abri processo indenizatório contra o cirurgião-plástico Ivo Pitanguy. A empresária se submeteu a cirurgia plástica, exitosa. Mas deixou a clínica com os dois dentes incisivos centrais superiores – dentes que eram hígidos – dentro de dois potes de vidro com um produto que cheirava a álcool.
BISTURI CEGO – A Revista Veja publicou a notícia da ação indenizatória com o título “Bisturi Cego”. Antes de Pitanguy ser procurado pelo Oficial de Justiça para tomar ciência da ação indenizatória e se defender, apareceu lá no escritório notabilíssimo e respeitadíssimo advogado. Sua ida foi inesperada. Era o advogado do cirurgião. Assim que entrou na minha sala, num modestíssimo prédio no “bas fond” da Praça Mauá (hoje, depois do Porto Maravilha, nem tanto), me senti tão honrado que foram essas as palavras que disse a ele, enquanto lhe apertava a mão:
“Doutor, quando as missas eram em latim, tinha um momento que o celebrante dizia baixinho, com o olhar fixo na hóstia sagrada ‘Domine, non sum dignus uter inter subtecum meum, sed tantum dic verbum et sanábitur ânima mea”( Senhor, não sou digno que entreis em minha morada, mas direi uma só palavra que a minha alma será salva ). Eu digo quase o mesmo ao senhor: ‘Domine, non sum dignus ut vinde recantum meu, sed qui dicere et rogare mihi order est” (Senhor, não sou digno que venhas em meu recanto, mas o que a mim disser e pedir para mim será uma ordem).
EM NOME DE PITANGUY – Muito culto e também religioso, o notabilíssimo battonier brasileiro me agradeceu a saudação e, emocionado, me disse: “Venho em nome do dr. Pitanguy. Peço que dê entrada hoje numa petição nos autos e desista da ação. O dr. Pitanguy reconhece sua responsabilidade. E o valor que sua cliente está cobrando, por danos estéticos e morais, mais a restituição do valor pago pela cirurgia plástica, tudo será pago, em espécie, de uma só vez, no dia tal, meu escritório que fica na rua tal, às tantas horas. Vá você e sua cliente, que lá estaremos, o dr. Pitanguy e eu para assinar o que preciso for e fazer o pagamento”.
PALAVRA CUMPRIDA – Não pensei duas vezes. Era a palavra de um dos mais respeitados e consagrados advogados brasileiros que teve a humildade de ir até meu modestíssimo escritório, reconhecer a responsabilidade de seu cliente, garantir que pagaria e pedir para desistir da ação. No mesmo dia fiz a petição. Na procuração, eu tinha poder para desistir. Só depois é que contei à cliente o que tinha acontecido.
E no dia e hora marcados, chegamos e encontramos os dois renomados e internacionalmente conhecidos profissionais. O pagamento foi feito. Em espécie. Demoramos mais de uma hora para contar o dinheiro. Advogado que é advogado de respeito não mente. E o outro advogado (ex-adversus), também por ser de respeito e digno, acredita no que seu colega diz, pede e promete cumprir. Tudo isso é civilidade. É decência. É primário dever.
EIKE VEM AÍ – Eike vai se apresentar. É preciso confiar na palavra de seus advogados. Mas se ele trair seus advogados e fugir para a Alemanha? Bom, parece uma situação muito difícil e remota de acontecer. Não, impossível. Nesse caso, o advogado terá ação de indenização por danos morais contra Eike. Mas eventual fuga de Eike para a Alemanha não vai resolver sua complicadíssima situação no Brasil, mais precisamente perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro.
No artigo de ontem, o comentarista EduardoRJ fez menção ao que disse o jurista Walter Maierovitch (aliás, um nome e tanto para ocupar a cadeira de Zavascki no STF) referente à Convenção de Mérida. Então, fui lê-la toda. É enorme. Tem perto de 100 artigos, com subitens, parágrafos, números, letras… Levei duas horas lendo.
É a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 31.10.2003, assinada pelo Brasil em 9.12.2003 e promulgada como lei interna brasileira pelo Decreto nº 5687, de 31.1.2006. Mais de 100 países assinaram este pacto internacional firmado no estado mexicano de Yucatán, precisamente na cidade de Mérida. E a Alemanha também assinou a Convenção de Mérida. Assim como quem ajoelha tem que rezar, quem assina tem que cumprir. “Pacta sunt servanda” (somos servos do pacto), nos legaram os Romanos.
EXTRADIÇÃO DE EIKE – E o artigo 44 da Convenção de Mérida, que se desdobra em outros mais de 20 itens, é claríssimo ao tratar da extradição de nacionais de um país que cometam crime de corrupÇão em outro país signatário da Convenção. É o caso de Eike Fuhrken Batista da Silva. Sua nacionalidade primeira, prioritária, de berço, genuína é a brasileira, por ter nascido em solo brasileiro. A outra nacionalidade, acessória, suplementar, adicional e secundária, que é a nacionalidade alemã, decorre porque Eike é filho da senhora Jutta Fuhrken Batista da Silva, que era alemã. Portanto, Eike tem dupla nacionalidade: a brasileira (por ter nascido no Brasil, jus solis) e a alemã (por ser filho de mãe alemã, jus sanguinis).
Mas é preciso saber se sua mãe (que já é falecida e seu pai Eliezer Batista está hoje com 92 anos) se naturalizou brasileira. Isto porque no inventário de dona Jutta, na Justiça do Rio, em dado momento o juiz ordena que seu nome seja corrigido para Jutta Batista da Silva “conforme consta na certidão de casamento”, escreveu o juiz.. Se dona Jutta se naturalizou brasileira, aí mesmo que Eike deixou de ter também a nacionalidade alemã. Isto porque a naturalização implica na renúncia da nacionalidade de origem. E toda renúncia é irrevogável.
Neste caso, dona Jutta teria deixado de ser alemã. E, consequentemente, seu filho também perderia a benesse de ostentar também a nacionalidade alemã.
EIKE TEM DE VOLTAR – Seja como for, eventual fuga de Eike para a Alemanha em nada adiantará. Ele nunca mais poderá voltar ao Brasil. Seus negócios ficarão acéfalos, com ele ausente. Perderá seus bens no Brasil. Ou seja, tem tudo a perder. Cumprirá ao Brasil pedir a extradição dele ao governo da Alemanha. E segundo o artigo 44 da Convenção de Mérida, a Alemanha não poderá negar a extradição, porque subscritora da referida convenção.
Agora, se o Brasil não pedir sua extradição, ou caso peça e a Alemanha negue, aí seria o caso de mudar o nome desta convenção. E a mudança é simplicíssima. Basta excluir a letra “i” do seu nome, do nome como a comunidade internacional a reconhece e distingue e foi batizada. Sim, pois se ela não serviu, não valeu, não teve peso para mandar Eike de volta – caso se refugie na Alemanha – ela é mesmo uma convenção que não serve para nada.
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