| Midia sem Máscara
Por
mais que me esforce, não consigo imaginar como se faz para desejar
“Feliz Natal” contra alguém. Mesmo que estejamos nos dirigindo a um
cidadão que rejeita o nosso Cristo com todas as suas forças, o que lhe ensejamos
com essas palavras, já que ele não quer os benefícios da vida futura, é que pelo
menos desfrute de alguma paz e bem-estar na sua casa enquanto, na nossa,
celebramos o Advento do Salvador sem incomodá-lo no mais mínimo que seja e até
pensando alguma coisa em seu favor durante as nossas orações. No entanto, de uns
tempos para cá um vasto grupo de ateístas militantes, escorado em organizações
bilionárias e no apoio da grande mídia, decidiu fingir que se sente mortalmente
ofendido quando assim o cumprimentamos. Quando em vez disso um deles nos diz
“Boas Festas”, o sentido da sua mensagem é claro: “Vá para o diabo com o seu
Natal, o seu Cristo e toda a sua maldita religião. Esconda-a, pratique-a nas
catacumbas mas tire essa coisa hedionda da minha frente.” Subentende-se que,
saudados com tamanha gentileza, devemos retribuir desejando para o nosso
interlocutor uma pletora de bens deste mundo e total despreocupação quanto à
existência do outro. Se em vez disso você insiste em responder com “Feliz
Natal”, terá de fazê-lo com plena consciência de que essas duas palavrinhas
fatídicas serão ouvidas como uma declaração de guerra. É assim que, neste como
em outros casos, o sentido do que dizemos já não depende da intenção com que o
fazemos, mas do propósito imaginário que um fingidor histérico nos atribui. Como
ele nos odeia, tem de fazer de conta que a nossa gentileza é uma ofensa
intolerável.
Essa inversão
projetiva – talvez o mais clássico sintoma da histeria -- é minha velha
conhecida. Uns dez anos atrás, um grupo de moleques enfezados criou no Orkut uma
comunidade de nome “Nós odiamos o Olavo de Carvalho”, onde espalhavam a meu
respeito as histórias mais medonhas, me atribuíam toda sorte de crimes e
baixezas e vasculhavam a vida da minha família em busca de pecados escabrosos.
Tudo, é claro, sob o pretexto de “debate democrático”, com o direito suplementar
de queixar-se de “ataques ad hominem” quando, uma ou duas vezes numa
década, eu lhes dava um minuto de atenção e os mandava pastar. Quando a
virulência da coisa chegou ao nível da loucura pura e simples, trocaram o nome
da página para “O Olavo de Carvalho nos odeia”, para dar a impressão de que era
eu, de algum modo misterioso, o autor das suas ações, a fonte misteriosa do ódio
que despejavam sobre mim.
O caso, em si, não
tem a mais mínima importância, mas, se isso não tivesse me acontecido, talvez eu
não compreendesse tão claramente quanto compreendo hoje o mecanismo
psicopatológico que inverte o sentido do cumprimento natalino e lhe atribui uma
intenção odienta no ato mesmo
de cobri-lo de ódio.
O mesmo mecanismo
está em ação, é óbvio, quando alguém ateia fogo numa igreja, urina no altar,
bolina uma criatura do seu mesmo sexo durante a missa ou enfia um crucifixo no
ânus para provar, com lógica insuperável, que o cristianismo é uma “religião de
ódio”.
Como o raciocínio
histérico se disseminou na nossa sociedade ao ponto de servir de modus
argumentandi exemplar e obrigatório em teses universitárias, debates
parlamentares e opiniões eruditíssimas expressas em artigos de jornal, é
previsível que em breve o sentido insultuoso da expressão “Feliz Natal” será
consagrado em lei e essas duas palavras só poderão ser ditas em recinto fechado,
entre pessoas que tenham previamente assinado um disclaimer isentando de
qualquer responsabilidade penal o desalmado que ouse pronunciá-las.
Por enquanto isso é
só uma tendência, uma possibilidade que talvez possa ser afastada. Mas
certamente não o será se os cristãos, antecipando-se servilmente aos planos do
opressor, consentirem em limitar-se ao genérico e vazio “Boas Festas” para não
ferir suscetibilidades fingidas.
Portanto, aqui vão
os meus votos: Feliz Natal para todos, aí incluídos os que não o
desejam.
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