Fernando Jasper
Gazeta do Povo
Os benefícios fiscais para montadoras instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste custam cerca de R$ 5 bilhões por ano aos cofres federais e, ao contrário do prometido, não promovem o desenvolvimento regional.
Em vigor há mais de duas décadas, a renúncia bilionária de impostos – que é bancada pelos demais contribuintes brasileiros – teve baixo impacto socioeconômico, em geral restrito a poucos municípios, e não conseguiu descentralizar a indústria automotiva do país.
DIZ A AUDITORIA – Essas são as principais conclusões de uma auditoria conjunta realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) sobre as chamadas Políticas Automotivas de Desenvolvimento Regional (PADR). O relatório, obtido pela Gazeta do Povo, foi analisado pelo plenário do TCU na tarde desta quarta-feira (29) e aprovado por unanimidade pelos nove ministros da Corte.
“As Políticas Automotivas, ao custo de mais de R$ 5 bilhões anuais e mais de R$ 50 bilhões desde 2010, tiveram impacto pequeno e localizado no PIB per capita, no emprego geral e no emprego técnico-científico, não contribuindo assim para o desenvolvimento regional, seu maior objetivo. A instalação das fábricas beneficiárias não resultou em aglomeração industrial ao seu redor, e as empresas compram a maior parte de seus insumos de fornecedores das regiões Sudeste e Sul”, aponta o relatório.
DESDE A ERA FHC – O incentivo fiscal foi implantado no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) por duas leis, uma de 1997 e outra de 1999, que garantem crédito presumido de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) às fábricas de veículos e peças das três regiões.
O benefício, que inicialmente duraria até 2010, foi sucessivamente prorrogado pelo Congresso, sem qualquer comprovação de retorno socioeconômico, e agora vale até o fim de 2025.
Segundo a auditoria do TCU e da CGU, entre 2010 e 2021 a União abriu mão de R$ 51 bilhões em impostos de montadoras instaladas nas regiões contempladas, em valores corrigidos pela inflação. Entre 2017 e 2021, a renúncia foi de mais de R$ 5,6 bilhões por ano, em média. “Um custo que é redistribuído para todos os demais pagadores de impostos”, apontam os auditores.
UM EXEMPLO CLARO – No caso da fábrica da Fiat Chrysler (hoje grupo Stellantis) em Goiana (PE), onde são produzidos os modelos da marca Jeep, a renúncia de impostos equivale a R$ 34,4 mil mensais por emprego gerado, “sem que, com isso, tenham ocorrido alterações significativas na realidade socioeconômica desse município”, conforme o relatório.
Esse valor, referente a 2019, diz respeito apenas à desoneração federal, e portanto não inclui renúncias fiscais estaduais e municipais. Naquele ano, segundo a auditoria, a montadora foi beneficiada com pouco mais de R$ 4,6 bilhões em incentivo tributário da União, ou R$ 388 milhões por mês, para um total de 11.258 empregos gerados.
O documento compara o custo relativo da desoneração tributária a outros programas do governo. Enquanto cada emprego gerado pela fábrica da Jeep custa mais de R$ 34 mil por mês aos cofres federais, a despesa por família beneficiada pelo Auxílio Brasil (rebatizado de Bolsa Família) é de R$ 600 mensais. No caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência, o valor é de pouco mais de R$ 1,2 mil por mês.
BAIXO IMPACTO – O baixo impacto socioeconômico foi a regra em todos os territórios que tiveram plantas instaladas sob o lastro dos benefícios tributários, diz o relatório que foi aprovado pelos ministros do TCU.
Além da fábrica da Jeep, desfrutam das desonerações empresas como HPE Automotores, que monta veículos das marcas Mitsubishi e Suzuki em Catalão (GO), e Caoa, fabricante das marcas Hyundai e Chery em Anápolis (GO). A Ford também fez parte do programa, com fábricas da própria marca em Camaçari (BA) e da Troller em Horizonte (CE), mas no fim de 2021 a empresa encerrou parte da produção de veículos no país.
Segundo a auditoria, a política de redução de tributos foi incapaz de promover uma aglomeração industrial no entorno das fábricas. De todos os insumos adquiridos pelas cinco unidades analisadas, 71% são produzidos no Sudeste e 7% no Sul do país, e apenas 22% vêm das três regiões que as políticas automotivas buscam desenvolver.
Outra evidência do impacto limitado do incentivo fiscal é a participação de cada região do país no emprego da indústria automotiva. De acordo com o relatório, a parcela do Nordeste aumentou de 3% para 6% entre 2006 e 2020, mas a participação conjunta das três regiões beneficiadas pela política de desoneração manteve-se em apenas 8%. E o mesmo aumento de 3% ocorreu na fatia da região Sul, que não foi beneficiada pelos programas.
POLÍTICAS AUTOMOTIVAS – No fim de 2022, a equipe de transição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indicou a pretensão de reavaliar as renúncias fiscais. Até agora, porém, o governo se limitou a desfazer benefícios criados no ano passado – como a desoneração dos combustíveis – e não apresentou proposta de revisão mais ampla.
Em sentido oposto, Lula acaba de criar mais uma desoneração. Decreto publicado nesta quarta-feira, dia 29, incluiu o segmento de fotovoltaicos, para produção de energia solar, dentro de um programa de apoio à indústria de semicondutores que, em 2023, prevê renúncia fiscal de mais de R$ 600 milhões.
O governo de Jair Bolsonaro (PL) também quis cortar benefícios, sem sucesso. Aprovada em 2021, em meio à pandemia, a Emenda Constitucional 109 obrigava o Executivo a apresentar um plano para reduzir os incentivos a 2% do PIB até 2029 – menos da metade do nível atual. O plano foi apresentado, mas está parado na Câmara desde então
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