Pedro do Coutto
Lendo com atenção o novo comunicado do Banco Central divulgado na tarde de terça-feira, e publicado ontem na imprensa, identifica-se de plano uma posição do Bacen colocando-se acima do próprio governo, principalmente quando afirma que a queda dos juros exige paciência e serenidade, e que é necessária a apresentação de um novo arcabouço fiscal sólido e creditável. O Banco Central mandou também um recado ao BNDES, advertindo-o quanto ao crédito subsidiado para retomada do desenvolvimento.
No O Globo, uma excelente reportagem de Renan Monteiro e Alvaro Gribel focaliza muito bem o tema. Na Folha de S. Paulo, a matéria também muito boa é de Natália Garcia. Examinando-se sob a lente política o posicionamento do BC, presidido por Roberto Campos Neto, verifica-se até no comunicado um tom mais de advertência do que de colaboração. Na minha visão, a nota do Banco Central assume um caráter de ordem e, portanto, de subordinação da política monetária do Planalto ao próprio banco.
MANUTENÇÃO DE JUROS – O Bacen deixa claro no comunicado qual o caminho que será mantido na política monetária, condicionando-a à manutenção de juros a curto prazo, apesar dos ataques e cobranças do presidente Lula da Silva. Uma prova da manifestação oblíqua e imperativa está num trecho da nota que diz: “O BC reitera que não hesitam a retomar o ciclo de ajuste caso a inflação não caia”. Isso significa que os juros voltarão a subir para a Selic caso a inflação do país não recue.
O ministro Fernando Haddad, portanto, deve se considerar enquadrado nas diretrizes básicas do Banco Central, uma vez que sendo titular da Fazenda é responsável pela política monetária e, logo, sob o ângulo colocado pelo BC é responsável por um arcabouço fiscal que seja considerado sólido. Campos Neto deixa claro que até o momento esse arcabouço não foi apresentado, pois caso contrário não haveria necessidade da condição imposta.
INSATISFAÇÃO – Apesar da dimensão do comunicado, que observado pela lente política representa uma insatisfação, o ministro Fernando Haddad disse que a nota do Banco Central veio com termos mais condizentes do que o comunicado da semana passada. Pessoalmente não creio que tenha acontecido isso.
O ministro Fernando Haddad está se empenhando em suavizar a questão, mas a sua tentativa conduz ao enfraquecimento do Poder executivo, pois afinal de contas a autonomia e a independência do BC não pode significar que o estabelecimento dê ordens ao governo sobre como agir, inclusive ameaçando-o de nova elevação da taxa Selic que incide sobre a dívida brasileira de R$ 6 trilhões.
A impressão que predomina é que o BC, na gestão de Roberto Campos Neto, coloca-se acima do próprio governo na medida em que emite ordens a serem cumpridas pelo mesmo governo do qual faz parte. O Banco Central ao assumir a figura de mando atinge a própria estrutura do poder no país, pois investe até os princípios de hierarquia, passando a emitir ordens sobre como o Planalto precisa agir no campo financeiro. O quadro político assim muda visivelmente de figura. O Banco Central assume um patamar que mais parece de oposição ao governo do que a favor do país, da economia nacional e do problema social que ignora.
CONSIGNADOS – O presidente Lula da Silva decidiu que os juros cobrados pelos bancos pelo empréstimo consignado aos aposentados e pensionistas do INSS sejam de 1,97% ao mês, o que representa um recuo de 0,4% em relação à taxa anterior. O ministro Carlos Lupi, da Previdência Social, havia fixado os juros em 1,7%. Juros de praticamente 2% ao mês, levando-se em conta o cálculo dos montantes, ficará no prazo de um ano em cerca de 30%.
É muito difícil que aposentados e pensionistas, que em sua maioria ganham até dois salários mínimos, possam arcar com esses juros sem que tal procedimento afete o seu consumo básico até na escala alimentar, sobretudo porque o reajuste recebido pelos aposentados e pensionistas foi de 9% para os que recebem um salário mínimo e 6% para os demais.
O consignado, portanto, vai contribuir para um achatamento salarial ainda maior do que recebem acima do piso básico. O crédito para a faixa de menor renda fica profundamente difícil, ainda que fosse adotada a taxa mensal de 1,7%
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