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Qualquer ambiguidade ou tergiversação sobre o significado da democracia, em sua validade universal, pode ter consequências nefastas. Artigo do professor Denis Rosenfield para o Estadão:
Uma
atitude ou concepção democrática não se caracteriza apenas pela negação
de um caso particular de autoritarismo, como ocorreu com a frente
democrática apoiada pelo então candidato Lula e o PT. O fato de o hoje
presidente e de seu partido criticarem – com razão, aliás – as posições
de Bolsonaro, que claramente afrontou o regime democrático com a
contestação das urnas eletrônicas, o enfrentamento com o Supremo
Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as
tentativas golpistas não os torna democratas por si sós. Razões
eleitorais são insuficientes, se não vierem acompanhadas de
esclarecimentos necessários sobre o que bem entendem por democracia.
O
presidente Lula e parte de seu partido, pois há outras que começam a se
demarcar, sempre tiveram uma afinidade eletiva com ditaduras de
esquerda, compactuando com seu desrespeito aos direitos humanos, às
regras democráticas e o uso sistemático da violência. Condenações, se as
há, são sempre fracas, se não coniventes, como se observa recentemente
com o ditador Ortega, da Nicarágua, cujo poder é exercido sem nenhuma
limitação. Nem a Igreja Católica é mais respeitada, e é objeto de
perseguição. A Venezuela de Maduro e, antes, de Chávez, levada por eles à
miséria, à emigração e à riqueza de poucos, foi e é sempre tratada com
tolerância e compreensão. Isso para não falar da já longeva ditadura
cubana. O que isso significa? O direito de a esquerda no poder oprimir
seu próprio povo em nome do socialismo ou do comunismo?
O
argumento apresentado é o de que esses países têm direito à
autodeterminação, não devendo haver, aqui, nenhuma ingerência externa.
Ou seja, o que esses governantes fazem com o seu próprio povo seria
assunto exclusivo deles. Ora, se esse argumento é válido, deveria servir
também para as ditaduras de direita, pois também elas teriam direito a
usarem da violência contra os seus. Nesta linha de raciocínio, o
fascismo e o nazismo não deveriam ser tampouco condenados, visto que
essas nações assim se autodeterminaram, inclusive ganhando eleições. O
fato de Hitler ter eliminado milhões de judeus, poloneses, ciganos,
homossexuais, comunistas, social-democratas, entre outros, deveria ser,
então, compreendido sob a ótica da autodeterminação dos povos?
Logo,
o PT e o seu presidente deveriam escolher entre o que entendem por
autodeterminação dos povos e o princípio dos direitos humanos, pois este
está alicerçado numa concepção universal, cuja validade se situa acima
das fronteiras territoriais e estatais. O partido defender o direito das
minorias, por exemplo, resulta de uma posição universal, contra
discriminações e perseguições, venham de onde vierem, no Brasil e
alhures. Das duas, uma: ou a democracia é um princípio universal e os
direitos humanos valem para todos, sem nenhuma distinção de esquerda ou
de direita, ou os particulares Estados nacionais estão autorizados a
fazerem qualquer coisa com seus respectivos povos.
A
atitude petista em relação à invasão da Ucrânia é outra faceta da mesma
moeda. Lula tem reiteradas vezes sustentado uma suposta igualdade entre
as partes, como se o invasor e o invadido, o atacante e o atacado
devessem ser dignos da mesma consideração. Isso seria equivalente a
considerar em igualdade de condições o estuprador e a sua vítima,
devendo o promotor e o juiz estabelecerem um diálogo entre eles, numa
mútua compreensão. Não deveria haver condenação e julgamento?
Daí
se seguiria, então, a não condenação da Rússia por seus atos. Além de o
Brasil não ter força diplomática e militar para pretender se postular
como um mediador, há, aqui, uma condescendência com atitudes
autoritárias, que se traduzem pelo fato de um país – no caso, a Rússia –
simplesmente desconsiderar a Ucrânia como se não fosse nem devesse ser
um Estado independente. Seria “russo”, governado, em sua peculiar
linguagem, por “nazistas”. Imaginem se geopoliticamente a moda pega.
Seria a completa desestruturação de todo o equilíbrio geopolítico
construído a duras penas após a 2.ª Guerra Mundial e, agora, a perigo.
Durante
os diferentes governos petistas, essas ambivalências e contradições
sempre estiveram presentes, e foram escamoteadas das mais diferentes
maneiras. O dito orçamento participativo, autointitulado de democracia
direta para corrigir os “defeitos” da democracia representativa, foi
outra farsa para enraizar o PT nos setores mais carentes da população,
tornando-os uma mera clientela política. As ditas “assembleias” eram
totalmente controladas pelo partido, com presença massiva dos seus
membros, no melhor procedimento stalinista e castrista. Foi uma
“experiência” vendida para incautos.
Ocorre
que, hoje, a situação se tornou ainda mais aguda, considerando que o
atual governo é posterior à experiência bolsonarista da extrema direita
no poder. Qualquer ambiguidade ou tergiversação sobre o significado da
democracia, em sua validade universal, pode ter consequências nefastas.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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