BLOG ORLANDO TAMBOSI
É notável pensar que, quando a Palavra se fez carne com o nascimento de Jesus, tal tenha ocorrido pela mediação de um empresário privado. Artigo de Lew Rockwell, publicado pelo Observador:
Nos primórdios da Oficina da Liberdade
tivemos o gosto de conviver e de aprender com o Eduardo Freitas,
infelizmente falecido em Julho de 2019. O Eduardo era um libertário
extremamente educado, que nos brindava amiúde com textos ou pequenas
reflexões em que era patente a sua sabedoria inquieta. As suas opiniões,
sempre muito fundamentadas, funcionavam frequentemente como uma espécie
de terapia de choque que não deixava ninguém indiferente. Há seis anos,
o Eduardo tomou a iniciativa de traduzir um texto de Lew Rockwell, o
fundador e actual chairman do Mises Institute, sobre “as lições
económicas de Belém”. É esse texto que trazemos a esta coluna,
aproveitando para desejar aos nossos seguidores e leitores um Santo
Natal.
****
Bem
no centro da história do Natal estão presentes algumas importantes
lições respeitantes à livre iniciativa, ao estado e ao papel da riqueza
na sociedade.
Comecemos
com uma das frases mais famosas: “Não há lugar na estalagem”. Esta
frase é frequentemente invocada como ilustrando uma rejeição cruel e
insensível dos cansados viajantes José e Maria. Muitas versões da
história evocam imagens do casal que, indo de estalagem em estalagem,
apenas ouviam dos donos gritos para que se fossem embora ao mesmo tempo
que lhes batiam com a porta.
Na
verdade, as estalagens estavam superlotadas em toda a Terra Santa
devido ao decreto do imperador romano [César Augusto] que impunha que
todos fossem recenseados e tributados. As estalagens são empresas
privadas e os clientes são a sua força vital. Não teria havido razão
alguma para virar as costas a este homem de linhagem real e à sua bela
mulher, que estava grávida.
Em
qualquer caso, no segundo capítulo de São Lucas não se diz que eles
foram sucessivamente rejeitados nas estalagens por onde passaram. Nele
relata-se a caridade de um único dono de estalagem, talvez a primeira
pessoa que eles encontraram, que, afinal, era um homem de negócios. A
sua hospedaria estava cheia, mas ele ofereceu-lhes o que tinha: o
estábulo. Não há menção de que o estalajadeiro tenha cobrado ao casal
sequer uma moeda de cobre, embora, enquanto proprietário, estivesse no
seu pleno direito fazê-lo.
É
pois notável pensar que, quando a Palavra se fez carne com o nascimento
de Jesus, tal tenha ocorrido pela mediação de um empresário privado.
Sem a sua ajuda, a história teria sido muito diferente. As pessoas
queixam-se da “comercialização” do Natal, mas evidentemente o comércio
estava lá desde o início, desempenhando um papel essencial e louvável.
E
todavia não conhecemos sequer o nome do estalajadeiro. Em dois mil anos
de celebração do Natal, estão hoje ausentes homenagens ao proprietário
da estalagem. Esse é o destino do comerciante através de toda a
história: fazer bem, fazer o bem, e ser esquecido pelo seu serviço à
humanidade.
Claramente,
se havia uma escassez de acomodação, tal ficou a dever-se a um evento
incomum resultante de um qualquer tipo de distorção do mercado. Afinal,
se tivessem sido frequentes situações de escassez de alojamento em
Belém, os empresários ter-se-iam apercebido dos lucros potenciais a
concretizar e, abordando esse problema sistemático, teriam construído
mais estalagens.
Foi
por causa de um decreto governamental que Maria e José, e tantos outros
como eles, estavam de resto em viagem. Eles tiveram que abandonar os
locais onde viviam por receio do imperador e dos seus funcionários de
recenseamento e cobradores de impostos. E considerem as provações por
que passaram em todo o caminho que tiveram de percorrer “da Galileia, da
cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de David”, para não falar dos
custos de oportunidade que José suportou por ter que abandonar o seu
próprio negócio. Assim, temos uma outra lição: a utilização pelo estado
de ditames coercivos distorce o mercado.
Seguindo
em frente na história, chegamos aos Três Reis Magos, também chamados de
Homens Sábios. Assinale-se aqui uma anomalia histórica pelo facto de
irem juntos! A maioria dos reis comportava-se como o mandatário local do
imperador romano, Herodes. Este não ordenou apenas que as pessoas
deixassem as suas casas e suportassem os custos da viagem para que
pudessem ser tributadas. Herodes também era um mentiroso: ele disse aos
Sábios que queria saber onde Jesus se encontrava para que pudesse “ir
adorá-Lo.” De facto, Herodes queria matá-Lo. Temos assim, uma outra
lição: não se pode confiar que um político da clique diga a verdade.
Uma
vez encontrada a Sagrada Família, que presentes trouxeram os Reis
Magos? Não sopa e sanduíches, mas “ouro, incenso e mirra”. Estes eram os
itens mais raros que se podiam obter no mundo daqueles tempos pelo que
deviam ter um preço de mercado muito elevado.
Longe
de os rejeitar como extravagantes, a Sagrada Família aceitou-os como
presentes dignos do Messias Divino. Tão pouco existe registo que sugira
que a Sagrada Família tenha pago sobre eles um qualquer imposto de
capitais, apesar de esses presentes em muito terem aumentado a sua
riqueza líquida. Temos assim uma outra lição: não há nada de imoral na
riqueza; a riqueza é algo a valorizar, a ser de propriedade privada, a
ser dada e a ser trocada.
Quando
os Homens Sábios e a Sagrada Família ouviram falar dos planos de
Herodes para matar o Filho recém-nascido de Deus, será que eles se
submeteram? Nem um pouco. Os Reis Magos, sendo sábios, ignoraram Herodes
e “seguiram por outro caminho para a sua terra” – tomando as suas vidas
nas suas mãos (Herodes levou a cabo uma busca furiosa por eles mais
tarde). Quanto a Maria e a José, um anjo aconselhou José: “toma contigo o
menino e sua mãe, e foge para o Egipto.” Em suma, eles resistiram.
Lição número quatro: os anjos estão do lado dos que resistem ao estado.
Nas
narrativas do Evangelho, o papel da iniciativa privada, e o mal do
poder governamental, apenas começam aqui. Jesus usou exemplos de
actividades comerciais nas suas parábolas (por exemplo, os trabalhadores
da vinha do Senhor ou a parábola dos talentos) e deixou claro que ele
veio para salvar os pecadores, mesmo aqueles tão vituperados como os
cobradores de impostos.
E
assim como o Seu nascimento foi facilitado pelo proprietário de uma
“estalagem”, a mesma palavra grega “kataluma” é empregue para descrever o
local da Última Ceia antes de Jesus ter sido crucificado pelo estado.
Deste modo, a empresa privada estava lá desde o nascimento, pela vida
fora, e até à morte, proporcionando um refúgio de segurança e
produtividade, tal como tem sucedido no nosso tempo.
Nota Editorial: Texto de 2000 originalmente publicado no blog do autor.
Postado há 35 minutes ago por Orlando Tambosi

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