BLOG ORLANDO TAMBOSI
Teorias conspiratórias não faltam e voltaram a circular depois que seu sucessor pediu uma prece especial que o acompanhasse até “os últimos dias. Vilma Gryzinski:
Se
Bento XVI estava tão incapacitado a ponto de tomar a chocante decisão
da renúncia, em 28 de fevereiro de 2013, como é que viveu mais dez anos?
É
uma pergunta legítima e independente das muitas teorias da conspiração
desde que o alemão Joseph Ratzinger saiu de cena, numa atitude sem
precedentes em 600 anos, e em seu lugar entrou o argentino Jorge
Bergoglio.
O
fato de que tenham sido diferentes como água e vinho, embora mantendo
uma relação ostensivamente boa – “É um santo”, disse Francisco
recentemente -, só aumenta a curiosidade.
Outro
fator: além de viver uma década como papa emérito, Bento XVI também não
foi envolvido em nenhuma denúncia de pederastia, o grande pecado que
continua a projetar sua sombra sobre um clero que deveria ser, em tudo, o
oposto do que tantos casos comprovam.
Se
não sofria uma doença grave e não viria a ter o nome enxovalhado,
aumentam as dúvidas sobre o motivo que o levou à renúncia e a uma vida
de contemplação no mosteiro Matter Ecclesia, um convento adaptado para
que morasse no Vaticano, numa situação inevitavelmente desconfortável
para o sucessor.
Em
vez de diminuir as especulações, o papa aposentado as aumentou ao ter
uma conversa, no ano passado, com o Corriere della Sera, dizendo que a
hipótese de que tivesse renunciado sob intimidação é coisa de “amigos um
tanto fanáticos”.
Pois
é, até ele admitiu as teorias conspiratórias, embora dizendo que a
renúncia foi uma “escolha difícil”, mas tomada de consciência limpa.
Bento
XVI foi uma figura influentíssima na Igreja muito antes de se tornar
papa, agindo em conjunto com João Paulo II para defender, com vigor de
quem foi teólogo precoce e de culto, a visão mais tradicional de como
devem ser conduzidas as questões religiosas e morais.
Francisco
desmanchou tudo o que ele fez, inclusive a abertura para a missa
tridentina, a rezada em latim, cuja substituição após o Concílio
Vaticano II provocou dissidências que chegam aos dias atuais.
Muitos tradicionalistas o culpam por terem sido “abandonados”.
“Como
foi possível que abandonasse o rebanho à ferocidade dos lobos?”,
escreveu um deles, Aldo Maria Valli, blogueiro vaticanista (associamos
as duas palavras tão antagônicas de propósito), por ocasião da
entrevista do ano passado. “Como é possível se dizer com a consciência
limpa, mas não sentir o espanto e o sofrimento de uma grande parte do
rebanho?”.
Outra
teoria da conspiração envolve o escândalo do Vatileaks, um vazamento de
documentos sigilosos feito pelo próprio mordomo de Bento, Paolo
Gabriele. O mordomo disse que queria provar que existem “mal e corrupção
por toda parte na Igreja”, embora o papa não fosse “suficientemente
informado”.
Bento
desmentiu pessoalmente a hipótese de que tenha sido levado à renúncia
por causa das revelações. O Vatileaks provocou a criação de uma comissão
de cardeais que concluiu existir uma rede “unida pela orientação
sexual” e sujeita a chantagens de “influências externas”- a máfia gay,
expressão tão politicamente incorreta que o caso desapareceu rapidamente
da imprensa.
Muitos
conspiracionistas evocam também um tema esotérico, as Profecias de São
Malaquias. Todas as autoridades religiosas e históricas consideram o
texto atribuído ao santo irlandês do século XII uma falsificação datada
de mais de trezentos anos depois, mas é irresistível às mentes
conspiratórias deixar de lembrar que as profecias mencionam os 112 papas
que haveria a partir do momento em que foram, supostamente, escritas,
em 1139.
Segundo
as curtas descrições escritas em latim sobre cada papa, o emérito seria
o penúltimo e Francisco o último. Nenhum exegeta consegue explicar por
que o papa argentino é tratado de “Pedro, o Romano”. Mas, depois dele,
viria o final apocalíptico. “Quando as tribulações acabarem, a cidade
das sete colinas estará destruída” e virá o julgamento final.
Francisco
está com 86 anos e não é impossível que siga o caminho de seu
antecessor. Disse recentemente que já deixou o pedido de renúncia
escrito em caso de incapacidade. Sentir que faltam forças para as
exigências de uma missão de extrema exigência não é nada fora do comum,
principalmente para pessoas com mais de 80 anos – exceto se forem,
claro, a rainha Elizabeth II, que cumpriu suas funções até dois dias
antes de morrer, aos 96.
Bento
XVI pode ter achado que simplesmente não dava mais conta? É provável. A
Igreja Católica também continua a provocar os mais extremos sentimentos
conspiratórios – e altamente equivocados, como nos livros de Don Brown.
Para
os que não acreditam em explicações simples nem na lei da parcimônia de
Ockham – pronto, voltamos ao inesgotável tema de monges medievais
dotados de conhecimentos excepcionais-, a renúncia do alemão Ratzinger
continuará a ser mal contada.
Postado há 8 hours ago por Orlando Tambosi
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