BLOG ORLANDO TAMBOSI
Célebre teórico do conservadorismo, o filósofo húngaro-americano John Kekes toma a defesa da moderação na política. Entrevista a Carlos Graieb, da Crusoé:
John
Kekes é um autor pouco conhecido no Brasil, que nenhuma editora cuidou
de traduzir até hoje. Mas sua obra é indispensável para qualquer
discussão das ideias conservadoras no século XXI, em particular A Case
for Conservatism (Uma Defesa do Conservadorismo) e Against Liberalism
(Contra o Liberalismo), ambos lançados em 1998 e já clássicos.
No
seu livro mais recente, publicado em novembro, Kekes decidiu qualificar
sua posição filosófica e política com um adjetivo. Moderate
Conservatism (Conservadorismo Moderado) foi concebido como “uma crítica
ao extremismo político e um alerta contra as consequências destrutivas
da politização de aspectos da vida que deveriam ser deixados a critério
dos indivíduos”. Como bom conservador, Kekes evita generalizações e
insiste que escreveu pensando apenas nos Estados Unidos. É fácil
perceber, no entanto, que as circunstâncias que o preocupam estão
presentes também no Brasil.
Kekes nasceu na Hungria, em 1936, e imigrou para os Estados Unidos na década de 1960. Deu aulas até recentemente no Union College, do estado de Nova York. A filosofia moral é a outra grande vertente de sua obra, com títulos como The Roots of Evil (As Raízes do Mal) e Wisdom – A Humanistic Conception (Sabedoria – Uma Concepção Humanística).
Kekes respondeu as perguntas que Crusoé lhe enviou.
Algum incidente específico o levou a escrever Moderate Conservatism?
Não
foi tanto um incidente quanto um processo que avança rapidamente – o da
politização da vida, inclusive a vida privada. Em circunstâncias
normais, a política é uma discussão tediosa entre profissionais do
metiê, sobre como utilizar recursos que são sempre escassos. Isso mudou,
não apenas nos Estados Unidos, mas em países do mundo todo. Políticos
de diferentes partidos não concordam mais em discordar. Eles agora
questionam os pressupostos da ordem política. Eles querem mudar, e mudar
radicalmente, os consensos sobre o passado e o futuro do país de cujos
problemas eles deveriam cuidar.
O subtítulo do livro é “Recobrando o Centro”. Centro é um sinônimo de moderação política?
O
centro e a moderação política estão intimamente ligados, mas não são a
mesma coisa. Chamo de centro aquilo que está implícito para os cidadãos,
o substrato da vida pública. São tradições, processos, um senso básico
de civilidade, a ordem costumeira da convivência interpessoal. São as
decências básicas do nosso dia a dia. Moderação é evitar os extremos,
que não são sempre a mesma coisa. É possível ser moderado em um regime
brutal, em uma sociedade que se desintegra ou no meio de uma revolução.
Isso é bem exemplificado pelas facções da Revolução Francesa de 1789.
Não havia centro, mas havia moderados. Ou pensemos na Revolução Russa de
1917. Alexander Kerensky era um moderado, Vladimir Lenin era um
extremista, mas ambos se opunham ao que costumava ser o centro na
organização política czarista.
Moderação, no seu livro, não parece ser apenas o oposto de excesso, mas também, e talvez mais importante, o oposto de crenças absolutas. Quais são os inimigos políticos da moderação?
Os
inimigos da moderação são os ideólogos de esquerda e direita que têm um
programa político que promete nos levar ao BEM, com maiúsculas, seja
como for que eles o definem. Talvez seja seguir a vontade divina, como
querem os ortodoxos de todas as religiões; ou a busca de um bem supremo,
como a igualdade, para os igualitários; ou a liberdade, como querem os
libertários; ou uma sociedade em que os recursos produtivos estão nas
mãos do Estado, como querem os socialistas. Os piores excessos não vêm
dos vigaristas que desejam riqueza e poder, mas daqueles que acreditam
genuinamente ter encontrado o bem, encaram qualquer opositor como um
inimigos da humanidade e atribuem si próprios a missão de calar esses
adversários. Os inimigos são teóricos em busca de um ideal, que renegam a
prática política e desejam respostas do tipo “tudo ou nada”. Os
inimigos são aqueles que ignoram que escolhas políticas dependem do
contexto em que são feitas e são influenciadas pelas condições
históricas. Eles não aceitam que entre liberdade, justiça e igualdade há
um conflito que a cada momento terá de ser resolvido de maneira
diferente. Os inimigos mais perigosos da moderação são aqueles políticos
que querem salvar o mundo.
Como o senhor responde a quem diz que uma posição moderada é tímida, fraca ou descompromissada?
Mais
uma vez, a questão é aquilo que você está tentando moderar. Não se deve
moderar o espírito humano em sua curiosidade, imaginação, desejo de
explorar. A vida do espírito é uma coisa; a vida política, algo muito
diferente. Estão conectadas, é claro, mas é crucial, para o bem estar da
sociedade, que permaneçam independentes.
Como
um conservador moderado consegue se fazer ouvir quando há populistas de
direita e de esquerda gritando ao seu redor? A moderação pode ser uma
posição política combativa ou isso seria um paradoxo?
Esse
é de fato o grande problema dos moderados. O melhor que podemos fazer é
explicar repetidamente aos extremistas que suas ações põem em risco,
precisamente, o tipo de sociedade que lhes permite gritar seus slogans.
Podemos lembrar aos extremistas que, se a Paz de Westfália tivesse sido
assinada algumas décadas antes, no século 17, a Guerra dos 30 Anos não
teria devastado a Europa. Ou que se o rei francês Luís XVI tivesse
ouvido os conselhos do estadista Malesherbes (por sinal, avô e modelo de
outro grande moderado, Alexis de Tocqueville), a Revolução Francesa de
1789 não teria acontecido. Suspeito, no entanto, que esse tipo de
resposta não seja útil, porque extremistas não têm senso histórico.
A
civilidade parece ser a primeira vítima quando a polarização política
toma conta de um país. O que se perde com isso é algo de importância
central ou periférica?
A
perda da civilidade é sintoma de algo mais profundo e de importância
central. Alguns exemplos de pessoas que souberam manter a civilidade
mesmo em meio às mais sérias discordâncias políticas são o inglês Edmund
Burke, quando escreveu sobre a Revolução Francesa, o filósofo americano
Michael Oakeshott, nos seus ensaios, e os três autores de O
Federalista, o conjunto de panfletos que ajudou a dar forma à
constituição americana. Refiro-me a Alexander Hamilton, James Madison e
John Jay.
O
senhor afirma diversas vezes que suas reflexões se aplicam apenas aos
Estados Unidos. Sob quais condições é possível aplicá-las a países em
que a tradição democrática não é tão profunda, como o Brasil?
Por
ignorância, não me arrisco a fazer comentários sobre o Brasil. Mas,
falando de maneira geral, o conservadorismo moderado pode surgir em um
país quando seus cidadãos concordam que há algumas coisas – tradições,
instituições, traços culturais – que eles desejam preservar, e não
perder. Se uma parcela substancial da população de um país vive em
condições desesperadoras, falar em conservadorismo moderado pode ser uma
causa perdida. Segurança e nutrição adequada são pré-condições para que
existam discordâncias políticas civilizadas entre conservadores,
liberais e esquerdistas.
Em termos históricos, quais são os exemplos que um conservador moderado daria de seus princípios postos em prática?
O
grande exemplo é a Inglaterra no período entre a Reforma de 1867, que
ampliou o direito de voto, e a Primeira Guerra Mundial – ou até mesmo a
Segunda Guerra. A Europa entre a queda de Napoleão Bonaparte e o começo
da Segunda Guerra talvez seja um bom modelo também. Os livros do
ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger são muito bons a esse
respeito. Aliás, de modo geral, recomendo toda sua obra.
O
relacionamento entre os poderes da República se tornou tenso no Brasil.
O conservador moderado tem algo a dizer sobre a separação de poderes?
Na
Inglaterra, essa separação é tácita, ambígua, e essa é a maneira pela
qual os ingleses desarmam questões explosivas. Já nos Estados Unidos, a
separação está bem no centro da tradição política. O problema é que a
separação de poderes e o sistema de pesos e contrapesos que impede que
um deles saia do controle vivem em um permanente estado de conflito. Ao
contrário do que se poderia imaginar, quanto maior é a separação, menor é
o controle que os poderes exercem uns sobre os outros. E vice-versa.
Esse é um assunto ainda mal estudado. Se eu fosse um estudante à procura
de um assunto para uma tese, escolheria esse.
Qual a posição do conservador moderado sobre liberdade de expressão?
Quem
estabeleceu as balizas modernas para essa discussão foi o filósofo
inglês John Stuart Mill, no livro Sobre a Liberdade. Eu o vejo como o
vilão da história. No começo desse manifesto ele anuncia o que chama de
“um princípio simples”, que é o da liberdade negativa, ou seja, a
imunidade do indivíduo contra interferências em sua liberdade. Ele então
usa o resto do texto para voltar atrás na sua afirmação original.
Aliás, alguém espirituoso já disse que todo manifesto é assim: um texto
em que você diz algo, e depois se retrata. O conservadorismo moderado
tem uma concepção diferente, que eu chamo de liberdade limitada.
Trata-se de reconhecer que a liberdade é um dos bens políticos
primários, mas não um bem político que se sobrepõe a todos os outros. A
liberdade pode ser restringida em contextos e condições em que há bons
motivos para acreditar que a justiça, a igualdade política entre os
cidadãos, a preservação do Estado de Direito ou a propriedade privada
devem ter precedência sobre ela.
Um país polarizado pode se curar?
Creio que sim. Mas temo que às vezes seja preciso o ataque de alguma força estrangeira para que isso aconteça.
Postado há 3 hours ago por Orlando Tambosi
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