A própria unidade do país está em risco por causa de posições religiosas e ultranacionalistas dos radicais com passaporte para a chantagem. Vilma Gryzinski:
Benjamin Netanyahu é um prodígio de sobrevivência política e não é preciso gostar dele para reconhecer isso.
Mas
será esta suprema habilidade suficiente para garantir que o governo de
Israel não seja fagocitado por seus novos e extremistas aliados?
Desde
que ele formou uma aliança com partidos tão radicais cuja ideologia
supremacista chegou a ser banida no passado, Netanyahu tem colocado a si
mesmo como a garantia de que as mulheres não serão segregadas em
espaços separados e os homossexuais discriminados, entre outras ideias
defendidas pelos integrantes do governo que deve ser anunciado amanhã.
Outros
pontos de extrema volatilidade: definir quem é judeu e quais conversões
são acatadas, quem pode ser aceito como cidadão de Israel, quem pode se
casar ou ser enterrado em território judaico, o que funciona e o que
fecha durante o dia santo do sábado, decisões da esfera das forças
armadas e da polícia e o serviço militar de mulheres. E, claro, como
será conduzida a política em relação aos palestinos que são cidadãos de
Israel e os que moram nos territórios ocupados.
Cada
uma dessas questões já é explosiva por si mesma. Todas juntas, são de
uma complicação assustadora. Isso que nem entrou ainda no quadro o que
acontecerá quando, inevitavelmente, houver mais um conflito com os
extremistas do Hamas na Faixa de Gaza.
Ao
contrário do que muitos acreditam, Netanyahu não é um falcão belicista
e, sob a óbvia pressão dos Estados Unidos, sempre conseguiu limitar
esses conflitos repetitivos. Seus novos aliados são ultranacionalistas
de inspiração religiosa com um discurso de supremacia judaica sobre os
territórios bíblicos e expulsão dos árabes que lá vivem.
As
duas figuras mais conhecidas são Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir, do
Partido Sionista Religioso. Até recentemente ocupantes das franjas
extremistas do espectro político, agora chegam ao centro do poder.
Smotrich vai ocupar uma posição especial no Ministério da Defesa, com
controle sobre a Area C da Cisjordânia, onde vivem 500 mil judeus e 300
mil palestinos.
O
parlamento precisou aprovar uma lei especial qualificando Smotrich a
ter esse cargo. É difícil imaginar que algo de bom venha disso.
“Durante
muitos anos, políticos com esse tipo de mentalidade foram excluídos do
consenso nacional”, disse ao Times of Israel um ex-deputado e
ex-ministro do Likud, Dan Meridor. Foi o próprio partido de Netanyahu
que passou uma lei proibindo que Meir Kahane, um ultraextremista
defensor da supremacia judaica, fosse eleito deputado. Agora, um
herdeiro ideológico como Ben-Gvir está no próximo governo e nada menos
do que no comando da polícia.
Detalhe
folclórico: para garantir a maioria no parlamento – e sua blindagem aos
três processos por corrupção, acreditam todos –, Netanyahu concordou
com a exigência de um outro partido religioso, o Judaísmo Unido da Torá,
revertendo o movimento para defasar as redes 2G e 3G. Motivo? Manter os
“celulares kosher”, usados pelos ultraortodoxos, sem conexões com redes
e outras tentações que levem ao pecado. É claro que é um atraso para
Israel, cujo pioneirismo tecnológico é um pilar fundamental da economia.
E é claro que a oposição faz comparações com o Irã.
Para
piorar, começou a ser divulgada uma lista feita por outro partido da
frente sionista religiosa com os nomes de repórteres, editores,
apresentadores e outros jornalistas que são homossexuais.
O
pano de fundo dos acontecimentos internacionais é, como sempre, de uma
alta complexidade para Israel. A explosão de protestos no Irã favoreceu o
país ao impossibilitar, num futuro de curto prazo, um novo acordo
nuclear liderado pelos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o Irã está cada
vez mais oficializando uma aliança militar com a Rússia, o que pode
interferir num dos maiores trunfos tácitos de Netanyahu em seu último
governo, um acordo com Vladimir Putin que dava liberdade a Israel para
bombardear posições de iranianos e aliados na Síria.
As
possibilidades de algum tipo de ambiente favorável a uma solução que
garanta as exigências básicas de palestinos e israelenses são nulas. Os
acordos com países árabes do Golfo que criaram uma certa esperança
perdem a perspectiva de se ampliar, promovendo uma pacificação de fora
para dentro, como defendeu, com algum sucesso, o genro de Donald Trump,
Jared Kushner (agora, ele não está nem falando com o sogro, depois do
jantar do ex-presidente com o antissemita Kanye West).
Segundo
uma pesquisa recente, 65% dos palestinos da Cisjordânia e 84% dos de
Gaza favorecem a criação de novos grupos armados, independentes do
governo dos territórios ocupados.
Os
ataques terroristas aumentam a radicalização do lado oposto e assim
avançam as chamas da violência. Contar que Netanyahu baste para
contê-las exige uma alta dose de otimismo.
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi
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