MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Um passo nunca dado na história dos EUA

 BLOG  ORLANDO  TAMBOSI



É cada vez mais difícil não pensar que algo consiga ser provado. Que o ex-Presidente cometeu um crime contra o povo dos EUA. A justiça, por muito lenta, quando chega, deve ser justa e imparcial. Ricardo Silvestre para o Observador:


Título 18, Secção 371: “Se duas ou mais pessoas conspirarem para cometer qualquer crime contra, ou para fraudar, os Estados Unidos.” Título 18, Secção 1001: “(a1) [quem] falsifica, oculta ou encobre por qualquer truque, esquema ou dispositivo, um facto material; (a2) faz qualquer declaração ou representação materialmente falsa, fictícia ou fraudulenta; ou (a3) faz ou usa escritos ou documentos falsos, sabendo que os mesmos contêm qualquer declaração ou registo materialmente falso, fictício ou fraudulento.” Título 18, Secção 1512(c): “Adulteração de uma testemunha, vítima ou informante”. E Título 18, Secção 2383: “Quem incita, inicia, auxilia ou se envolve em qualquer rebelião ou insurreição contra a autoridade dos Estados Unidos ou das suas leis, ou dá ajuda ou conforto a estes”.

Estas são algumas das alíneas do Código de Leis dos Estados Unidos da América. São também os possíveis crimes que a Comissão Especial da Casa dos Representantes para Investigar o Ataque ao Capitólio de 6 de janeiro (Jan6Com) referiu para o Departamento de Justiça (DOJ) para se abrirem processos de investigação. Estas referências fazem parte de algumas das recomendações da Jan6Com, resultantes do trabalho feito durante quase dois anos sob a presidência do Representante Bennie Thompson (Democrata) e vice-presidência de Liz Cheney (Republicana). A informação recolhida sobre possíveis crimes será agora transmitida para a Direção do DOJ. Aquela que pode ser tornada pública fará parte do relatório a ser publicado brevemente. E queixas formais serão enviadas para a Comissão de Ética da Casa dos Representantes, referentes a quatro dos seus membros: os Republicanos Jim Jordan, Scott Perry, Andy Biggs, e Kevin McCarthy, por estes não terem respeitado intimações legais por parte da Jan6Com para testemunharem.

Encerra-se assim um primeiro ciclo, com um passo nunca dado na história dos Estados Unidos da América, a referenciação para processos criminais de um ex-Presidente. Nixon não teve de enfrentar tal situação, pois Gerald Ford emitiu uma “Proclamação Presidencial”, no dia 8 de setembro de 1974, que atribuía um completo e incondicional perdão ao desgraçado “Tricky Dicky”, que tivera de se demitir para não ser destituído no Senado pelas suas ações no caso Watergate. Trump não terá tal benesse. De facto, o residente de Mar-a-Lago vai ter mais uma máquina legal a construir acusações para levar a um Grande Júri, a juntar àquelas que já se conhecem. Uma é liderada pelo Procurador Especial Jack Smith que supervisiona duas investigações criminais, uma sobre o papel de Trump no ataque de 6 de janeiro ao Capitólio e a outra sobre o manuseio incorreto de registos do governo, incluindo documentos classificados que o ex-Presidente levou para o seu resort na Flórida como se fossem pesa-papéis. E também o Grande Júri criado no estado da Geórgia, no condado de Fulton, onde a Procuradora Fani Willis lidera o processo criminal sobre a intromissão de Trump nas eleições nesse Estado.

A referenciação por parte da Jan6Com “vale o que vale”. Não é a Comissão, ou os seus membros que terão de, para além de qualquer dúvida razoável, provar a um Grande Júri que Trump, e os seus co-conspiradores são realmente culpados. Ainda mais quando algumas das referências serão muito difíceis de demonstrar. O Título 18, Secção 2383, “Quem incita, inicia, auxilia ou se envolve em qualquer rebelião ou insurreição” é extraordinariamente difícil de provar. É verdade que já existem precedentes, e um deles recente, com a condenação de um dos líderes de um dos grupos presentes no Capitólio (Elmer Stewart Rhodes do grupo Oath Keepers), mas isso ser feito com um ex-Presidente será uma tarefa hercúlea. O DOJ tem instrumentos que a Jan6Com não tem, incluindo o poder de intimação judicial e a criação de equipas de investigadores com capacidade de cruzar informação de uma forma mais concisa. Algumas das testemunhas resistiram à Comissão porque sabiam que uma resposta cabal por parte desta de os referenciar aos DOJ por desrespeito ao Congresso seriam vistas como ações políticas, e com a capacidade de retaliação quando a Casa dos Representantes passar para controlo dos Republicanos (e eles vão retaliar). Porém não o poderão fazer com o DOJ, a não ser que queiram ter de se defender em tribunal sob risco de prisão. Já outras testemunhas, uma delas material para possibilidade de ter havido o crime que se enquadra no Título 18 Secção 1512(c): “Adulteração de uma testemunha, vítima ou informante”, já têm os seus testemunhos sobre juramento com a Jan6Com, e estarão disponíveis para o fazer de novo com os agentes do DOJ.

Algumas destas referenciações, incluindo para a Comissão de Ética da Casa dos Representantes, poderão não ter seguimento, ou resultar em efetivos processos criminais submetidos em tribunal. Uma Casa dos Representantes sob controlo Republicano não só impedirá sanções aos membros referenciados, sendo que um deles poderá ser o Líder da Maioria (Speaker of the House), como já ameaçou cortar os fundos do DOJ se estes seguirem investigações criminais contra o ex-Presidente. O próprio DOJ pode achar que algumas das referenciações não conseguirão ser provadas e abandoná-las, ou mesmo que consiga um Grande Júri, isso não é garantia que o veredito seja a favor da acusação. E teflon Don tem mostrado, uma vez após outra, que parece ser revestido de uma qualquer impunidade, nunca sendo chamado a pagar pelas suas ações. Essa foi, seguramente, uma das motivações para ter apresentado a sua candidatura à nomeação para Presidente pelo Partido Republicano a dois anos das eleições, com a esperança de que esse estatuto o protegesse das investigações do DOJ.

Pode ser que sim, que não resultem em nada de significativo. Porém, é cada vez mais é difícil não pensar que algo consiga ser provado, num júri de pares, que o ex-Presidente cometeu um crime contra o povo dos Estados Unidos da América. A justiça, por muito lenta que seja, quando chega, deve ser justa e imparcial. Fica agora nas mãos daqueles que passam pelo logo do DOJ a caminho dos seus trabalhos, e pelo moto que se encontra debaixo da Águia-de-cabeça-branca, que segura numa garra um ramo de oliveira composto por treze folhas, e na outra, treze flechas. Esse moto diz, Qui Pro Domina Justitia Sequitur: “Quem faz a prossecução em nome da justiça”. Com Trump, começa a ser a altura de termos a concretização dessa nobre missão.
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