MEDIÇÃO DE TERRA

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sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Hayek foi um liberal verdadeiro

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

Uma nova biografia conta a história do começo da vida e da carreira do economista. Deirdre McCloskey para a revista Oeste:


Muitas pessoas na esquerda consideram o economista e ganhador do Prêmio Nobel Friedrich Hayek “conservador”, ou, na melhor das hipóteses, “neoliberal”. Mas Hayek não foi um conservador. Ele foi um liberal, sem nada de “neo”. Uma nova biografia, Hayek: a Life, ainda sem tradução para o português, escrita por Bruce Caldwell e Hansjörg Klausinger, historiadores do pensamento econômico, conta a história de suas primeiras cinco décadas de vida, em 824 páginas de impressionante detalhamento.

Hayek foi um líder da terceira geração da chamada Escola Austríaca de Economia. Hoje difundida mundialmente, apesar de ser a visão de uma minoria, ela de fato teve origem na Áustria. Surgida nos anos 1870, seu fundador, Carl Menger, desenvolveu e defendeu uma melhoria radical da economia liberal inglesa de Adam Smith, David Ricardo e J.S. Mill.

Os oponentes do liberalismo nos tempos de Menger eram devotos de uma “escola histórica” echt alemã, que admirava os mestres coercivos do passado e recomendava novas figuras. Nos Estados Unidos, opositores da economia liberal austríaca eram chamados de institucionalistas — o objetivo deles era impor instituições, quer você gostasse disso ou não. Assim como ocorre hoje em dia com neoinstitucionalistas, como Douglass North, Barry Weingast e Daron Acemoglu.


Em vez disso, a Escola Austríaca de Menger, Ludwig von Mises, Hayek, Israel Kirzner, Murray Rothbard e agora Peter Boettke recomenda nos atermos a boas ordens espontâneas. Elas surgem em toda parte, com pessoas sem senhor interagindo, digamos, na língua inglesa, na música alemã, na Wikipedia norte-americana, na amizade holandesa, na culinária francesa e na economia mundial. Com exceção de países totalitários, como o que habita os sonhos de Xi Jinping, grande parte da vida ocorre fora do Estado. Afinal, com que frequência você implementa um contrato nas cortes estatais?

Então Hayek e a Escola Austríaca são liberais num mundo moderno que oscila entre os conceitos fatais de direita e esquerda. Na esquerda, atualmente Acemoglu, James Robinson e, de forma mais radical, Thomas Piketty e Mariana Mazzucato recomendam um Estado cada vez maior. Eles prometem que vai ser bom, você sabe. Na direita, Donald Trump e Vladimir Putin recomendam um Estado cada vez maior. Eles não fazem nenhuma promessa sobre ser bom. E vislumbram um Estado do tipo a que Hayek se opôs em terras russas e depois alemãs, depois de crescer com a polícia austríaca antissemita e a violência nas ruas da Alemanha de Weimar ali ao lado. Nós, liberais, estamos distantes do espectro usual e recomendamos, como fez Hayek, um Estado competente, mas pequeno, liberdade com amor.

 

O termo peculiarmente norte-americano para essa visão de mundo é libertarianism. O uso deixou liberal para os socialdemocratas. Hayek e eu desaprovamos isso. O verdadeiro liberalismo prefere a ideia estranha e maravilhosa que surge por um feliz acidente no noroeste da Europa durante o século 18, de que as antigas hierarquias de marido, senhor e rei não deveriam continuar. Pessoas comuns deveriam ser tratadas pela primeira vez como adultas. Esse liberalismo deveria se chamar adultismo.

Em seu volume biográfico, que cobre o período entre 1899 e 1950, Caldwell e Klausinger contam tudo sobre a juventude de Hayek que você queria saber, mas tinha medo de perguntar. De sua infância feliz em Viena e seu impetuoso serviço como oficial de baixa patente no Exército austríaco no front italiano, ele frequentou a universidade durante a década de 1920 e então trabalhou como pesquisador com Ludwig von Mises. Hayek mudou seus comprometimentos com um socialismo sentimental para um liberalismo intelectual. O mesmo ocorreu com diversos intelectuais esquerdistas durante o século 20 — Leszek Kołakowski, Robert Nozick, Thomas Sowell. Eu também, ainda que minha mudança não tenha sido tão rápida quanto a dele. A velha piada é que, se você não for socialista aos 16 anos, você não tem coração. Se você ainda for socialista aos 26, você não tem cérebro.

Hayek foi parcialmente convertido já aos 23 anos, pela obra de Mises, publicada em 1922, Die Gemeinwirtschaft: Untersuchungen über den Sozialismus (Economia Coletivizada, traduzido para o inglês, em 1936, com o título Socialism: Economical and Sociological Analysis, e, em 2021, para o português como Socialismo — Uma Análise Econômica e Sociológica). “Eu já tinha me tornado bastante cético [em relação ao planejamento central]”, ele escreveu, talvez, ao ver os austríacos e os italianos fazerem de forma totalmente incompetente o que os Estados são basicamente formados para fazer — travar uma guerra sangrenta. Algumas pessoas da minha geração extraíram a mesma lição do sangue derramado no Vietnã. No entanto, assim como eu e muitas outras pessoas, durante muito tempo, Hayek não conseguiu assumir por completo o que já sabia: “Eu não teria dito à época — como digo agora — que o socialismo não está nem meio certo, ele está totalmente errado”.


O livro da minha própria conversão foi Anarchy, State and Utopia (1974), de Robert Nozick. Na faculdade, uns 12 anos antes, meu colega de dormitório Derek e eu, estudantes da teoria keynesiana disponível na época, ríamos cheios de arrogância de David, nosso outro colega de dormitório e estudante de engenharia elétrica, por ler Human Action (1949), de Mises. Relaxando depois de solucionar equações diferenciais de segunda ordem, ele acendia um cigarro Gauloises sem filtro, recostava em sua cadeira de escritório e apoiava sua velha edição da Yale Press nos joelhos. Se, em vez de zombar, eu tivesse lido, teria economizado pelo menos uma dúzia de anos — na verdade, os 30 e tantos anos que levei para entender boa parte das contribuições do austríaco para a economia, em especial em sua teoria de mercados e da descoberta.

Caldwell e Klausinger passam pelo primeiro casamento malsucedido de Hayek, sua rejeição do antissemitismo vienense, suas aulas na London School of Economics na criativa década de 1930 e pela elaboração de The Road to Serfdom nos anos 1940. Em abril de 1945, a obra foi condensada em um famoso número da Reader’s Digest, para 5 milhões de assinantes, e distribuída de graça para milhões de soldados. No agressivo clima pró-socialismo da época, entre a intelectualidade, o livro acabou com a alta reputação acadêmica de Hayek naqueles tempos.

Em 1947, ele liderou o primeiro encontro da Sociedade Mont Pelerin, com um punhado de liberais antissocialistas no auge do socialismo mundial. Hayek atuou como presidente desse inquietante grupo de discussão de professores universitários de 1947 até 1961, enquanto fazia a transição da economia técnica para a filosofia política, em que, por fim sua reputação foi restaurada — mas esses eventos serão revelados ao leitor no volume 2.


Esse tomo, que contará com a coautoria de Klausinger e do brilhante economista búlgaro de formação alemã Stefan Kolev, terá de navegar em meio a relatos conflitantes das polêmicas declarações de Hayek sobre o Chile e suas interações com Augusto Pinochet. (No entanto, os Chicago Boys, que costumam ser espinafrados injustamente pelos pecados do ditador chileno, aprenderam teoria de preços na Universidade de Chicago com uma liberal chamada, hum, McCloskey.) Esse volume vai tratar da obra The Constitution of Liberty (1960), da depressão, de quando Hayek se deu conta de que poucos estavam ouvindo e sua ascensão ao reconhecimento mundial depois do aceno do Comitê do Prêmio Nobel. Esse comitê gosta de juntar candidatos opostos, em uma piada sueca tipicamente não engraçada, por isso o estimado prêmio foi entregue no mesmo ano a Hayek e ao socialista sueco Gunnar Myrdal.

Em 1960, Friedrich Hayek escreveu um eloquente apêndice à sua grande obra, The Constitution of Liberty (A Constituição da Liberdade), que explica: “Por que não sou conservador”. (O que não impediu a conservadora National Review de colocar o livro no número nove no ranking dos cem melhores livros do século.) Hayek comentou que a direita política quer nos coagir a construir uma versão fantástica de um lindo passado, e a esquerda que nos coagir a construir uma versão fantástica de um futuro paradisíaco. Os liberais não queremos coagir ninguém. E não gostamos de fantasias.

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