BLOG ORLANDO TAMBOSI
Uma nova biografia conta a história do começo da vida e da carreira do economista. Deirdre McCloskey para a revista Oeste:
Muitas
pessoas na esquerda consideram o economista e ganhador do Prêmio Nobel
Friedrich Hayek “conservador”, ou, na melhor das hipóteses,
“neoliberal”. Mas Hayek não foi um conservador. Ele foi um liberal, sem
nada de “neo”. Uma nova biografia, Hayek: a Life,
ainda sem tradução para o português, escrita por Bruce Caldwell e
Hansjörg Klausinger, historiadores do pensamento econômico, conta a
história de suas primeiras cinco décadas de vida, em 824 páginas de
impressionante detalhamento.
Hayek
foi um líder da terceira geração da chamada Escola Austríaca de
Economia. Hoje difundida mundialmente, apesar de ser a visão de uma
minoria, ela de fato teve origem na Áustria. Surgida nos anos 1870, seu
fundador, Carl Menger, desenvolveu e defendeu uma melhoria radical da
economia liberal inglesa de Adam Smith, David Ricardo e J.S. Mill.
Os
oponentes do liberalismo nos tempos de Menger eram devotos de uma
“escola histórica” echt alemã, que admirava os mestres coercivos do
passado e recomendava novas figuras. Nos Estados Unidos, opositores da
economia liberal austríaca eram chamados de institucionalistas — o
objetivo deles era impor instituições, quer você gostasse disso ou não.
Assim como ocorre hoje em dia com neoinstitucionalistas, como Douglass
North, Barry Weingast e Daron Acemoglu.
Em
vez disso, a Escola Austríaca de Menger, Ludwig von Mises, Hayek,
Israel Kirzner, Murray Rothbard e agora Peter Boettke recomenda nos
atermos a boas ordens espontâneas. Elas surgem em toda parte, com
pessoas sem senhor interagindo, digamos, na língua inglesa, na música
alemã, na Wikipedia norte-americana, na amizade holandesa, na culinária
francesa e na economia mundial. Com exceção de países totalitários, como
o que habita os sonhos de Xi Jinping, grande parte da vida ocorre fora
do Estado. Afinal, com que frequência você implementa um contrato nas
cortes estatais?
Então
Hayek e a Escola Austríaca são liberais num mundo moderno que oscila
entre os conceitos fatais de direita e esquerda. Na esquerda, atualmente
Acemoglu, James Robinson e, de forma mais radical, Thomas Piketty e
Mariana Mazzucato recomendam um Estado cada vez maior. Eles prometem que
vai ser bom, você sabe. Na direita, Donald Trump e Vladimir Putin
recomendam um Estado cada vez maior. Eles não fazem nenhuma promessa
sobre ser bom. E vislumbram um Estado do tipo a que Hayek se opôs em
terras russas e depois alemãs, depois de crescer com a polícia austríaca
antissemita e a violência nas ruas da Alemanha de Weimar ali ao lado.
Nós, liberais, estamos distantes do espectro usual e recomendamos, como
fez Hayek, um Estado competente, mas pequeno, liberdade com amor.
O
termo peculiarmente norte-americano para essa visão de mundo é
libertarianism. O uso deixou liberal para os socialdemocratas. Hayek e
eu desaprovamos isso. O verdadeiro liberalismo prefere a ideia estranha e
maravilhosa que surge por um feliz acidente no noroeste da Europa
durante o século 18, de que as antigas hierarquias de marido, senhor e
rei não deveriam continuar. Pessoas comuns deveriam ser tratadas pela
primeira vez como adultas. Esse liberalismo deveria se chamar adultismo.
Em
seu volume biográfico, que cobre o período entre 1899 e 1950, Caldwell e
Klausinger contam tudo sobre a juventude de Hayek que você queria
saber, mas tinha medo de perguntar. De sua infância feliz em Viena e seu
impetuoso serviço como oficial de baixa patente no Exército austríaco
no front italiano, ele frequentou a universidade durante a década de
1920 e então trabalhou como pesquisador com Ludwig von Mises. Hayek
mudou seus comprometimentos com um socialismo sentimental para um
liberalismo intelectual. O mesmo ocorreu com diversos intelectuais
esquerdistas durante o século 20 — Leszek Kołakowski, Robert Nozick,
Thomas Sowell. Eu também, ainda que minha mudança não tenha sido tão
rápida quanto a dele. A velha piada é que, se você não for socialista
aos 16 anos, você não tem coração. Se você ainda for socialista aos 26,
você não tem cérebro.
Hayek
foi parcialmente convertido já aos 23 anos, pela obra de Mises,
publicada em 1922, Die Gemeinwirtschaft: Untersuchungen über den
Sozialismus (Economia Coletivizada, traduzido para o inglês, em 1936,
com o título Socialism: Economical and Sociological Analysis, e, em
2021, para o português como Socialismo — Uma Análise Econômica e
Sociológica). “Eu já tinha me tornado bastante cético [em relação ao
planejamento central]”, ele escreveu, talvez, ao ver os austríacos e os
italianos fazerem de forma totalmente incompetente o que os Estados são
basicamente formados para fazer — travar uma guerra sangrenta. Algumas
pessoas da minha geração extraíram a mesma lição do sangue derramado no
Vietnã. No entanto, assim como eu e muitas outras pessoas, durante muito
tempo, Hayek não conseguiu assumir por completo o que já sabia: “Eu não
teria dito à época — como digo agora — que o socialismo não está nem
meio certo, ele está totalmente errado”.
O
livro da minha própria conversão foi Anarchy, State and Utopia (1974),
de Robert Nozick. Na faculdade, uns 12 anos antes, meu colega de
dormitório Derek e eu, estudantes da teoria keynesiana disponível na
época, ríamos cheios de arrogância de David, nosso outro colega de
dormitório e estudante de engenharia elétrica, por ler Human Action
(1949), de Mises. Relaxando depois de solucionar equações diferenciais
de segunda ordem, ele acendia um cigarro Gauloises sem filtro, recostava
em sua cadeira de escritório e apoiava sua velha edição da Yale Press
nos joelhos. Se, em vez de zombar, eu tivesse lido, teria economizado
pelo menos uma dúzia de anos — na verdade, os 30 e tantos anos que levei
para entender boa parte das contribuições do austríaco para a economia,
em especial em sua teoria de mercados e da descoberta.
Caldwell
e Klausinger passam pelo primeiro casamento malsucedido de Hayek, sua
rejeição do antissemitismo vienense, suas aulas na London School of
Economics na criativa década de 1930 e pela elaboração de The Road to
Serfdom nos anos 1940. Em abril de 1945, a obra foi condensada em um
famoso número da Reader’s Digest, para 5 milhões de assinantes, e
distribuída de graça para milhões de soldados. No agressivo clima
pró-socialismo da época, entre a intelectualidade, o livro acabou com a
alta reputação acadêmica de Hayek naqueles tempos.
Em
1947, ele liderou o primeiro encontro da Sociedade Mont Pelerin, com um
punhado de liberais antissocialistas no auge do socialismo mundial.
Hayek atuou como presidente desse inquietante grupo de discussão de
professores universitários de 1947 até 1961, enquanto fazia a transição
da economia técnica para a filosofia política, em que, por fim sua
reputação foi restaurada — mas esses eventos serão revelados ao leitor
no volume 2.
Esse
tomo, que contará com a coautoria de Klausinger e do brilhante
economista búlgaro de formação alemã Stefan Kolev, terá de navegar em
meio a relatos conflitantes das polêmicas declarações de Hayek sobre o
Chile e suas interações com Augusto Pinochet. (No entanto, os Chicago
Boys, que costumam ser espinafrados injustamente pelos pecados do
ditador chileno, aprenderam teoria de preços na Universidade de Chicago
com uma liberal chamada, hum, McCloskey.) Esse volume vai tratar da obra
The Constitution of Liberty (1960), da depressão, de quando Hayek se
deu conta de que poucos estavam ouvindo e sua ascensão ao reconhecimento
mundial depois do aceno do Comitê do Prêmio Nobel. Esse comitê gosta de
juntar candidatos opostos, em uma piada sueca tipicamente não
engraçada, por isso o estimado prêmio foi entregue no mesmo ano a Hayek e
ao socialista sueco Gunnar Myrdal.
Em
1960, Friedrich Hayek escreveu um eloquente apêndice à sua grande obra,
The Constitution of Liberty (A Constituição da Liberdade), que explica:
“Por que não sou conservador”. (O que não impediu a conservadora
National Review de colocar o livro no número nove no ranking dos cem
melhores livros do século.) Hayek comentou que a direita política quer
nos coagir a construir uma versão fantástica de um lindo passado, e a
esquerda que nos coagir a construir uma versão fantástica de um futuro
paradisíaco. Os liberais não queremos coagir ninguém. E não gostamos de
fantasias.
Postado há 3 hours ago por Orlando Tambosi
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