Obra
vencedora na categoria contos é a estreia de Andrey Jandson na
literatura; livro se destaca pela sensibilidade potente ao abordar
rupturas e transformações emocionais
“Penso
comigo que o martírio aconteceu num lugar sagrado, um lugar onde ainda
havia um jovem que acreditava em anjo da guarda. Mas quando Ele viu
aquele Homem Cachorro nos olhos, soube que o sagrado estava tão mais
perto do ato de sentir do que o de projetar um paraíso. Ele não sabia de
tudo que estava escrito, mas sentiu tudo como uma agulha a lhe
atravessar o espírito - se algum dia eu me ajoelhei e pedi perdão, não
foi por amor”
Trecho do livro
O diretor e escritor piauiense Andrey Jandson lança seu primeiro livro “Beija-Flor de Concreto” ( 180 págs.) , vencedor da categoria conto Tato Literário - 1º Prêmio com.tato de Literatura Independente, promovido pela com.tato.
A obra aborda temas contemporâneos como masculinidade tóxica e
violências do cotidiano por meio de histórias que permeiam o fantástico e
realismo mágico. Cada conto acompanha a jornada de mudanças internas e
transformações emocionais experimentadas pelos personagens ao longo das
histórias.
O
livro é dividido em três partes: Beija-flores, Tetralogia das Aves e
Rios Inundados, contado ao todo com 14 contos. Os enredos diferem entre
si, no entanto, as personagens e elementos descritos parecem habitar um
mesmo universo. Os cenários remetem ao interior, lugares em que o
tempo corre lento e a vida cotidiana é contemplada com mais
profundidade.
Para
o escritor Wesley Barbosa, um dos jurados do prêmio, o talento e estilo
de Andrey puderam ser percebidos nas primeiras linhas de “Beija-flor de concreto”.
“Vários contos são cinematográficos”, elogia. O autor ainda comenta
sobre os elos que o premiado faz ao longo da obra, como no primeiro
conto que converge com o último. “As próprias repetições do livro me
parecem resultado de uma unidade, e alcançar isso em um livro de contos
não é fácil”, pontua Wesley.
O
autor explora as camadas emocionais em cada personagem, em especial nos
homens, contrapondo, inclusive, um dos traços da masculinidade tóxica,
que é, justamente, reprimir e negar as emoções. A jornada dos
protagonistas oferece ao leitor perspectivas sensíveis e ternas da
condição humana e evidencia que para cada ruptura e momentos brutalmente
dolorosos há a possibilidade de redenção.
Esses
arcos narrativos mostram que Andrey buscou sobretudo falar de mudanças.
“No fim, acho que é um livro sobre sobreviver às transformações: sejam
as que vem com a migração de um espaço a outro, àquelas que nos são
impostas de acordo com o nosso gênero social ou àquelas porradas que a
vida simplesmente te dá, te obrigando a crescer.”
O êxtase da escrita
Andrey
Jandson nasceu em Picos, interior do Piauí, mudou-se ainda criança para
Altamira e depois, aos 19 anos, escolheu viver em Belém, ambas cidades
localizadas no Pará. Desde pequeno mostrou vocação para as artes,
criando e desenhando as próprias histórias, músicas e poesias. O talento
com as palavras lhe rendeu uma bicicleta e um notebook ganhos em
concursos de redação quando ainda era estudante. A trajetória seguiu com
a formação em teatro pela Universidade Federal do Pará (UFPA) em 2023.
A
vivência acadêmica na capital paraense lhe proporcionou transitar por
linguagens artísticas diferentes. Atualmente se define como diretor e
roteirista, com seu filme mais recente “Inquilino”, além de pesquisador
do campo da escrita. Na área, investiga uma metodologia denominada
“Poética dos Cristais”, baseada nas fragmentações da vivência do
escritor. A pesquisa faz parte do seu mestrado no Programa de
Pós-Graduação em Artes da UFPA.
O livro “Beija-flor de Concreto” nasce
de uma experimentação na escrita de contos. Andrey relata que se
encontrou no gênero e passou a se dedicar a este tipo de literatura. A
obra demorou oito meses para ficar pronta. “Lembro que era sempre um
êxtase terminar um conto e começar o outro, o inesperado que ele podia
ser”, revela.
O
jovem piauiense, de 26 anos, celebra o lançamento da obra e a decisão
de levar a vocação a sério. “O meu processo de transformação durante a
escrita estava a mil, foi um livro que me deu muita alegria”, declara.
Sobre o Tato Literário - 1º Prêmio com.tato de Literatura Independente
Realizado em 2023, o Tato Literário - 1º Prêmio com.tato de Literatura Independente, promovido pela com.tato,
teve como objetivo viabilizar a publicação e distribuição de obras
inéditas de autores e autoras independentes. Na categoria Conto, o livro
selecionado foi "Beija-flor de concreto", do autor piauiense Andrey Jandson da Silva (@andreyjandson). Já na categoria Poesia, "a duração entre um fósforo e outro", da cearense Zulmira Correia (@zulmiracorreia__)
foi a obra vencedora. Ambos estão sendo publicados pelo selo Tato
Literário, que estreia no mercado editorial com a publicação dos
vencedores do concurso.
A
com.tato é uma agência online que tem como objetivo fortalecer a imagem
de autores, autoras e editoras independentes por meio de uma
comunicação humanizada e autêntica. Criada pela jornalista Karoline
Lopes, a empresa passou a focar somente no mercado literário em 2022.
Conta também com os sócios e jornalistas Marcela Güther e Vincent
Sesering. Acesse: www.comtato.co ou siga no Instagram (@comtatocomunicacao).
Confira um trecho do livro (pág. 66) :
“Ele
percebeu que estava mastigando poeira. Talvez a morte nos leve para um
paraíso parecido com o da infância. Talvez um dia todos nos encontremos
num lugar que seremos como éramos quando crianças. Uma saudade
esmagadora cochichou no seu ouvido. Seu corpo foi tomado por um impulso
de correr. Como se alçasse voo, deixou o fogo ligado, a porta de casa
aberta, cruzou as ruas de concreto até ultrapassá-las e ficar cercado do
verde. Ia em direção à casa da roça a pé, como sempre fez. Bebia a água
que flutuava no ar, vindo em sua direção e molhando-o inteiro. Ventava,
por todo lugar, tanto que ele pensou que a cidade seria arrastada e
restaria só um homem com a natureza. Passava pelas rochas onde o neto em
infância se escondia pra lhe dar sustos, anos atrás quando voltavam da
roça de tardezinha. A casinha da roça parecia diferente, apesar de ser a
mesma de sempre. Ele lembrou de quando era criança ali, naquele mesmo
terreno. Um sorriso brotou de seus lábios numa alegria que o tonteou.
Entrou em casa e sentiu novamente o gosto da poeira, porque era o que
havia contaminado tudo. Cruzou a sala num lento amargor, quando um
borrão azul contaminou sua visão. Armou a rede e deitou-se. A febre que
viria no sono lhe traria um golpe de eternidade. Ao longe um gargalhar
demoníaco ecoava na mata.”
Adquira “Beija-flor de Concreto” pelo site da com.tato:
https://comtato.co/loja-online/
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