por Maria Regina Paiva Duarte
A auditora fiscal e vice-presidente do Instituto Justiça Fiscal questiona propostas de redução de impostos nas eleições sem dizer para quem e como compensar as perdas de receita, falando de forma levianas e oportunista. Ela mostra em dados que é preciso sim reduzir impostos para desonerar os mais pobres e instaurar um sistema tributário progressivo.
Em época de eleição aparecem propostas de redução de impostos, defesa da liberdade, transparência, fim dos privilégios, redução de burocracia. Bastante difícil encontrar alguém que não defenda estas causas. Todos querem redução de impostos. O que não fica dito é quem vai ter seus impostos diminuídos!
No Brasil, a taxação sobre os mais pobres é proporcionalmente mais alta que sobre os mais ricos. A carga tributária indireta sobre a renda total dos 10% mais pobres é de 23,4%, enquanto a dos 10% mais ricos é de 8,6%, conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
O imposto sobre consumo representa 59,20% da arrecadação total, enquanto sobre o patrimônio é de apenas 5,11%, considerando IPTU, ITR e IPVA. O imposto sobre a renda, tanto do trabalhador quanto do capital, representa 31,60%. O que se arrecada tributando o capital é inferior ao que se arrecada nas rendas do trabalho.
Esse tipo de arrecadação, sobre o consumo, é muito mais impactante nas pessoas com menor renda, que gastam praticamente tudo que ganham no consumo de bens de subsistência, como alimentação, transporte e vestuário. Com isso, pagam muito mais do que os mais ricos e não conseguem acumular renda, muito menos patrimônio e riqueza.
Assim, não há dúvidas de que se faz necessário diminuir os tributos sobre consumo para minimizar o peso nas camadas de renda menor.
Mantendo a carga tributária como está, e essa foi uma das premissas da recente reforma aprovada, a forma mais lógica de diminuir esses tributos seria aumentar tributos sobre renda, patrimônio, heranças e doações.
Porém, para isso teríamos que fazer a reforma da renda, depois a do consumo. Mas, no Brasil, vimos o movimento contrário!
A recente reforma da tributação sobre o consumo, aprovada em dezembro de 2023 em fase de regulamentação no Senado, tem pontos interessantes a analisar.
A proposta inicial era de ter o mínimo possível de alíquotas e um tratamento o mais linear possível. Mas foram criados vários regimes diferenciados e regras especiais para alguns setores e se perdeu a ideia de uma alíquota única de referência. Cada redução de alíquota em algum produto, operação ou setor terá que ser compensada com aumento de alíquota em algum outro produto, operação ou setor, pois está vetado comprometer ou diminuir receita.
Outro objetivo era substituir cinco tributos por um. Mas, para viabilizar politicamente a tramitação da proposta, optou-se pelo modelo dual, de forma que estados e municípios tivessem mais autonomia. Com o protagonismo da União, entretanto, fica a dúvida se realmente a autonomia dos entes subnacionais será preservada.
Ainda que a reforma prometa simplificar, haverá um longo período de transição e adaptação. O crescimento econômico estimado, se ocorrer, será em dez ou quinze anos e ainda dependerá de muitos fatores, não só dos tributos.
Alguns reflexos poderão ser percebidos nas administrações tributárias, em virtude da agilização na recuperação de créditos, que deverá ser bastante rápida. A fiscalização ficará comprometida por essa aceleração ou, no mínimo, dificultada. Todos os sistemas tributários possuem complexidades, demanda tempo de análise e ação do fisco para exercer suas funções. A arrecadação, enfim, será a desejada?
É bem provável que novos conflitos se instalem com as novidades e diferentes conceitos surgidos com a reforma. Vai acabar a guerra fiscal com cobrança no destino? Como estados produtores serão compensados pela perda de receita? O que vimos nos últimos anos foi que Estados e Municípios não foram compensados adequadamente pela União, longe disso.
O que dizer da defesa do fim dos privilégios que aparecem nas campanhas eleitorais? Quais seriam? Em 2023, o rendimento médio mensal por pessoa foi de R$ 1.848,00 (IBGE). O 1% da população com maior rendimento domiciliar possui quase 40 vezes o rendimento dos 40% da população de menor renda. Embora o desemprego tenha diminuído e os índices econômicos estejam apresentando bom desempenho, a desigualdade ainda é alarmante.
Em 2021, o total de lucros e dividendos declarados no Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) superou os R$ 555 bilhões e essa fatia pertence ao 1% mais rico da população. No entanto, esse dado não revela a discrepância que está no 0,01% da população nacional, que tem 95% de suas rendas não tributadas ou subtributadas. São 2.342 pessoas cuja renda média anula varia de R$ 20 milhões a R$ 22 bilhões.
A renda dos super-ricos, que integram esse 0,01% da população, cresceu em ritmo três vezes maior que a média dos 95% dos brasileiros e brasileiras. Os super-ricos declararam ter renda média mensal de R$ 2,1 milhões, um crescimento de 96% em relação a 2017. Em contrapartida, 142 milhões de pessoas ganhavam em média R$ 2,3 mil em 2022, crescendo apenas 33%, o que significa um terço da elevação da rendados mais ricos.
E o detalhe é que o rendimento dos mais ricos se elevou principalmente nas rendas isentas ou de baixa tributação, especialmente nos lucros e dividendos distribuídos, com tributação inexistente, sendo que o 0,01% aumentaram seus ganhos em 119%, considerando o período de cinco anos.
Um destaque precisa ser feito, ainda com base na nota técnica divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV): o ganho com atividade rural cresceu 248% entre 2017 e 2022, sendo que dos R$ 147 bilhões provenientes da atividade rural, mais de 66% foram isentos de tributação e 42% foi para as mãos desse 0,01% mais rico da população. A acumulação, portanto, se torna muito mais fácil, aumentando ainda mais a concentração de renda e riqueza e a desigualdade.
Então é preciso definir que tipo de privilégios se quer combater. Esse da tributação das altas rendas e elevados patrimônios é um caso para ser resolvido logo. A reforma da tributação da renda está sendo esperada com muita expectativa: é preciso voltar a tributar os lucros e dividendos distribuídos e aumentar a tributação sobre patrimônio e renda.
Outro grande privilégio é a desoneração da folha de pagamento, onde o Estado abre mão de arrecadar em troca de empregos, renda e crescimento dos setores beneficiados e não se comprova essa contrapartida!
É possível reduzir tributos e há propostas para tal. Antes, porém, é preciso fazer a reforma da renda com profundo acompanhamento pela sociedade desde o momento em que for entregue ao Congresso. E antes mesmo, porque cada vez que se tenta mexer em algum privilégio tributário das camadas de mais alta renda, a turma dos mais ricos, dos que detêm poder econômico, financeiro e midiático começa uma verdadeira guerra contra as medidas.
Dizer que defende a redução de impostos sem dizer de onde virão recursos para compensar a perda no orçamento, portanto, é leviano. Ler um panfleto de propaganda de candidatura com a defesa da redução de impostos e fim de privilégios é tentador. Mas é preciso refletir bem antes de votar em propostas proselitistas e inconsequentes.
*Auditora fiscal aposentada e vice-presidente do IJF
Foto1: Arquivo pessoal
Foto2: Apu Gomes
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