João Gianesi Netto*
A
catástrofe climática que assolou o território gaúcho, talvez a mais
grave do Brasil em todos os tempos, se considerarmos as vidas perdidas,
as pessoas feridas, o grande número de cidades submersas e os prejuízos
materiais e econômicos, não deixa dúvidas quanto às reais consequências
das mudanças climáticas. Em 2023, já havíamos sentido seus efeitos nos
temporais incomuns que atingiram o Litoral Norte de São Paulo,
provocando mortes e grandes estragos.
Prevenir
enchentes de grandes proporções, com obras de engenharia para desviar
cursos de água, como se aventa agora com a possibilidade de um canal
para dar vazão à Lagoa dos Patos, é pertinente e necessário, mas não é
uma solução plena para as ameaças da natureza, que sempre encontra
caminhos e formas de reagir às agressões do setor humano. Conter o
aquecimento global é a medida decisiva para evitar a repetição de
episódios de grandes proporções, como inundações, secas prolongadas,
como na Região Norte do Brasil, no Amazonas, deslizamentos de encostas
em áreas montanhosas, derretimento de geleiras, como já está
acontecendo, e maior incidência de tufões, dentre outras ocorrências. A
Terra, febril, terá cada vez mais convulsões se não tratarmos dela.
Todos
precisam fazer sua parte nessa missão fundamental da humanidade. Uma
das frentes mais importantes nesse processo diz respeito à gestão
adequada dos resíduos sólidos, que são fontes menores de emissão de
gases de efeito estufa. Infelizmente, o Brasil está atrasado nesse
objetivo, apesar das boas leis já editadas para pôr fim ao problema. O
Censo de 2022 do IBGE revelou que 18,4 milhões de pessoas residem em
áreas sem serviços de coleta de lixo, tendo de queimá-lo, despejá-lo em
terrenos baldios e locais públicos ou enterrá-lo nos próprios imóveis e,
portanto, dispondo inadequadamente os resíduos sólidos.
É
uma ameaça à saúde. Em várias cidades, os resíduos sólidos, geridos de
modo equivocado, representam 10% das emissões de carbono. Os municípios
nos quais esses problemas ocorrem, somando-se às causas das mudanças
climáticas, são aqueles nos quais persistem os lixões, depósitos a
céu aberto, disseminadores de doenças, como a dengue, cuja epidemia é
grave este ano, contaminadores do solo e mananciais hídricos, caldos de
cultura para a proliferação de mosquitos e roedores, fontes de odores e
causa de muito desconforto humano.
Somando as localidades sem coleta, apontadas pelo IBGE, com as cidades nas quais os resíduos recolhidos vão para lixões
ou os chamados aterros controlados, também inadequados, o número de
brasileiros expostos à ameaça ambiental atrelada à gestão equivocada dos
resíduos urbanos passa de 70 milhões de habitantes, conforme é possível
aquilatar por meio do cruzamento de dados de entidades do setor.
O
Rio Grande do Sul, ironicamente, é um dos estados nos quais a gestão
dos resíduos sólidos é mais avançada. Segundo o Sistema Nacional de
Informações sobre Saneamento (SINIS), vinculado ao Ministério das
Cidades, 92% dos habitantes urbanos são atendidos pela coleta. Porém,
dentre os moradores da zona rural, são apenas 48,38%, e ainda há alguns
poucos lixões. É preciso universalizar o recolhimento, tratamento e a destinação ecologicamente correta em todo o Brasil.
Cabe
aqui abrir parênteses para destacar a providência emergencial
bem-sucedida adotada pela prefeitura de Porto Alegre por ocasião das
enchentes: criação de bolsões de resíduos para separações em áreas
temporárias, evitando contaminações, alastramento de doenças e acidentes
provocados pelos materiais arrastados pelas águas.
Os
meios para atendermos no Brasil à meta de universalizar a coleta,
tratamento e destinação correta dos resíduos sólidos encontram-se no
Novo Marco do Saneamento (Lei 14.026/2020), que instituiu melhores
condições para a gestão correta do lixo, ao estabelecer livre licitação
para a prestação adequada dos serviços, com estímulo a investimentos
privados e criação de empregos. Trata-se do complemento legal perfeito
para que se cumpra a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), 14
anos após a promulgação dessa lei (nº 12.305, de 2 de agosto de 2010),
que havia determinado a extinção dos lixões até 2014.
No
entanto, ocorreu imensa romaria de prefeitos ao Congresso Nacional,
pedindo a postergação das medidas e do cumprimento da legislação.
Tiveram sucesso nessa reivindicação nociva ao planeta. Os prazos
estabelecidos pelo Novo Marco do Saneamento também passaram a ser
descumpridos. Ainda existem cerca de três mil lixões no País e numerosos locais sem coleta de resíduos sólidos.
Obviamente, esse problema não é o grande responsável pelo aquecimento global, mas se soma a outros fatores muito fortes, como a destruição de florestas, a queima de combustíveis fósseis, exploração descontrolada de recursos minerais e hídricos e práticas produtivas não sustentáveis e desprovidas de cuidados ambientais. Porém, precisa ser solucionado, assim como todas as demais causas, no contexto do grande e vital desafio da humanidade referente à agenda do clima.
*João Gianesi Netto é o presidente do instituto Valoriza Resíduos by ablp.
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