A
exposição caminha em consonância com a campanha lançada pelo Governo
Federal, via Ministério dos Povos Indígenas no ano passado em função da
celebração do Dia 19 de abril que agora é denominado Dia dos Povos
Indígenas. “Dois Indígenas da Amazônia – Vida e Arte” portanto, possui
um slogan complementar “Nunca Mais um Brasil sem Nós”, tema da campanha
nacional que propõe dar visibilidade à luta dos povos indígenas que
resistem e existem o Brasil, preservando suas 274 línguas faladas. A
campanha celebra a força da ancestralidade, que persiste, luta e existe.
imagens press-kit: Link
Um
recorte da produção dos artistas visuais indígenas amazonenses Duhigó
e Dhiani Pa’saro entra em cartaz em nova exposição em São Paulo. A Caixa
Cultural apresenta Dois Indígenas da Amazônia – Vida e Arte, mostra com
obras reunidas de parte da coleção pertencente à ‘Associação de
Educação do Homem de Amanhã do Brasil – HABRA’, organização não
governamental dedicada a projetos de proteção social, educação, direitos
humanos e cultura. O acervo perfaz um compêndio de referências
históricas produzidas pelos dois artistas e reforça as relações entre os
trabalhos e a preservação do patrimônio cultural material e imaterial
dos povos Tukano e Wanano do Amazonas. “Eu pinto o que não existe mais, e
isto é muito importante para o meu povo. Quando Duhigó fechar os olhos,
a minha arte contará minha história e dos Tukano”, declara a artista
premiada em 2023 como Mestra das Artes Visuais pela Funarte e Ministério
da Cultura, Governo Federal.
Dhiani
Pa’saro do povo Wanano, produz quadros em marchetaria e pintura e tem
como base de inspiração a técnica ancestral de fazer trançados com
fibras e cipós da Floresta amazônica. "Com a marchetaria, eu trago os
trançados feitos pelos meus antepassados", afirma Pa’saro. Os dois
artistas estiveram em 2023/2024 participando da exposição temática "Histórias Indígenas", no Masp,
Museu de Arte de São Paulo e possuem obras nos acervos permanente,
tanto do Masp, quanto da Pinacoteca do Estado de São Paulo (Pina).
“Dois
Indígenas da Amazônia - “Nunca mais um Brasil sem Nós” tem curadoria de
Nei Vargas e busca questionar uma sociedade muitas vezes moldada por
perspectivas e narrativas eurocêntricas e desafiar a distância e o
apagamento cultural vividos pelos povos originários brasileiros, com
destaque especial para estes artistas indígenas que vivem na Amazônia.
Texto curatorial
Ritualística,
mitologia, cosmogonia, cosmologia, memória, herança e sacralidade. O
extenso conjunto de atribuições ao corpo de trabalho desenvolvido por
Duhigó e Dhiani Pa’saro está regido pelo signo da ancestralidade. As
obras reunidas na exposição “Dois Artistas da Amazônia - Vida e Arte”
compõem a Coleção Associação de Educação do Homem de Amanhã do Brasil -
HABRA, Organização Não Governamental dedicada a projetos de proteção
social, educação, direitos humanos e cultura. O acervo perfaz um
compêndio de referências históricas produzidas pelos dois artistas,
concentrando da excelência artística ao acesso a um poderoso
conhecimento longevo e ainda pouco visto.
Originários
dos povos que compõem as unidades do sistema social indígena que vivem
às margens do Rio Uaupés e seus afluentes como o Rio Tiquié, Papuri,
Querari e outros que compõem a região do Alto Rio Negro, a descendência
destes artistas deita suas raízes na região da Colômbia e do Noroeste da
Amazônia brasileira, mais precisamente no município fronteiriço de São
Gabriel da Cachoeira. Seus mitos de origem e regime de comunicação são
transmitidos por meio da família linguística tukano oriental, composto
por um grupo com mais de dez povos, entre os quais os Tukano, do Povo
Yepá Mahsã representados pela Duhigó, e os Wanano, ao qual pertence
Dhiani Pa’saro.
O
cruzamento da história de vida de cada um deles já possuía sólidas
bases nas suas ancestralidades, mas adensou com novos capítulos no
encontro ocorrido no Instituto Dirson Costa de Arte e Cultura da
Amazônia (IDC). Ali iniciava um outro caminho em que as artes visuais
teceriam vínculos ainda mais estreitos rumo a camadas de projeção e
reconhecimento mais amplos. Voltada ao ensino de História da Arte,
Pintura e Marchetaria, o projeto da Escola de Artes do IDC foi
instituído para oferecer novas oportunidades profissionais à população
de indígenas que vivem em Manaus.
Seus
estudos permitiram que Duhigó e Dhiani erguessem arcabouços conceituais
tomando como fundamento uma visualidade escavada na memória. As
experiências na aldeia, no princípio de suas vidas, são trazidas para
seus trabalhos artísticos a fim de revelar elementos culturais e
preencher lacunas na construção de um projeto de país mais diverso e
justo.
Duhigó
está interessada nas cenas do cotidiano do seu povo, tanto que compôs
uma série de pinturas e gravuras em que a maloca se configura como
elemento central, disparador de todo tipo de relação social. Nesta
exposição, há um recorte de seu trabalho com gravuras, pinturas de
muiraquitãs, máscaras ritualísticas e cocares dos seus ancestrais e
outros povos amigos dos Tukano. Vale o destaque para sua grande obra
presente o acervo do MASP que trata de uma parturiente sentada na rede,
mostrando a complexa ritualística do parto, na obra “Nepũ Arquepũ”.
Máscaras ritualísticas também dançam a dança de seus ancestrais, como a
Máscara de Ritual presente no acerco da Pinacoteca do Estado de São
Paulo (Pina).
Os
seres que estruturam a mitologia Tukano perfazem outro grupo de
investigação, colocando em evidência deusas e deuses responsáveis pela
criação do mundo, da natureza e da vida humana. Ainda, as indumentárias
presentes na rotina ou nos ritos de passagem, como as máscaras que tanto
servem para o uso em cerimônias celebrativas quanto podem aparecer nas
vestimentas funerárias. Por fim, os ouriços de onde se extraí a
Castanha-do-pará servem de suporte para uma infinidade de grafismos e
dão sentido artístico a um elemento da natureza comumente descartado.
Dhiani
vai na mesma toada ao retratar o universo que constituiu seu povo
Wanano. Exímio pintor, o artista se destaca também nas sofisticadas
marchetarias elaboradas com apuro técnico raramente encontrado neste
tipo de meio. Dhiani Pa’saro é o mais importante marcheteiro da
contemporaneidade amazônica, não sendo equivocado estender o título a um
dos grandes mestres do país. A riqueza dos trançados feitos com uma
diversidade de fibras naturais que marcam a cultura de seu povo,
aparecem quando ele elabora na tessitura de inúmeras peças de madeiras
seu repertório visual.
Dhiani
traduz por meio de suas marchetarias animais geometrizados do
ecossistema amazônida, solicitando uma observação atenta para fazer
surgir bichos preguiça, besouros, peixes e borboletas. Além disso, os
grafismos são encontrados nas cestarias que armazenam alimentos, como os
balaios onde se guarda a mandioca ou as peneiras usadas para comida,
como na obra “Suophoka”, que compõe o acervo do MASP e a obra “Arara
Azul”, presente no acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Nesta
exposição, o visitante terá uma apurada seleção destas marchetarias já
consagradas. Aparece ainda uma lança que carrega um chocalho, usada pelo
cacique da aldeia, como símbolo de respeito para saudar caciques de
outras malocas.
Aos
povos nativos deste vasto país continental coube elaborar estruturas de
resistência para que pudessem manter suas vidas e seus legados. Duhigó e
Dhiani Pa’saro avançam neste sentido ao incorporarem a arte como forma
de existência. Por meio dela, criaram um rico e elucidativo compendio
que ilustra os elementos da sua ancestralidade, sem o qual seria muito
mais difícil obter acesso e compreensão de como são seus modos de ser e
estar no mundo. Ela e ele são mais que artistas, são guardiões de suas
culturas. Suas vidas vão perdurar por meio da arte.
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