“A imagem da garrafa de vinho em cima da
mesa dele não desgrudava dos olhos da
dançarina. O bilhetinho seria inevitável, mas
hoje ela ansiava por esse momento. Era sua
oportunidade. Tentou evitar o encontro com
seus olhos, com medo de que eles a traíssem.”
Trecho do conto “Saiote de Tule” (pág. 90)
Após
participar de antologias com outros escritores ao longo de sua
carreira, a pesquisadora e escritora paulistana Ana Helena Reis (@pinceldecronica) lança o primeiro livro solo, chamado “Conto ou não conto?”
(Editora Paraquedas, 124 págs.). A obra pauta a observação do cotidiano
ao longo de 34 contos que mergulham em reflexões acerca de relações
afetivas, dilemas sociais e conflitos interiores. Adotando hibridez nos
formatos e temas ao longo da obra, a autora intercala assuntos leves,
por vezes nostálgicos, com outros mais profundos e densos, buscando
equilíbrio e fluidez na obra, que perpassa assuntos como o medo, a
indignação, o preconceito, o amor, o envelhecimento, a intolerância e as
desigualdades.
O
livro será lançado no dia 9 de abril, às 19h, na Livraria da Travessa
do Shopping Villalobos (Av. Dra. Ruth Cardoso, 4777, segundo piso),
localizado no Jardim Universidade Pinheiro, em São Paulo, capital.
O
livro é uma coletânea de contos variados, que tem como fio condutor o
olhar da autora para situações cotidianas que podem despertar memórias
afetivas e reflexões. “De uma forma às vezes irônica e divertida, outras
vezes dramática ou surpreendente, minha ideia é despertar o leitor para
os conflitos interiores que enfrentamos”, explica. “Escolhi esses temas
porque creio que eles fazem parte dos nossos questionamentos, nossos
sentimentos muitas vezes inconfessos.”
A
escrita de Ana Helena tem como principal característica a fluidez do
texto. A autora busca uma linguagem pouco rebuscada, “com um toque de
ironia que imprime leveza ao texto, mesmo quando o tema é, por si só,
mais dramático”. “Gosto de narrativas que deixam em suspenso a resolução
da trama, que às vezes se revela ao final, às vezes fica subentendida,
para a interpretação do leitor”, evidencia.
A
abertura da coletânea com o conto "Medo da Chuva" (pág. 12 e 13) faz
com que o leitor entre em contato com o lado mais inocente de sua
criança interior, e seja surpreendido ao se deparar com os contos
seguintes. Em
uma conversa entre mãe e filha, a garotinha tenta convencer a mãe a
deixá-la brincar na chuva, com argumentos em uma linguagem que
transparece a essência sonhadora infantil, transportando o leitor para
uma época da vida mais inocente e nostálgica.
Ao
adentrar, porém, no segundo conto, “Casamento de risco” (pág. 13 a 17),
a atmosfera é modificada. Logo de início a personagem principal,
Olívia, encontra-se em uma sessão de terapia tentando descobrir o que
aconteceu com sua mãe no passado e o porquê de não conseguir se entregar
por completo ao marido. Ao longo da narrativa, vão sendo apresentados
dilemas e flashes de memórias da paciente criando, assim, um
quebra-cabeças que prende o leitor até sua resolução.
Nas
páginas seguintes, o leitor passa a se deparar com contos em diferentes
vozes narrativas. “Maria, que merece viver e amar…” (pág. 38 a 41),
escrito em formato epistolar, reflete sobre a violência contra a
mulher. Já no conto que nomeia o livro, “Conto ou não conto?” (pág. 42 e
43), a escritora adota um fluxo de consciência para evidenciar o dilema
da narradora sobre a decisão de dar ou não uma importante notícia que
poderá abalar sua família. Destaca-se ainda o conto “Arrimo de Família"
(pág. 44 e 45), escrito em versos rimados, narrado a partir da
perspectiva de um cão de rua.
Escrever literatura: um ofício inesperado
Pesquisadora
do comportamento humano. Investigadora de si mesma. Escritora do
cotidiano. Ilustradora de devaneios. É como se define Ana Helena Reis,
que, aos 73 anos, conta com uma carreira profissional consagrada:
formada em administração de empresas pela EAESP/FGV e mestre pela
FEA/USP, é empresária, já publicou diversos livros acadêmicos, papers e
trabalhos de pesquisa. Também conta com uma extensa vida acadêmica,
tendo sido professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC) na Faculdade de Economia e Administração durante 15 anos.
Sua
área de especialidade em pesquisa é comportamento do consumidor - a
observação, investigação e análise do comportamento das pessoas sempre
foi um fascínio. “O próprio objeto do meu trabalho me proporcionou a
oportunidade de desenvolver a escrita criativa - que inicialmente era um
hobby e foi se tornando cada vez mais uma atividade paralela”, conta.
“A pandemia foi providencial para que eu migrasse totalmente da escrita
profissional para a literária, desde então minha atividade principal.”
Embora
escreva desde sempre, vide seus “diários infindáveis” da adolescência,
começou a dedicar-se com mais afinco à literatura em 2019, quando passou
a publicar contos, crônicas e resenhas no blog Pincel de Crônica.
Foi esse blog, cujo nome faz referência à pintura, sua outra paixão,
que deu substância para a criação do livro, também influenciado por
autores que consome: cronistas e contistas como Rubem Braga, Carlos
Drummond de Andrade, Caio Fernando Abreu, Clarice Lispector e Luís
Fernando Veríssimo; e, de forma mais ampla, Saramago e García Marquez.
“A
escrita de contos está sendo muito transformadora para mim. Criar
personagens e situações de ficção é como uma catarse de tudo o que foi
sendo acumulado nas minhas lembranças afetivas, porque o escritor, mesmo
quando trabalha com a ficção, está colocando uma parte de si naquele
texto. Isso acredito que é muito libertador e fez fluir muitos guardados
da minha caixa de pandora.”
Confira um trecho do livro do conto “Surprise!”:
“E
assim foi em frente, até que todas as sugestões foram descartadas.
Pensou com suas teclas: “Alguma coisa está errada com os algoritmos
deste site... Ou fui eu que errei na hora de descrever minha mulher
ideal?”. Releu as informações incluídas, não viu nada de errado.
Certamente, o conjunto da obra tinha alguma coisa dissonante. Seria um
problema com seu próprio perfil? Por isso não atraía a mulher ideal?
Pensou,
ponderou e decidiu tentar uma pequena alteração para ver se teria mais
sucesso. Mas o que poderia mudar, já que, a princípio, tudo o que estava
ali parecia essencial?”
Adquira “Conto ou Não Conto”, de Ana Helena Reis, disponível no site da editora Paraquedas: https://www.lojadaclara.com.br/marca/Paraquedas.html
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