Renata Galf
Folha
As decisões do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes divulgadas por uma comissão do Congresso dos EUA reforçam a discussão sobre os parâmetros legais para um juiz bloquear perfis em redes sociais. Atualmente, não há nas leis brasileiras regras e critérios a respeito da suspensão de contas nas plataformas.
No mundo jurídico, há divergência entre uma visão que alega ser necessário haver uma permissão explícita na lei para esse tipo de restrição e outra que defende a possibilidade de maior subjetividade nas decisões. No mundo político, parlamentares aliados de Jair Bolsonaro (PL), principais alvos desses bloqueios, tratam a medida como censura prévia. Já na esquerda predomina a avaliação de que as decisões se justificam frente às ameaças ao Estado democrático de Direito.
CONTROVÉRSIAS – O tema ganhou tração na direita nas últimas semanas, a partir de postagens do empresário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), que chegou a questionar Moraes quanto ao porquê de “tanta censura no Brasil” e defendeu o impeachment do ministro.
Ele disse inclusive que descumpriria decisões judiciais brasileiras, que publicaria tudo o que é exigido pelo ministro e “como essas solicitações violam a legislação brasileira”.
Após a divulgação do relatório baseado em despachos fornecidos pelo X, Musk afirmou em sua rede que “a lei quebrou a lei”. No documento, há ordens que partiram tanto do STF, em inquéritos e petições criminais, quanto do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
PGR QUESTIONOU – No caso dos bloqueios por desinformação eleitoral, o TSE aprovou resolução prevendo a suspensão temporária de perfis em caso de “publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral”. Questionada pela PGR (Procuradoria-Geral da República), à época sob Augusto Aras, a regra foi validada pelo plenário do STF no final de 2023.
Existe, entretanto, um debate sobre a amplitude das resoluções aprovadas pela corte eleitoral. Isso porque, em tese, ela estaria limitada a regulamentar e detalhar o que está na lei. Mas, diante da inação do Legislativo em criar regras para lidar com os novos desafios impostos às eleições pelas dinâmicas virtuais, o TSE vem ocupando esse espaço.
Uma segunda camada de discussão é quanto a quais critérios precisariam estar presentes para justificar não a remoção de posts específicos que teriam infringido a lei, mas a suspensão completa de um perfil. Hoje não há parâmetros legais para fazer esta avaliação, seja quanto à gravidade, reiteração ou prazo para a restrição.
MEDIDAS CAUTELARES – O Código de Processo Penal prevê as chamadas medidas cautelares diferentes da prisão. Entre elas estão o uso de tornozeleira eletrônica, comparecimento periódico em juízo, suspensão do exercício de função pública, proibição de acesso a determinados lugares para evitar o risco de novas infrações e proibição de manter contato com pessoas determinadas.
A professora de direito penal da FGV e advogada Raquel Scalcon explica que há quem entenda, como ela, que a lista prevista na lei é fechada, não sendo possível ao juiz aplicar alguma outra restrição. Essa linha tem como premissa que no processo penal não há um poder geral de cautela para o juiz.
De outro lado, há quem avalie que ela é apenas exemplificativa. Neste último caso, um argumento é o de que seria melhor para o réu ter a possibilidade de sofrer uma medida alternativa, ainda que não prevista, do que uma prisão preventiva.
APLICAÇÃO DO SIGILO – Outro aspecto em debate no caso das decisões de bloqueios por Moraes é a frequente aplicação de sigilo, dificultando um escrutínio público sobre a motivação das ordens.
Em nota nesta quinta (18), a assessoria de imprensa do STF afirmou que os documentos reproduzidos no relatório da comissão parlamentar norte-americana não tratam “das decisões fundamentadas que determinaram a retirada de conteúdos ou perfis, mas sim dos ofícios enviados às plataformas para cumprimento da decisão”.
“Fazendo uma comparação, para compreensão de todos, é como se tivessem divulgado o mandado de prisão (e não a decisão que fundamentou a prisão) ou o ofício para cumprimento do bloqueio de uma conta (e não a decisão que fundamentou o bloqueio)”, disse o tribunal.
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