Se qualquer filme não-de-esquerda pode render muito dinheiro, por que filmes assim não são feitos às dúzias? Esta crônica desvenda o mistério. Alexandre Soares Silva para a revista Crusoé:
Vou dizer algumas verdades, para quebrar a rotina, talvez:
1) A maior parte das pessoas do mundo, se não são de direita nem conservadores, pelo menos não são de esquerda.
2) O Brasil não é diferente nisso; pelo contrário, tem uma maioria mais conservadora que, sei lá eu, a Suíça.
3)
Excetuando-se algumas almas secas, as pessoas precisam de histórias e
procuram histórias, seja sob a forma de filmes, ou de séries, romances,
quadrinhos etc.
4)
Atender à demanda por histórias desse público gigantesco de pessoas
vagamente conservadoras (ou não-de-esquerda) seria gigantescamente
lucrativo.
5)
As grandes empresas, os grandes empresários e os executivos das grandes
empresas que vendem filmes, séries, romances, quadrinhos etc. são
descritos como capitalistas monstruosamente gananciosos, que colocam o
lucro acima de tudo.
6)
Atualmente a proporção de filmes, séries de tevê, romances, quadrinhos
etc. que não são estridentemente de esquerda é muito pequena.
Essas
são as Seis Verdades Irreconciliáveis que desci da montanha para
proclamar. Como elas podem ser verdadeiras, todas ao mesmo tempo? Ao
final do artigo reconciliarei essas verdades.
Falo
disso por causa de dois filmes recentes, ambos conservadores, ou
não-de-esquerda, e ambos muito bem-sucedidos: Nefarious e Som da
Liberdade (foto), que estreou este final de semana nos cinemas.
Filmes
não-de-esquerda são um gênero de filme, como horror, comédia, filme de
roubo, filme de doença terminal etc. Houve uma época em que quase todo
filme era não-de-esquerda, mas nos últimos dez anos esse é um gênero que
praticamente desapareceu. É capaz que de 2013 para cá tenham sido
feitos mais filmes musicais que filmes não-de-esquerda. De vez em quando
um amigo recomenda um filme para mim com as palavras “não sei como foi
feito”, ou “não sei como deixaram passar”. Mas é algo bastante raro, e
esses dois filmes furaram o bloqueio de alguma maneira.
Nefarious
é um filme razoavelmente bem-feito de possessão demoníaca; tem lá os
seus defeitos e não é muito sutil, digamos, com discursos e lições de
moral ditas nas fuças do espectador. Se você concorda com as lições de
moral, talvez goste, porque temos tão poucas chances de ouvir essas
coisas no cinema; se não gosta, não vai ver dez minutos do filme, que é
como eu me sinto vendo noventa por cento da programação atualmente na
Netflix.
Som
da Liberdade, sobre policiais que lutam contra pedofilia, confesso que
só vi uns minutos. É um pouco pesado demais para mim. Honestamente,
prefiro ver Cantando na Chuva pela oitava vez. Mas o ponto é que o filme
é um sucesso de público e um fracasso de crítica. Tanto o Washington
Post quanto a Bloomberg contrataram um pedófilo para fazer a crítica do
filme (“ativista de pedofilia”, perdão). O Estado de S. Paulo relata um
pouco enojado que, no Brasil, o filme lotou de policiais e evangélicos.
Como
a esquerda decide defender tudo que os evangélicos odeiam, e os
evangélicos parecem odiar a pedofilia, a esquerda, bom, não digo que ame
a pedofilia, assim com todas as letras, mas parecem insinuar o tempo
todo que detestar muito a pedofilia é um pouco brega, um pouco
esquisito, um pouco declassé.
Um
dos consolos dos anos e anos de derrota cultural que tivemos contra a
esquerda é que, meio por acaso até, nós os não-de-esquerda os colocamos
na posição grotesca de ter que parecer não se importarem muito com a
pedofilia.
Compare
a insistência com que a esquerda repete que “pedofilia é doença” e a
indignação com que eles tratam casos de homens mais velhos que têm
relacionamentos com mulheres de vinte, ou até de trinta. O esquerdista
moderno é alguém que parece ficar mais indignado, pelo menos em termos
de manifestação pública, com um homem de trinta que faz sexo com uma
garota de vinte do que com um homem de trinta que faz sexo com uma
garota de dez. É uma armadilha que eles criaram para si mesmos; não
somos, nós não-de-esquerda, espertos o suficiente para ter criado essa
armadilha para eles.
Esses
dois filmes demonstram o que já era óbvio: qualquer filme
não-de-esquerda pode render muito dinheiro. Imagine um filme brasileiro
que fosse um Tropa de Elite desinibido, que não pedisse desculpas por
existir e não se desdissesse numa continuação. Por que filmes assim não
são feitos às dúzias?
Sobre
as Seis Verdades Irreconciliáveis, é bastante claro que a número 5 não é
factual. Ninguém no mundo inteiro se interessa por dinheiro acima de
qualquer coisa. Não existe essa pessoa. A verdade óbvia é que todos
preferem status a dinheiro. É óbvio até para um executivo de audiovisual
brasileiro que filmes não-de-esquerda dariam dinheiro. E não digo que
eles não querem dinheiro. Querem. Querer, querem. Mas eles querem status
muito mais do que querem dinheiro, e a verdade é que status e dinheiro
não são a mesma coisa.
Querem
que os outros pensem bem deles, que os admirem, que os elogiem, que os
convidem para festas, que não os achem uns direitistas desclassificados.
E por isso rasgam dinheiro. É por isso que capitalistas malvados vêm
rasgando dinheiro há décadas, e vão continuar rasgando dinheiro enquanto
houver dinheiro para ser rasgado e status para ser galgado.
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