O papel aceita tudo, mas isso não nos autoriza a entulhar o texto com pesos mortos que não dizem nada. Ruy Castro para a FSP:
Às
vezes vejo-me envolvido em discussões sobre "escrever bem". Já pensei
no assunto e tenho uma ideia formada: ninguém "escreve bem". Alguns
"reescrevem bem" e, com isso, produzem textos mais enxutos, claros e
eficientes. O segredo está em ler o que se acabou de escrever, enxergar
os excessos, as impropriedades, as palavras ou frases obscuras e
meter-lhes a caneta –português arcaico para "deletar". Donde o mais
exato seria dizer que ninguém escreve bem de primeira. Um ou outro
achado brilhante pode piscar de repente na frase, e é ótimo quando
acontece. Mas, em geral, tudo o que é fácil de ler foi difícil de
escrever e vice-versa.
Reescrever
consiste em expurgar o desnecessário. Se um adjetivo não servir de
alimento ao substantivo a que se acopla, um dos dois está errado. E há
os advérbios de modo que, automaticamente (epa, olha um!), se intrometem
no texto e, geralmente (outro!), podem ser apagados sem prejuízo. Certa
vez, revisei um livro de autor famoso e joguei fora tantos
naturalmentes e principalmentes que dariam para encher um caminhão. O
livro melhorou muito. Tenho para mim que os advérbios de modo estão para
a escrita assim como os sisos para a boca: só servem para ocupar espaço
e produzir cáries.
Reescrever
exige colocar-se no lugar do leitor e perguntar se a informação precisa
de certos anexos. Um deles é o "vale ressaltar que..." —ao qual se
segue a informação que se quer ressaltar. Experimente cortar o "vale
ressaltar" e ir direto à informação. Descobrirá que não perderá nada com
isso.
E,
assim como "vale ressaltar", há o "é bom frisar", "cabe destacar",
"convém assinalar", "cumpre notar", "deve-se salientar", "importa
sublinhar", "é preciso enfatizar", "realçar", "atentar", "caracterizar"
etc. e, claro, "pontuar" (por que não "virgular"?). Pesos mortos,
inúteis.
O papel aceita tudo, como sabemos. Mas muitos leitores não.
Postado há 29th September por Orlando Tambosi
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