Há exemplos de propostas liberais e conservadoras de esquerda, assim como de ativistas intervencionistas de direita. Marcos Coimbra para a FSP:
Redução da desigualdade e retomada do crescimento são temas consensuais nos discursos dos candidatos à Presidência.
Existem controvérsias sobre as políticas que deveriam ser adotadas, mas
elas parecem estar embaralhadas por interpretações divergentes a
respeito de termos corriqueiramente usados no debate.
Dependendo
do interlocutor, direita e esquerda são considerados sinônimos de
projetos autoritários. Liberal pode ser usado para defender a liberdade
de expressão e as escolhas individuais, mas também como manifestação de
uma agenda que traz de contrabando uma maior desigualdade social.
A
redução das políticas de apoio ao setor privado ora é defendida como
uma medida de erradicação dos subsídios e de combate à desigualdade
(interpretada como de esquerda), ora como projeto liberal de redução do
papel do Estado na economia, na contramão do desenvolvimentismo.
Em 2003, a proposta de unificar os programas de transferência de renda e focalizar os recursos nos mais pobres, que resultou no Bolsa Família, foi criticada por economistas autoproclamados de esquerda como uma política liberal.
Muitos
analistas apontam a semelhança das propostas de intervenção do Estado
na economia defendida por economistas de esquerda com o II PND,
implementado pelo governo Geisel durante a ditadura militar. Propostas
que se dizem de esquerda, a exemplo da desoneração de setores
produtivos, como a indústria química, podem reduzir os recursos para
programas sociais.
Proponho
três contrapontos para distinguir adjetivos frequentes no debate atual:
liberal vs. intervencionista; conservador vs. progressista; e esquerda
vs. direita. De forma alguma, pretendo que essas definições sejam as
mais adequadas. Apenas procuro exemplificar como rótulos usuais no
debate público podem acobertar agendas de política pública com
implicações inesperadas.
Liberal vs. intervencionista. Liberal é defender a liberdade de cidadãos ou empresas para fazer suas escolhas, intervencionista é o poder público proclamar o que é melhor para o indivíduo.
Conservador
vs. progressista. Conservador, na tradição de Edmund Burke, é defender
as regras do jogo inclusive para implementar mudanças. Progressistas
argumentam que protocolos podem ser rompidos quando um bem maior está em
questão.
Esquerda vs. direita.
Essa talvez seja a distinção mais difícil. Sigo Norberto Bobbio que
propôs como critério a ênfase no combate à desigualdade. Diante de um
dilema de curto prazo entre maior crescimento econômico ou menor
desigualdade de renda, direita é defender crescimento, esquerda é optar
pela queda da desigualdade.
O
Orçamento do governo federal deve priorizar políticas de seguridade
social ou estimular o investimento público e privado para promover o
crescimento? Pela definição proposta, de um lado está a esquerda, de
outro, a direita.
O programa Bolsa Família
seria liberal, como apontaram diversos economistas de esquerda, pois o
governo transferia renda e a família gastava os recursos recebidos como
achasse mais adequado. Medidas como o vale gás, subsídio para quem
compra botijões, seriam intervencionistas.
Políticas
públicas horizontais para estimular investimentos concorrentes em
inovação tecnológica seriam liberais. Subsídios para fomentar setores
selecionados pelo governo federal, como a indústria naval, seriam
intervencionistas. Ambas são políticas para estimular o crescimento
econômico, mas cabe avaliar o seu resultado relativo. Os instrumentos de
incentivo ao investimento no Brasil adotados na última década foram
bem-sucedidos?
No caso da Lava Jato,
há bons argumentos de que protocolos do Estado de Direito foram
violados. Acreditar que malfeitos foram cometidos não deveria justificar
violar o processo legal, segundo os conservadores. Progressistas, por
outro lado, apontam que o nosso conservadorismo resultou na trágica
lentidão em abolir a escravidão no século 19.
Maior
participação do Estado não significa uma opção pela esquerda ou pela
direita. Nos países emergentes da Ásia, há célebres casos de intervenção
estatal para favorecer o investimento das empresas, porém pouca
política de seguridade social. Esses seriam aspectos de uma agenda de
direita. Vale comparar os gastos sociais do setor público na China e no
Brasil.
Em
alguns casos, a intervenção do governo pode conciliar mais crescimento
econômico e maior igualdade de oportunidades no longo prazo, como ao
garantir o aprendizado dos estudantes no ensino básico.
A
social-democracia europeia defende políticas de redistribuição de
renda, mas também é conservadora (as mudanças devem respeitar as regras
do Estado de Direito). Recentemente, líderes do Partido Republicano nos
EUA defenderam políticas de proteção à indústria local e a invasão do
Capitólio. Quem está à esquerda ou à direita em cada um desses casos?
Economistas
no Brasil, associados à esquerda, propõem desvalorizar a taxa de câmbio
para proteger a indústria local. Essa medida, de eficácia duvidosa,
implica reduzir o salário real. Isso significa privilegiar o crescimento
econômico tendo como contrapartida o aumento da desigualdade de renda.
Não se trata, portanto, de uma proposta à direita?
O uso de rótulos requer cuidado. Melhor ler a bula com atenção.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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