Um doido sozinho é digno de pena. Um aglomerado de doidos organizados é um perigo para as liberdades democráticas, pois se juntam para derrubá-las. Bruna Frascolla via Gazeta do Povo:
Quem
é do meio acadêmico ou literário em algum momento observou alguma ação
de um militante identitário e pensou: “Meu Deus, essa pessoa tem sérios
problemas mentais”. Vou dar um exemplo de anos atrás, que me ficou na
memória como um desses choques iniciais. Uma professora doutora
concursada, de Literatura, poetisa reconhecida, publica um texto em rede
social com uma grave denúncia de racismo: ela entrara no elevador e a
vizinha que estava dentro comentou que ela estava cheirosa. Aí você
pausa e tenta entender como isso é um problema. Pausa, revê os clichês
das lamúrias usuais, dá uma olhada nos comentários para entender o que
vai na cabeça daquela gente. E pronto: dada a existência da expressão
racista “cheiro de preto”, negros complexados entendem que todo mundo
acha que eles têm “cheiro de preto”. Por isso, a única explicação
possível para uma negra ouvir “como você está cheirosa!” é a presunção
de negros serem fedidos.
Por
aí se vê que a vida de alguém assim é triste e paranoide. Pois ela não é
capaz de ouvir palavras gentis e sorrir. Tudo, absolutamente tudo, pode
ter uma explicação malévola. Se a vizinha não falasse nada, seria por
não querer se misturar com pretas, vistas como subalternas. Na verdade,
me pergunto até se ela tem a capacidade de fazer algo por si mesma por
puro bom humor. Umas senhoras podem passar perfumes bons por gostarem do
cheiro; outras podem ser paranoicas com a questão do “cheiro de preto” e
colocar perfume para tentar se defender do mundo. No fim, a defesa
ainda falha, pois nada será capaz de lhe tirar da cabeça a ideia de que o
mundo a despreza. A pessoa seguirá amargurada e, na tentativa vã de
aplacar o próprio sofrimento, irá exigir cabeças e difamar os outros.
Explicação comum não convence
Aqui
o leitor mais compassivo irá dizer algo como: “Pobre vítima! Na certa,
sofreu muito com o racismo e por isso é assim”. Assim, se alguém sofrer
muito com um determinado problema grave, tal como o racismo, esse alguém
será um amargurado. Será?
É
um raciocínio parecido com “Fulano é um bandido por causa da pobreza”,
no qual a pessoa, inadvertidamente, afirma uma relação causal
generalizada para explicar um fato particular, sem querer saber se esse
fato particular é norma ou exceção. Trocando em miúdos, para explicar a
má conduta de um, acaba-se imputando essa má conduta a todos. Ora, se a
maioria dos pobres não é de bandidos, então resta claro e evidente que a
pobreza não é, em si mesma, causa de banditismo. Há bandidos que
nasceram em berço de ouro; há uma montanha de pobres dignos e honestos.
Além
disso, a pobreza tem gradações. Podemos dizer que Fulano e Beltrano são
pobres, mas que Fulano é mais pobre do que Sicrano. Se a pobreza fosse
em si mesma causa de banditismo, seria de esperar que, quanto mais
pobre, mais bandido fosse um indivíduo. Essa é uma correlação muito
questionável, já que o banditismo violento tem custo (fuzil não dá em
árvore). Se fosse assim, seria de esperar que a zona rural nordestina
fosse sempre mais cheia de bandidos violentos do que a cidade do Rio de
Janeiro. Ora, isso foi verdade durante o Cangaço, mas não é mais. Sem
dúvida há mais pobreza num município rural do interior do Piauí. Mas lá
não se encontra nada comparável à guerrilha urbana carioca, com bandidos
disputando bocas a tiro de fuzil.
Assim,
esse tipo de explicação deve enfrentar as mesmas perguntas. É verdade
que todos os que sofreram discriminação se tornam ressentidos paranoicos
e amargurados? Se for verdade, deve haver uma correlação entre maior
discriminação e maior rancor.
Minhas senhoras e meus senhores, tenho insistido que o Holocausto está fora de moda.
Eu me recuso a acreditar que uma professora doutora concursada
reconhecida por suas atividades literárias, nascida no Brasil, mais
particularmente na Bahia, onde não compõe minoria étnica, tenha sofrido
mais discriminação do que judeus europeus sobreviventes do Holocausto.
Se houvesse essa correlação entre sofrer racismo e ser um paranoico
amargurado, Primo Levi jamais levantaria a cabeça, nem conseguiria
escrever com leveza sobre algo tão pesado quanto a rotina num campo de
extermínio. A senhora de Letras não passou por nada que chegue aos pés
disso. Nem ela, nem qualquer identitário brasileiro vivo. Primo Levi,
Paulo Ronai, Viktor Frankl, são vítimas do racismo que passaram por
campos de extermínio e esbanjaram amor à vida depois disso.
Então não, não é possível explicar essa mentalidade amargurada desse jeito.
Psiquiatra na causa
O
psiquiatra forense Lyle Rossiter publicou em 2006 a obra Liberal Mind –
The Psychological Causes of Political Madness, traduzida para o
português como A Mente Esquerdista – As Causas Psicológicas da Loucura
Política (Vide Editorial, 2016). É mal escrito (muito repetitivo) e mal
traduzido (cheio de erros como verter “eventually”, que significa “no
fim das contas”, como “eventualmente”; ou traduzir “age” como “era”
quando cabia “idade”), mas a leitura vale a pena.
A
própria tradução de “liberal” como “esquerdista”, embora seja boa por
motivos culturais, merece discussão. O tradutor deveria pôr uma nota
informando ao leitor da sua escolha e explicando-a. De fato, “liberal”
nos Estados Unidos designa um grupo político que no Brasil chamamos de
esquerda. Trata-se da Nova Esquerda, ou da esquerda progressista e
identitária. Como “liberalismo” no inglês dos Estados Unidos é um termo
ambíguo, Rossiter chama o progressismo de “liberalismo moderno”, por
oposição ao liberalismo clássico, que preza pela descentralização do
poder.
O
autor corrobora essa percepção do senso comum segundo a qual há um
problema sério de saúde mental num militante de causas identitárias. Ele
é um seguidor de Erik Erikson, psicólogo de formação psicanalítica
reconhecido como autoridade no assunto do desenvolvimento psicossocial
do homem. O êxito na educação de uma criança é, para Erikson, a
autonomia. E esta, para Rossiter, é tanto um ideal de criação quanto o
ideal original dos Estados Unidos.
Rossiter
é um observador do cenário cultural do seu país. O fenômeno que clama
por explicação, para ele, é a mudança de valores: o ideal de autonomia,
que moveu os Founding Fathers e seduziu europeus para a imigração, foi
aos poucos substituído pelo ideal de cuidados estatais.
Esta
última concepção é incompatível com o ideal de autonomia. Numa
sociedade que presume cidadãos autônomos, é possível acreditar que as
pessoas, por livre e espontânea vontade, se organizem para cuidar dos
desvalidos. Numa sociedade coletivista, presume-se que as pessoas jamais
fariam o bem por vontade própria e têm que ser coagidas por um Estado
benevolente.
Todo
militante estatista, portanto, é uma pessoa que não acredita na
disposição espontânea dos homens para fazer o bem. Acha que têm de ser
todos coagidos para tal.
Do individual ao social
Por
que os coletivistas pensam desse modo? Como bom herdeiro de Freud,
Rossiter crê que o problema remonte à relação com a mãe. Bebês nascem
completamente indefesos e dependentes da mãe. Eles choram e esperam ser
atendidos. Se não forem atendidos, morrem. Por isso a conexão com a mãe é
um assunto de extrema ansiedade.
Se
nas primeiras fases de desenvolvimento o bebê se sentir rejeitado, isso
afetará sua visão de mundo drasticamente. Um “otimismo fundamental”
marca a vida daquele que foi amado na mais tenra idade, já que ele
aprendeu a confiar. Por outro lado, aqueles que não tiveram essa conexão
bem estabelecida, irão crescer com uma neurose que lhes causa muita
aflição e buscarão por meio da coação a proteção contra o abandono.
Cito Rossiter:
A agenda radical é o produto de uma enorme neurose de transferência levada às arenas econômica, social e política do mundo. Dentro deste drama [peça?] o esquerdista [liberal] radical está protestando contra seu sistema econômico, social e político original, que é sua família de origem, porque a mesma o privou, abusou ou negligenciou. […] Em alguns esquerdistas radicais esta transferência torna-se abertamente paranoica: a desconfiança progride para a suspeição, depois para a convicção de que está sendo vitimizado, e por último para ilusões fixas de perseguição.
Bom,
não sei se é verdadeira, mas esta é uma explicação plausível para
sobreviventes do Holocausto serem mais alegres do que uma professora
negra identitária. Não seria o racismo a causa da sua amargura, mas
deficiências graves no desenvolvimento infantil nunca superadas. Ter uma
boa mãe não impede ninguém de ser capturado pelos nazistas. Impede,
porém, de remoer o racismo sofrido. Por outro lado, não ter tido quem a
amasse na infância faz da pessoa uma amargurada. Se encontrar algum
fator externo para usar como bode expiatório, irá se agarrar a ele e
repisá-lo, para dar sentido ao próprio sofrimento e à própria vida.
Um
doido desses, sozinho, é digno de pena. Um aglomerado de doidos
organizados é um perigo para as liberdades democráticas, pois se juntam
para derrubá-las. E uma vez que consigam tomar o Estado, o problema
tende a aumentar, pois as neuroses progressistas minam a família e
fomentam o surgimento de lares de gente doida em que ninguém vela pelas
crianças. Que vão ser outras doidas, e assim sucessivamente.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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