Paulo Roberto Netto
Estadão
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou nesta sexta, 19, julgamento sobre decreto do presidente Jair Bolsonaro que busca esvaziar o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
A medida foi assinada em 2019 e previa, entre outras mudanças, a destituição de todos os conselheiros, mudança na eleição para os representantes do colegiado e concentração de poderes na mão do governo na tomada de decisões. As alterações foram revertidas por liminar do ministro Luís Roberto Barroso em dezembro de 2019, que viu a possibilidade do órgão se tornar ‘chapa branca’.
RISCO DE ESVAZIAMENTO – O julgamento realizado no plenário virtual da Corte segue até a próxima sexta-feira, dia 26. A ação que questiona o decreto de Bolsonaro foi um dos últimos atos da ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge, que deixou o comando do Ministério Público Federal em setembro de 2019. Na ocasião, a PGR apontou redução do caráter democrático e risco de esvaziamento do Conanda. A Advocacia-Geral da União, que representa o governo, defendeu o decreto e justificou que cabe ao presidente alterar políticas públicas.
Criado em 1991, o Conanda tem entre suas atribuições a elaboração e fiscalização de normas gerais de política nacional para atendimento de crianças e adolescências. O colegiado também é responsável por gerir o Fundo Nacional da Criança e do Adolescente (FNCA).
A mudança promovida por Bolsonaro promoveria a destituição dos conselheiros atuais, a redução do número de representantes do colegiado (de 28 para 18), a vedação à recondução ao cargo e alterações na forma de escolha dos integrantes do conselho.
ALTERAÇÕES – O Conanda é composto por representantes da sociedade civil selecionados por eleições em assembleias específicas. O decreto do governo mudava isso, e previa que a escolha viria por meio de um edital a ser elaborado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandando por Damares Alves. Além disso, o decreto de Bolsonaro também deixaria nas mãos do presidente da República o ato de designar o presidente do Conanda, que hoje é escolhido pelos seus pares em uma eleição interna.
O ministro Luís Roberto Barroso afirmou em voto que as medidas promovidas pelo decreto acabam por conferir ao Executivo o controle da composição e das decisões do Conanda, esvaziando o conselho em sua função de órgão de controle.
“Com base nessas normas, abriu-se caminho para que o Estado estabelecesse requisitos e controlasse os representantes que são ou não elegíveis para o Conselho, com os riscos de um órgão ‘chapa branca’, meramente homologador”, apontou Barroso.
INDEPENDÊNCIA – “Trata-se, portanto, de norma que frustra o comando constitucional que assegurou participação às entidades representativas da sociedade civil na formulação e no controle das políticas públicas para crianças e adolescentes”. Em seu voto, o ministro ressalta a importância de um Conanda independente, frisando que o Brasil apresenta um dos maiores índices do mundo de violência doméstica contra crianças e adolescentes.
“Estamos falhando gravemente com nossas crianças e jovens e, se a situação não se reverter, estaremos comprometendo as novas gerações”, anotou. “Essa é a razão de ser da participação de entidades da sociedade civil na formulação de tais políticas públicas: identificar e tratar amplamente de demandas múltiplas e diversas, que atingem os mais distintos grupos sociais; buscar assegurar a continuidade; e zelar para que sejam políticas de Estado, permanentes, progressivas e responsáveis”.
MANDADOS – A tese fixada por Barroso prevê que sejam mantidos os mandatos dos antigos conselheiros até o final dos seus termos, a eleição de representantes continue a ser feita por assembleias específicas e que o presidente do Conanda seja escolhido pelos seus pares, e não pelo presidente da República. Além disso, o ministro também defende que sejam mantidas as reuniões mensais e os custeios de hospedagem e deslocamento para conselheiros que residem fora do Distrito Federal.
Em relação à redução do número de conselheiros e a impossibilidade de recondução, Barroso aponto que não vislumbrou fragilização da participação da sociedade civil nestes dois pontos específicos.
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