MEDIÇÃO DE TERRA

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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Nelson Rodrigues tinha um encontro marcado com Shakespeare na eternidade da arte

 



Resultado de imagem para nelson rodrigues frasesPedro do Coutto

Quarenta anos depois de sua morte a eternidade da obra de Nelson Rodrigues cada vez mais alcança maior presença no cenário da dramaturgia. Agora, por exemplo, vários romances e peças de sua autoria vão se transformar em nova edição pela Harper Collins, após extensa pesquisa de sua produção.

Nelson Gobbi na edição de O Globo de quarta-feira publicou reportagem sobre a iniciativa. Importante. Tem como base tanto obras literárias quanto peças teatrais.

DESEJO DE NELSON – A editora da Harper Collins disse que a seleção dos textos será feita para atualizá-los em alguns pontos. Lembro que num almoço tradicional de sábado na casa de Marcelo Soares de Moura, eu estava presente com Beline Cunha, Mário Saladini e Salim Simão, com Nelson Rodrigues falando sobre sua obra. Disse que iria deixar em testamento que “tem a mãe na zona o filho da puta que alterar qualquer parte do que eu escrevi”.

Não sei se ele concretizou essa vontade. De qualquer forma deixo registrado neste artigo.

Certa vez, ele escreveu no Globo que Marcelo Soares de Moura, Salim Simão, José Lino Grunewald e eu éramos seus “irmãos íntimos”. Nos encontrávamos sempre no Maracanã. Marcelo, Belini e eu, torcedores do Fluminense. Salim Simão era um exaltado botafoguense.

URUBU DE PÉ – Certa vez no meio da semana em que jogavam Flamengo e Botafogo, Nelson escreveu na coluna ‘À sombra das chuteiras imortais” que Salim lhe dissera que “domingo não ia ficar nem um urubu de pé”. A afirmação foi racista, mas a torcida rubronegra assumiu a cor da pele; levou para o Maracanã um urubu e quando o time entrou em campo a torcida gritou em coro: “É urubu, é urubu, é urubu”, assumindo a raça. Foi um belo episódio contra o racismo.

A obra de Nelson é intensa e extensa, tão impressionista quanto impressionante. Inclusive, para mim, a maior de suas peças é “O vestido de noiva”, de 1941, magistralmente dirigida por Ziembinsky, dividida em três planos. A realidade, o subconsciente e o delírio do desespero de quem sentiu-se alvo da morte. Para mim, é tão importante essa peça quanto o “Cidadão Kane” de Orson Welles. Por coincidência, o teatro e o filme foram produzidos no mesmo ano.

Falei no encontro com Shakespeare. O volume das obras se equivalem. Mas a diferença fundamental é que os personagens de Nelson são pessoas comuns, do povo, do cotidiano e os de Skakespeare eram príncipes, imperadores, generais, caso de Otelo, intelectuais como Romeu e enigmáticos como Hamlet.

UMA PEÇA ASSASSINADA – É um pouco esquecida sua passagem pelo Correio da Manhã onde iniciou suas memórias. Mas Roberto Marinho o levou para O Globo, jornal em que escrevia a coluna À Sombra das Chuteiras Imortais. Nelson orgulhava-se sempre quando dizia que ele era o único autor que quase teve uma peça assassinada. Foi “Perdoa-me por me traíres, no Theatro Municipal, 1956, quando o vereador Wilson Leite Passos sacou o revólver no meio da confusão que começou no primeiro ato da peça.

O passar do tempo mostrou e cada dia está demonstrando que a realidade choca imensamente mais do que a poesia dramática do meu saudoso amigo, autor de tantas obras de arte.

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