POLITICA LIVRE
Israel disparou na frente com a campanha de vacinação contra a Covid-19 mais rápida do mundo, tanto que quase metade de seus habitantes já recebeu pelo menos uma dose do imunizante. Agora, a vacinação acelerada está convertendo o país em um laboratório vivo para determinar as regras de uma sociedade vacinada, levantando questões espinhosas sobre direitos, obrigações e bem social maior.
Nesta semana o gabinete do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu votou pela reabertura de shoppings e museus, desde que sejam observadas regras sobre distanciamento social e uso compulsório de máscaras. Pela primeira vez em muitos meses, academias de ginástica, eventos culturais e esportivos, hotéis e piscinas também vão reabrir, mas apenas para algumas pessoas.
Sob um novo sistema de “crachá verde” que funciona tanto como incentivo quanto como castigo, o governo vai tornar as atividades de lazer acessíveis, a partir deste domingo (21), apenas a pessoas que já foram plenamente vacinadas ou que tiveram Covid-19 e se recuperaram. Duas semanas depois disso, restaurantes, salas de eventos e conferências poderão voltar a operar, seguindo as mesmas regras. Fregueses e participantes terão que apresentar um certificado de vacinação com código QR.
Israel é um dos primeiros países no mundo a lidar em tempo real com uma série de questões legais, morais e éticas, tentando equilibrar os passos para a retomada da vida pública com questões delicadas como segurança pública, discriminação, privacidade e livre escolha.
“Receber a vacina é um dever moral”, disse o ministro da Saúde, Yuli Edelstein. “Faz parte de nossa responsabilidade mútua.” Ele tem um slogan novo: “Quem não se vacinar será deixado para trás”.
A discussão que corre solta em Israel também é vista em outras partes do mundo, com planos para limitar viagens internacionais a pessoas vacinadas, detentoras de um “passaporte verde”, e avisos sobre disparidades crescentes entre países ricos, com uma parcela maior de habitantes vacinados, e pobres, com menos vacinados.
Ansioso por tirar o país do terceiro lockdown nacional sem desencadear uma nova onda de infecções, o governo central de Israel foi empurrado a agir por conta de iniciativas locais. Insurgindo-se contra as imposições do lockdown, um shopping center em Bat Yam, subúrbio de classe trabalhadora de Tel Aviv, abriu as portas na semana passada a clientes que podem comprovar que já foram vacinados ou se recuperaram da Covid-19.
Em Karmiel, no norte da região da Galileia, o prefeito tomou uma decisão semelhante de reabrir sua cidade para os negócios. A prefeitura começou a processar solicitações de empresas capazes de verificar que todos seus funcionários receberam as duas doses exigidas de vacina ou que já se recuperaram do vírus.
E, em outras cidades, prefeitos querem proibir a presença de professores não vacinados em salas de aula, enquanto alguns proprietários de hotéis ameaçam demitir funcionários não vacinados.
Maya Peled Raz, especialista em ética e direito de saúde pública na Universidade de Haifa, defendeu a imposição de alguns limites às liberdades pessoais, em nome do bem maior. Segundo ela, empresas não podem obrigar seus funcionários a ser vacinados, mas podem ser autorizadas a empregar apenas funcionários vacinados, se deixar de fazê-lo prejudicaria seus negócios.
“Isso pode envolver alguma restrição aos direitos individuais, mas nem toda restrição é proibida se ela for bem equilibrada e legítima para se alcançar uma meta honrosa”, disse. “É a escolha de cada um”, ela acrescentou, falando de atividades de lazer. “Se você tiver sido vacinado, pode entrar. Se não, não podemos deixá-lo colocar outras pessoas em risco.”
Cerca de 4 milhões de israelenses —quase metade da população de 9 milhões— já receberam pelo menos uma dose da vacina da Pfizer, e mais de 2,6 milhões já receberam a segunda. Mas 2 milhões de cidadãos de 16 anos ou mais, que poderiam ser vacinados, não buscaram a vacina. O número médio de novos casos diários de Covid gira em torno de 4.000.
A velocidade do programa de vacinação em Israel forma um contraste nítido com a situação nos territórios ocupados, onde poucos palestinos até agora receberam sequer uma dose. A disparidade vem provocando discussões intensas sobre as obrigações éticas e morais de Israel em relação aos palestinos, além do potencial risco sanitário aos israelenses pela não vacinação dos palestinos.
Yuli Edelstein, o ministro da Saúde, disse na quinta-feira (18) que a vacinação não será compulsória em Israel. Mas seu ministério está propondo legislação que obrigaria funcionários não vacinados cujo trabalho envolve contato com o público a serem testados para o vírus a cada dois dias. Edelstein está promovendo um projeto de lei que autorizaria a pasta a identificar pessoas não vacinadas junto às autoridades locais.
Voluntários e autoridades locais vêm procurando atrair pessoas aos centros de vacinação com ofertas de pizza gratuita, doces árabes e, na cidade ultraortodoxa de Bnei Brak, bolsas de cholent, um guisado preparado tradicionalmente para o shabat.
Mas a vacinação ainda é voluntária, e nem todos estão correndo para ser imunizados.
Concertos e restaurantes são luxos dos quais as pessoas podem abrir mão mais facilmente. Mas a questão se torna mais urgente e contenciosa quando o que está em jogo são os direitos de empregadores e empregados.
Os direitos de professores e funcionários de escolas passam a receber atenção especial com o reinício de algumas aulas presenciais. Um quarto ou mais dos professores em Israel não buscou tomar a primeira dose da vacina. Para críticos, essa situação traz um risco potencial para os alunos com menos de 16 anos, jovens demais para ser vacinados. Alguns profissionais de saúde também se abstiveram de ser vacinados.
Depois de vários prefeitos terem ameaçado proibir a presença de professores não vacinados em salas de aula, o vice-ministro da Justiça esclareceu que os prefeitos não têm o poder de fazê-lo se não houver uma legislação nova.
Peled Raz disse que a lei emergencial temporária que rege a resposta de Israel ao vírus será mais fácil de alterar com relação a profissionais de saúde que a outros trabalhadores, devido ao dano potencial aos próprios profissionais e a seus pacientes. Para ela, isso seria justificado.
“Você quer ser enfermeiro e não se vacinar?”, ela disse. “Tome a vacina ou escolha outra profissão.”
Mas duas organizações de defesa de direitos, a Associação de Direitos Civis em Israel e a Worker’s Hotline, informaram já ter recebido denúncias de outros trabalhadores não vacinados. As entidades escreveram uma carta ao ministro da Justiça este mês pedindo que ele emita um parecer claro e disseram que, sob a legislação em vigor, um empregador não pode exigir informação de seus funcionários sobre seu status de vacinação.
“O primeiro problema é que não há uma política pública sobre esse ponto”, disse Gil Gan-Mor, da Associação de Direitos Civis em Israel. “Quando o governo não age com presteza suficiente, as iniciativas particulares se multiplicam.”
Para ele, ainda é preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre direitos e interesses conflitantes, e isso requer uma discussão ampla no Parlamento.
Folha de S. Paulo
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