Bruno Ribeiro
Estadão
A hesitação do PSDB demonstrada na eleição para o comando da Câmara dos Deputados obriga o partido a “tomar um rumo”, avaliou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Para ele, cabe à sigla dar ao eleitor clareza sobre seu posicionamento como uma alternativa ao governo do presidente Jair Bolsonaro.
Na sua opinião, o PSDB necessita de líderes capazes de sintetizar um projeto que busque garantir saúde, emprego e renda, e consiga apontar os erros da atual gestão. Caso não seja capaz disso, é possível que o partido entre em um ciclo de declínio, disse o ex-presidente. FHC, no entanto, afirmou ver pouco impacto dos resultados das eleições para a cúpula do Congresso nas disputas de 2022.
O PSDB negligenciou seu papel de oposição ao presidente Jair Bolsonaro na eleição para a presidência da Câmara?
No meu ponto de vista, o PSDB deveria ser
mais claramente de oposição. O que aconteceu ontem (segunda-feira, 1º)
não surpreende, é a força do presidente. Sei como é isso. A força do
presidente é muito grande e é muito difícil ganhar uma eleição no
Congresso contra o presidente. Mas se não vai ganhar, é para marcar
posição. Acho que o PSDB ficou um pouco esvaecido lá.
Como o senhor avalia o resultado das eleições? Que reflexos podem ter em 2022?
Eleitoral, nenhum. O povo funciona de
outra maneira. Vai depender quem são os candidatos, as pessoas que se
apresentam ao povo. Do ponto de vista político, tem consequências,
porque dificulta qualquer processo contra o presidente e facilita a
tramitação de qualquer matéria que o governo tenha empenho.
A aliança entre Bolsonaro e o Centrão é um projeto que deve sobreviver até as eleições?
O que existe na eleição majoritária à
Presidência é a relação do candidato com o eleitorado. Claro que a
estrutura partidária ajuda, mas não é decisiva.
O senhor transmitiu na segunda-feira uma mensagem à bancada do PSDB, dizendo que o partido deveria ter uma posição clara…
Sim, dei minha opinião porque acho isso.
Em política, ou você tem posição clara ou fica difícil, as coisas ficam
escorregadias. Quem se beneficia do cenário “resvaloso” é o governo,
sempre.
Na mensagem, o senhor diz
que ou deveria haver uma posição clara ou o partido poderia dar adeus a
chances de construir uma aliança que pudesse disputar as eleições. Ainda
pensa assim?
Foi isso mesmo. O povo não é bobo. A gente
pensa que (a população) não percebe, mas percebe. Se você não toma
posição no tempo oportuno, quando chega a hora H é tarde.
Não tomar posição pode fazer o partido cair na vala comum das legendas que cederam ao ‘toma lá, dá cá’?
Não é o que eu gostaria, mas acaba, né? Se for por esse caminho, acaba.
O governador João Doria,
cuja pré-candidatura já está colocada, tem uma relação muito próxima com
Rodrigo Maia e se envolveu na eleição na Câmara. De que forma esse
resultado o afeta?
De alguma forma, mexe com as articulações
políticas. No caso do PSDB, tem duas candidaturas mais fortes, a de
Doria e a do Eduardo Leite, (governador) do Rio Grande do Sul. Não sei
se o Eduardo Leite vai se candidatar. O Doria certamente tem
possibilidade, como governador de São Paulo. Agora, o problema tanto de
um quanto de outro é ganhar o resto do Brasil. Nasci no Rio, mas me
lembro que era muito difícil entrar na Baixada Fluminense. O povo tem
que sentir que o candidato que eles escolhem tem ligação com eles,
expressam alguma coisa. Tem de tentar contato direto, algum fio que
ligue com as regiões.
Para crescer fora dos Estados, são necessárias alianças fortes. Elas se tornam mais importantes…
Ajuda a penetrar, mas o mais importante de
tudo é a ligação direta, via mídia. A atitude que as pessoas tomam.
Inclusive pode aparecer algum candidato que não se conheça e que caia no
gosto da população. É difícil nesta altura dos acontecimentos, mas é
preciso que haja algum relacionamento com o sentimento do eleitorado. Se
não houver, não tem jeito.
Nesse sentido, o PSDB precisa fazer uma análise interna, ‘ir para o divã’?
Sem dúvida nenhuma. O PSDB precisa tomar
rumo, precisa ter uma palavra afirmativa forte. Os partidos têm seus
ciclos. Espero que o PSDB não esteja em seu ciclo descendente. Mas, se
estiver, pobre do PSDB. E não é em nome do PSDB, é em nome dos
interesses do povo. Eleição é uma coisa conjuntural, mas não é só
conjuntural. Tem de ir se formando, ter enraizamento.
Precisa, então, de lideranças?
Sim, lideranças, não tenha dúvida.
Querendo ou não, tudo depende muito de lideranças na vida política. Não
adianta você ter um sentimento sem ter quem o expresse, quem o encarne. O
Ulysses Guimarães dizia: ‘Quem fulaniza isso?’ Tem de fulanizar. Quem
representa isso? Você é símbolo de um sentimento mais amplo. O povo não
vota em você porque é feio ou bonito, mas porque você simboliza um
sentimento. Dá tempo para fazer isso? Dá, mas tem que fazer.
Fulanizando a conversa, Rodrigo Maia, agora ex-presidente da Câmara, saiu desgastado com o DEM durante esse processo…
O que eu lamento, porque ele é uma pessoa com capacidade afirmativa.
Há rumores de que ele poderia deixar o DEM e migrar para o PSDB. Como o senhor avalia isso?
Eu adoraria. Mas, do ponto de vista
político, estará trocando doze por meia dúzia, porque PSDB e PFL (antigo
nome do DEM) sempre andaram juntos. Agora, do ponto de vista pessoal, a
presença do Rodrigo é boa. Para mim, seria muito bem-vindo.
Sobre Luciano Huck, um nome com quem o senhor dialoga, já seria hora de ele se posicionar sobre o ingresso ou não na política?
Está chegando a hora. O Luciano tem uma
vantagem, ele é conhecido popularmente. Ele é conhecido como uma pessoa
que sabe falar com o povo, mas não como líder político. Ele tem de se
apresentar como líder político.
Ele pode ‘fulanizar’ um projeto?
Ele é capaz, mas precisa fulanizar um
projeto político (enfatizando a palavra), precisa ter um projeto. Se
tiver um projeto que bata com as necessidades, tem chances. Acho que
estão todos na mesma. Daqui por diante, começa o jogo real para ver quem
vai encarnar o quê. Quem vai ser a pessoa que encarne alguma coisa que
toque na alma do povo.
Um candidato do PSDB tem que encarnar o quê? Qual é o projeto que tem chances de bater Bolsonaro nas urnas?
Você nunca tem um projeto abstrato. É com
quem está situado. Bolsonaro está situado. É presidente, teve votos e
foi capaz de falar com uma parte da população. Como o Doria também, o
Eduardo Leite também. Quem ganha a eleição mostrou que tem essa
capacidade. Quem ainda não ganhou vai ter que mostrar. Você tem de
antagonizar quem tem outro lado. Se o PSDB optar por ser contra o que
está acontecendo no governo atual, tem que mostrar claramente isso. Tem
de tentar ganhar a população. Pode ganhar, pode não ganhar. Depende do
jogo eleitoral e partidário. Mas tem de ter posição clara. Em política,
não tem esse negócio de ficar enrustido. É cartas na mesa.
Os novos presidentes da
Câmara e do Senado fizeram discursos em favor da ciência e da vacinação,
em declarações contrárias às que o presidente costuma dar. O presidente
pode também atenuar um pouco esse discurso?
Depende da oposição também mostrar que,
nesta matéria, ele é retrógrado. Política depende muito de você marcar
posição. O que as pessoas veem como necessário para elas? Saúde, em
primeiro lugar, por causa da pandemia, depois emprego e depois melhorar
de vida, renda. Essas são as questões que vão ser postas e o PSDB tem de
ter uma posição clara. O candidato do PSDB tem de falar sobre esses
temas. E tem que dizer que vai mal.
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