Como o declínio das civilizações é precedido pelo declínio da família
01/05/2020 às 18:58 JORNAL DA CIDADE ONLINE
“Crianças
que crescem sem pai têm cinco vezes mais chances de viver na pobreza e
cometer crimes; nove vezes mais chances de abandonar a escola e vinte
vezes mais chances de acabar na prisão”. Barack Obama
“A família é a célula máter da sociedade”. Rui Barbosa
Como professor de ética tenho, nos últimos anos, acompanhado as mudanças morais ocorridas especialmente nas últimas décadas, de tal forma que agora, após tantas mudanças graduais, de um ponto de vista retrospectivo (e, mesmo, prospectivo), creio que as podemos colocar sob uma perspectiva adequada para compreender as causas e implicações dessas mudanças.
Assim, primeiramente vejo que temos sido devastados por uma espécie de “dessensibilização moral”.
Que quero dizer com isso? Ora, falo aqui de uma espécie de imunoterapia hipossensibilizante de nosso senso moral ao longo das últimas décadas.
Dessa forma, essa “dessensibilização moral” nos tem induzido a uma tolerância a modos de comportamento que jamais seriam aceitos por gerações anteriores (e isso por boas razões). Na verdade, mesmo hoje nosso senso moral, quando não corrompido, nos “diz” que há, sim, certos “morais absolutos”. Por isso sentimos repulsa diante de certas imagens e comportamentos.
Há valores consolidados ao longo da história humana que simplesmente são melhores do que aqueles engendrados pelos nossos “ungidos” acadêmicos, tão empenhados em promover, desde uma perspectiva relativista, a “inversão total de valores”, a qual implica, em última instância, em uma devastação dos pilares da cultura ocidental e em um consequente retorno à barbárie, na qual, em alguma medida, já vivemos.
O que tem ocorrido com a cultura ocidental é semelhante àquela metáfora sobre o sapo que é colocado em uma panela de água em temperatura ambiente. Ele fica imerso na água, sem maiores preocupações. Mesmo que comecemos a aquecer a água, lentamente, ele permanece imerso nela. Mas, obviamente, depois de um tempo ele morre fervido.
Ao contrário, se ele for jogado na água já fervente, ele irá pular da panela. Com algumas queimaduras, é certo, mas vivo e pronto para reagir.
Essa metáfora me ocorre quando penso em algumas mudanças morais que vêm ocorrendo em nossa sociedade. São mudanças paulatinas, as quais implicam em uma contínua “dessensibilização moral”. Hoje estamos dispostos a aceitar comportamentos que não aceitaríamos no passado. E isso é terrível.
Há uma vasta bibliografia denunciando nossa decadência moral. Por exemplo, após uma década de estudos, Anne Glyn Jones publicou, em 1995, o livro “Holding up a Mirror: How Civilizations Decline”. Partindo da constatação de que a cultura ocidental estava em vertiginosa decadência, ela decidiu se ocupar por anos desse fenômeno. Uma das polêmicas teses do livro é que o ocidente faliu moral, estética e espiritualmente.
Mas, como chegamos nesse ponto?
Hoje acredito que essa decadência não vem ocorrendo de forma espontânea. Sinceramente, creio que ela tem sido projetada. Tendo como bases “teóricas” autores neomarxistas da Escola de Frankfurt, bem como pós-modernistas e outros, essas mudanças começaram a ocorrer “desde cima”, desde a “elite intelectual” de nossas universidades. Trata-se de uma mudança que começou a ganhar força especialmente a partir da metade do século XX. Tal como o sapo da metáfora, estávamos tranquilos, imersos na água e, então, acenderam sutilmente o aquecimento. Hoje estamos sendo cozidos e nem nos apercebemos.
Por essa razão hoje vemos com certa “naturalidade” a promiscuidade, a violência, o autovandalismo, a feiura, e outras formas de corrupção.
Mentalidades corruptas, torpes e doentes adentraram nossas universidades e, como um câncer, fizeram metástase e hoje espraiam seus males para todos os âmbitos da sociedade, adoecendo-a.
Um dos exemplos de degenerescência é a concepção vigente de família. Aliás, a família sempre foi um obstáculo para os avanços do socialismo e de todas as formas de tirania. Uma família funcional não precisa do Estado. A família é uma das derradeiras resistências aos avanços do Estado sobre as vidas individuais (por essa razão, liberais deveriam defendê-la resignadamente também).
Dissolva a família e então o Estado pode avançar sobre as vidas individuais, tolhendo-lhes a liberdade.
Não obstante, nesse momento de degenerescência, acadêmicos, juristas, por exemplo, consideram que qualquer agregado é uma família, e que simplesmente não faz diferença que tipo de agregado é esse. Mas será que não há diferença mesmo? Será que a família dita “tradicional” não seria um arranjo mais adequado, individual e socialmente?
Mas como podemos definir uma família “tradicional” (ou “natural”)? Uma interessante formulação dessa ideia de família nós a encontramos no filósofo John Locke (1632-1704):
Por “natural” (ou “tradicional”) quero denotar como tendo surgido a partir de arranjos espontâneos, sem a intervenção de uma mentalidade central. Ou seja, a família tradicional, ao contrário do que dizem nossos ungidos, não foi uma criação da “burguesia”. Ela surgiu espontaneamente, antes mesmo do surgimento do Estado (e, mesmo, do Cristianismo).
Muito antes nós tínhamos homens e mulheres que se uniam para cuidar da prole. Por que? Ora, em artigos como “Disease dynamics and costly punishment can foster socially imposed monogamy”, de Chris Bauch, e “The evolution of monogamy in response to partner scarcity”, de Adrian Bell, encontramos que a família monogâmica, “tradicional”, foi um fenômeno espontâneo que contribuiu para assegurar nossa evolução. Não apenas isso, ela pavimentou o caminho para que chegássemos à civilização em que hoje vivemos, contribuindo para que nos tornássemos humanos.
Sua importância foi reconhecida apenas posteriormente, seja pelo Estado, seja pela Religião, que passaram, então, a protegê-la (com regras – visando assegurar sua continuidade e indissolubilidade, por exemplo).
Ou seja, a sabedoria prática de nossos antepassados reconhecia um princípio conservador fundamental, a saber: preservemos aquilo que funciona, aquilo que surgiu espontaneamente com um propósito e se enraizou em nossa cultura, contribuindo para que nos aperfeiçoássemos como humanos.
Estudos como os citados, assim como livros tais quais “Marriage and Civilization: How Monogamy made us Human”, de William Tucker, nos mostram que uma instituição como o casamento monogâmico, entre homem e mulher, não foi uma criação da burguesia. Apenas alguém realmente estúpido diria algo assim (e, lembrem, algumas ideias são tão estúpidas que apenas um acadêmico – sobretudo nas ‘humanidades’- seria capaz de defendê-las. E hoje ideias estúpidas grassam em nossas universidades).
Assim, a instituição da família “tradicional”, no contexto de uma união monogâmica, não surgiu porque em alguma manhã alguém acordou e pensou: “hoje vou inventar a família”. Não. Tal instituição surgiu com o tempo, evolutivamente. Somente depois ela ganhou um nome (família).
Assim, cabe, agora, a pergunta: que ocorre quando uma mentalidade planificadora tenta dissolver essa concepção tradicional para impor, ao longo do tempo, uma ideia artificialmente engendrada de família?
Ora, há uma vasta pesquisa em áreas como as ciências sociais que demonstra, de forma inquestionável e conclusiva, o que ocorre quando se tenta, arbitrariamente, dissolver instituições naturais como a família.
Em suma, a estrutura da família tem um impacto significativo sobre o indivíduo e sobre a sociedade, de tal forma que alterar a estrutura da família afeta a sociedade de forma geral, de maneira que não sabemos quais serão todas as consequências dessa alteração (experimento de engenharia social).
Na verdade, já sabemos de alguns efeitos imediatos, e esses são, no mínimo, preocupantes, pois apontam para resultados que, seja de um ponto de vista individual, seja de um ponto de vista social, pontuam negativamente.
Vejamos apenas alguns desses estudos. Assim, eis algumas descobertas de um estudo conduzido e posteriormente publicado por Sara S. McLanahan (“Parent Absence or Poverty: Which matters more? In: Consequences of growing up poor. New York: Russell Sage, 1997), bem como de outro estudo coordenado por Paula Roberts (“I Can’t Give you anything but Love: would poor couples with children be better off economically if they married?). Tais descobertas nos mostram os efeitos colaterais da dissolução da família “tradicional”:
Além disso, o estudo de Sara S. McLanahan também descobriu que um novo casamento praticamente não minimiza esse impacto da dissolução familiar sobre as crianças (ou seja, o divórcio não é uma boa ideia). Por fim, ao concluir esse estudo de mais de vinte anos de pesquisa, McLanahan conclui que:
Em suma, isso apenas reitera aquilo que mesmo nossos ancestrais mais distantes sabiam: precisamos de uma cultura que fortaleça a ideia de família natural. E isso tendo em vista o bem comum, o qual é individual e social.
Em resumo, os fatos estão diante de nós. E essa situação não é inédita. Um estudo seminal publicado em 1947 por um sociólogo de Harvard, Carl Zimmermann, intitulado “Family and Civilization”, demonstrou a relação entre família e ‘bem comum’.
Nesse estudo ele analisou a evolução da família desde os gregos, passando pelo período romano, pelo medievo até a civilização ocidental e aos USA do século XX. Ao longo da obra o autor demonstrou como a ascensão e declínio das civilizações caminha lado a lado com a ascensão e declínio da família. Em verdade, ele demonstrou que o declínio das civilizações reflete o declínio da instituição do matrimônio.
Ou, que o declínio das civilizações é precedido pelo declínio da família. Sim!!! Eis uma verdade inconveniente: Muitos dos flagelos que hoje enfrentamos são causados sobretudo pela dissolução familiar.
Que elementos são parte da causa dessa dissolução em diversas culturas?
Ora, a perda da sacralidade do matrimônio, isto é, sua banalização, trivialidade do divórcio, desrespeito pelos pais (e, como resultado, pelas autoridades em geral), crescente delinquência juvenil, promiscuidade, rejeição das responsabilidades inerentes ao casamento (como fidelidade, por exemplo), etc.
Dessa maneira, a visão meramente contratual do casamento, ligada à ideia de que ele é um mero “direito individual” (um arranjo para a satisfação individual), sem responsabilidade correspondente, afetou e afeta negativamente a consecução dos fins relativos ao bem comum.
Noutros termos, todos sofremos as consequências da degenerescência de instituições como a família.
Seu declínio, como diversos estudos recentes reiteram (“Why Marriage Matters. Thirty Conclusions from the Social Sciences”, de Bradford Wilcox; “Marriage and the Public Good: Ten Principles”, editado pelo Instituto Witherspoon; “Família e Políticas Públicas”, de João Carlos Espada; “Life Without Father”, de David Popenoe, e muitos outros), é causa de alguns “efeitos colaterais” indesejáveis, como aumento de criminalidade, fracasso educacional, malogro na formação de novas famílias (aumento de famílias disfuncionais), rendas baixas, aumento da violência, aumento da dependência de programas assistenciais do governo, etc.
Esses fatos são apenas alguns dos indícios de patologias individuais e sociais. Estamos, pois, recaindo no mesmo erro de culturas passadas, como as analisadas por Carl Zimmermann.
Afinal, que esperar de dados como aqueles oferecidos pelo IBGE, segundo o qual mais de 80% das crianças está sob a responsabilidade apenas da mãe, sendo que quase 6 milhões de crianças sequer têm o nome do pai em suas certidões de nascimento?
Ora, todos nós sabemos que crianças criadas longe dos pais são mais propensas à depressão, ao encarceramento, a sair da escola, a engravidar na adolescência, etc. Isso certamente é terrível individualmente. Mas é também causa de flagelo social (e de um Estado cada vez maior – uma vez que ele assume a criança e seus custos, transformando-a em uma pessoa disfuncional a um alto custo).
O quanto precisaremos decair para nos apercebermos dos danos que certas ideias causam?
Quantos danos ainda precisarão ser causados até reconhecermos que certos valores e instituições são necessários à nossa prosperidade?
A água já está fervendo ... ainda haverá tempo de pularmos da panela?
Carlos Adriano Ferraz. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito. Também é membro do movimento Docentes pela Liberdade (DPL), sendo atualmente Diretor do DPL/RS.
“A família é a célula máter da sociedade”. Rui Barbosa
Como professor de ética tenho, nos últimos anos, acompanhado as mudanças morais ocorridas especialmente nas últimas décadas, de tal forma que agora, após tantas mudanças graduais, de um ponto de vista retrospectivo (e, mesmo, prospectivo), creio que as podemos colocar sob uma perspectiva adequada para compreender as causas e implicações dessas mudanças.
Assim, primeiramente vejo que temos sido devastados por uma espécie de “dessensibilização moral”.
Que quero dizer com isso? Ora, falo aqui de uma espécie de imunoterapia hipossensibilizante de nosso senso moral ao longo das últimas décadas.
Dessa forma, essa “dessensibilização moral” nos tem induzido a uma tolerância a modos de comportamento que jamais seriam aceitos por gerações anteriores (e isso por boas razões). Na verdade, mesmo hoje nosso senso moral, quando não corrompido, nos “diz” que há, sim, certos “morais absolutos”. Por isso sentimos repulsa diante de certas imagens e comportamentos.
Há valores consolidados ao longo da história humana que simplesmente são melhores do que aqueles engendrados pelos nossos “ungidos” acadêmicos, tão empenhados em promover, desde uma perspectiva relativista, a “inversão total de valores”, a qual implica, em última instância, em uma devastação dos pilares da cultura ocidental e em um consequente retorno à barbárie, na qual, em alguma medida, já vivemos.
O que tem ocorrido com a cultura ocidental é semelhante àquela metáfora sobre o sapo que é colocado em uma panela de água em temperatura ambiente. Ele fica imerso na água, sem maiores preocupações. Mesmo que comecemos a aquecer a água, lentamente, ele permanece imerso nela. Mas, obviamente, depois de um tempo ele morre fervido.
Ao contrário, se ele for jogado na água já fervente, ele irá pular da panela. Com algumas queimaduras, é certo, mas vivo e pronto para reagir.
Essa metáfora me ocorre quando penso em algumas mudanças morais que vêm ocorrendo em nossa sociedade. São mudanças paulatinas, as quais implicam em uma contínua “dessensibilização moral”. Hoje estamos dispostos a aceitar comportamentos que não aceitaríamos no passado. E isso é terrível.
Há uma vasta bibliografia denunciando nossa decadência moral. Por exemplo, após uma década de estudos, Anne Glyn Jones publicou, em 1995, o livro “Holding up a Mirror: How Civilizations Decline”. Partindo da constatação de que a cultura ocidental estava em vertiginosa decadência, ela decidiu se ocupar por anos desse fenômeno. Uma das polêmicas teses do livro é que o ocidente faliu moral, estética e espiritualmente.
Mas, como chegamos nesse ponto?
Hoje acredito que essa decadência não vem ocorrendo de forma espontânea. Sinceramente, creio que ela tem sido projetada. Tendo como bases “teóricas” autores neomarxistas da Escola de Frankfurt, bem como pós-modernistas e outros, essas mudanças começaram a ocorrer “desde cima”, desde a “elite intelectual” de nossas universidades. Trata-se de uma mudança que começou a ganhar força especialmente a partir da metade do século XX. Tal como o sapo da metáfora, estávamos tranquilos, imersos na água e, então, acenderam sutilmente o aquecimento. Hoje estamos sendo cozidos e nem nos apercebemos.
Por essa razão hoje vemos com certa “naturalidade” a promiscuidade, a violência, o autovandalismo, a feiura, e outras formas de corrupção.
Mentalidades corruptas, torpes e doentes adentraram nossas universidades e, como um câncer, fizeram metástase e hoje espraiam seus males para todos os âmbitos da sociedade, adoecendo-a.
Um dos exemplos de degenerescência é a concepção vigente de família. Aliás, a família sempre foi um obstáculo para os avanços do socialismo e de todas as formas de tirania. Uma família funcional não precisa do Estado. A família é uma das derradeiras resistências aos avanços do Estado sobre as vidas individuais (por essa razão, liberais deveriam defendê-la resignadamente também).
Dissolva a família e então o Estado pode avançar sobre as vidas individuais, tolhendo-lhes a liberdade.
Não obstante, nesse momento de degenerescência, acadêmicos, juristas, por exemplo, consideram que qualquer agregado é uma família, e que simplesmente não faz diferença que tipo de agregado é esse. Mas será que não há diferença mesmo? Será que a família dita “tradicional” não seria um arranjo mais adequado, individual e socialmente?
Mas como podemos definir uma família “tradicional” (ou “natural”)? Uma interessante formulação dessa ideia de família nós a encontramos no filósofo John Locke (1632-1704):
“A sociedade conjugal forma-se mediante pacto voluntário entre homem e mulher; e embora consista principalmente na comunhão e direito ao corpo um de outro como é necessário para o fim principal – a procriação – traz, entretanto, consigo o sustento e a assistência mútuos – bem como a comunhão de interesses, necessários não só para unir-lhes o cuidado e o afeto, mas também em prol da prole comum, que tem o direito de ser alimentada e mantida por eles até ser capaz de prover às próprias necessidades”.A definição de John Locke seria, assim, aquela que eu denominaria de “família natural” (ou “tradicional”), formada por um homem, uma mulher, e os filhos oriundos de sua relação (em um ambiente de pouco conflito), os quais receberiam seus cuidados até estarem em condições de proverem suas necessidades.
Por “natural” (ou “tradicional”) quero denotar como tendo surgido a partir de arranjos espontâneos, sem a intervenção de uma mentalidade central. Ou seja, a família tradicional, ao contrário do que dizem nossos ungidos, não foi uma criação da “burguesia”. Ela surgiu espontaneamente, antes mesmo do surgimento do Estado (e, mesmo, do Cristianismo).
Muito antes nós tínhamos homens e mulheres que se uniam para cuidar da prole. Por que? Ora, em artigos como “Disease dynamics and costly punishment can foster socially imposed monogamy”, de Chris Bauch, e “The evolution of monogamy in response to partner scarcity”, de Adrian Bell, encontramos que a família monogâmica, “tradicional”, foi um fenômeno espontâneo que contribuiu para assegurar nossa evolução. Não apenas isso, ela pavimentou o caminho para que chegássemos à civilização em que hoje vivemos, contribuindo para que nos tornássemos humanos.
Sua importância foi reconhecida apenas posteriormente, seja pelo Estado, seja pela Religião, que passaram, então, a protegê-la (com regras – visando assegurar sua continuidade e indissolubilidade, por exemplo).
Ou seja, a sabedoria prática de nossos antepassados reconhecia um princípio conservador fundamental, a saber: preservemos aquilo que funciona, aquilo que surgiu espontaneamente com um propósito e se enraizou em nossa cultura, contribuindo para que nos aperfeiçoássemos como humanos.
Estudos como os citados, assim como livros tais quais “Marriage and Civilization: How Monogamy made us Human”, de William Tucker, nos mostram que uma instituição como o casamento monogâmico, entre homem e mulher, não foi uma criação da burguesia. Apenas alguém realmente estúpido diria algo assim (e, lembrem, algumas ideias são tão estúpidas que apenas um acadêmico – sobretudo nas ‘humanidades’- seria capaz de defendê-las. E hoje ideias estúpidas grassam em nossas universidades).
Assim, a instituição da família “tradicional”, no contexto de uma união monogâmica, não surgiu porque em alguma manhã alguém acordou e pensou: “hoje vou inventar a família”. Não. Tal instituição surgiu com o tempo, evolutivamente. Somente depois ela ganhou um nome (família).
Assim, cabe, agora, a pergunta: que ocorre quando uma mentalidade planificadora tenta dissolver essa concepção tradicional para impor, ao longo do tempo, uma ideia artificialmente engendrada de família?
Ora, há uma vasta pesquisa em áreas como as ciências sociais que demonstra, de forma inquestionável e conclusiva, o que ocorre quando se tenta, arbitrariamente, dissolver instituições naturais como a família.
Em suma, a estrutura da família tem um impacto significativo sobre o indivíduo e sobre a sociedade, de tal forma que alterar a estrutura da família afeta a sociedade de forma geral, de maneira que não sabemos quais serão todas as consequências dessa alteração (experimento de engenharia social).
Na verdade, já sabemos de alguns efeitos imediatos, e esses são, no mínimo, preocupantes, pois apontam para resultados que, seja de um ponto de vista individual, seja de um ponto de vista social, pontuam negativamente.
Vejamos apenas alguns desses estudos. Assim, eis algumas descobertas de um estudo conduzido e posteriormente publicado por Sara S. McLanahan (“Parent Absence or Poverty: Which matters more? In: Consequences of growing up poor. New York: Russell Sage, 1997), bem como de outro estudo coordenado por Paula Roberts (“I Can’t Give you anything but Love: would poor couples with children be better off economically if they married?). Tais descobertas nos mostram os efeitos colaterais da dissolução da família “tradicional”:
- Adultos que começam a vida adulta na pobreza são 66% menos propensos a permanecer na pobreza se eles casam e permanecem casados;
- Famílias de baixa renda em que os pais são casados são menos da metade propensos a enfrentar privações materiais do que famílias em que os pais apenas vivem juntos (coabitam);
- Mulheres que casam logo após ter um neném aumentam em mais de 50% seu padrão vida em relação a mães solteiras e em mais de 20% em relação a mães que apenas coabitam;
- Crianças de pais divorciados têm mais riscos de abandonar a escola, comparadas a famílias intactas;
- Meninas de pais divorciados são mais propensas a engravidar na adolescência e se tornarem mães solteiras;
- Meninos de pais divorciados são mais propensos a acabarem na prisão.(Por essa razão certa vez mesmo Barack Obama, tão idolatrado pela esquerda, e pai de família em uma família tradicional e funcional, disse:
“Crianças que crescem sem pai têm cinco vezes mais chances de viver na pobreza e cometer crimes; nove vezes mais chances de abandonar a escola e vinte vezes mais chances de acabar na prisão”.Noutro contexto ele afirmou que, “se queremos que nossos filhos tenham sucesso na vida, necessitamos de pais que entendam que seu trabalho não termina com a concepção, que o que verdadeiramente transforma um homem em pai é sua capacidade de criar um filho e investir nele”).
Além disso, o estudo de Sara S. McLanahan também descobriu que um novo casamento praticamente não minimiza esse impacto da dissolução familiar sobre as crianças (ou seja, o divórcio não é uma boa ideia). Por fim, ao concluir esse estudo de mais de vinte anos de pesquisa, McLanahan conclui que:
“Se nos pedissem para projetar um sistema para tornar seguro que as necessidades básicas das crianças fossem atendidas, nós provavelmente sugeriríamos algo similar ao ideal da família com pai e mãe. Tal projeto, em teoria, não apenas asseguraria que as crianças teriam acesso ao tempo e aos recursos de dois adultos, mas também ofereceria um sistema de pesos e contrapesos que promoveria paternidade/maternidade de qualidade. O fato de que ambos, pai e mãe, estão conectados biologicamente com a criança aumentaria a probabilidade que ambos os pais se identificassem com a criança e se sacrificassem por ela, bem como reduziria a probabilidade de que a criança sofresse abuso”.Assim, esses estudos mostram que crianças de baixa renda que não fazem parte de uma família funcional são mais propensas a enfrentarem situações de delinquência, problemas psicológicos graves, problemas de saúde, do que crianças de baixa renda em famílias funcionais. Portanto, o problema não é exatamente elas serem de baixa renda, mas não fazerem parte de uma família natural (funcional), tendo seu pai e sua mãe ao seu lado.
Em suma, isso apenas reitera aquilo que mesmo nossos ancestrais mais distantes sabiam: precisamos de uma cultura que fortaleça a ideia de família natural. E isso tendo em vista o bem comum, o qual é individual e social.
Em resumo, os fatos estão diante de nós. E essa situação não é inédita. Um estudo seminal publicado em 1947 por um sociólogo de Harvard, Carl Zimmermann, intitulado “Family and Civilization”, demonstrou a relação entre família e ‘bem comum’.
Nesse estudo ele analisou a evolução da família desde os gregos, passando pelo período romano, pelo medievo até a civilização ocidental e aos USA do século XX. Ao longo da obra o autor demonstrou como a ascensão e declínio das civilizações caminha lado a lado com a ascensão e declínio da família. Em verdade, ele demonstrou que o declínio das civilizações reflete o declínio da instituição do matrimônio.
Ou, que o declínio das civilizações é precedido pelo declínio da família. Sim!!! Eis uma verdade inconveniente: Muitos dos flagelos que hoje enfrentamos são causados sobretudo pela dissolução familiar.
Que elementos são parte da causa dessa dissolução em diversas culturas?
Ora, a perda da sacralidade do matrimônio, isto é, sua banalização, trivialidade do divórcio, desrespeito pelos pais (e, como resultado, pelas autoridades em geral), crescente delinquência juvenil, promiscuidade, rejeição das responsabilidades inerentes ao casamento (como fidelidade, por exemplo), etc.
Dessa maneira, a visão meramente contratual do casamento, ligada à ideia de que ele é um mero “direito individual” (um arranjo para a satisfação individual), sem responsabilidade correspondente, afetou e afeta negativamente a consecução dos fins relativos ao bem comum.
Noutros termos, todos sofremos as consequências da degenerescência de instituições como a família.
Seu declínio, como diversos estudos recentes reiteram (“Why Marriage Matters. Thirty Conclusions from the Social Sciences”, de Bradford Wilcox; “Marriage and the Public Good: Ten Principles”, editado pelo Instituto Witherspoon; “Família e Políticas Públicas”, de João Carlos Espada; “Life Without Father”, de David Popenoe, e muitos outros), é causa de alguns “efeitos colaterais” indesejáveis, como aumento de criminalidade, fracasso educacional, malogro na formação de novas famílias (aumento de famílias disfuncionais), rendas baixas, aumento da violência, aumento da dependência de programas assistenciais do governo, etc.
Esses fatos são apenas alguns dos indícios de patologias individuais e sociais. Estamos, pois, recaindo no mesmo erro de culturas passadas, como as analisadas por Carl Zimmermann.
Afinal, que esperar de dados como aqueles oferecidos pelo IBGE, segundo o qual mais de 80% das crianças está sob a responsabilidade apenas da mãe, sendo que quase 6 milhões de crianças sequer têm o nome do pai em suas certidões de nascimento?
Ora, todos nós sabemos que crianças criadas longe dos pais são mais propensas à depressão, ao encarceramento, a sair da escola, a engravidar na adolescência, etc. Isso certamente é terrível individualmente. Mas é também causa de flagelo social (e de um Estado cada vez maior – uma vez que ele assume a criança e seus custos, transformando-a em uma pessoa disfuncional a um alto custo).
O quanto precisaremos decair para nos apercebermos dos danos que certas ideias causam?
Quantos danos ainda precisarão ser causados até reconhecermos que certos valores e instituições são necessários à nossa prosperidade?
A água já está fervendo ... ainda haverá tempo de pularmos da panela?
Carlos Adriano Ferraz. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito. Também é membro do movimento Docentes pela Liberdade (DPL), sendo atualmente Diretor do DPL/RS.
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