Se soubéssemos antecipadamente quais seriam seus resultados, não
precisaríamos da liberdade. Texto de Friedrich Hayek, publicada pelo Instituto Mises:
Nota do IMB
Alguns consideram que o melhor ensaio de Hayek seja O uso do conhecimento na sociedade,
no qual ele explica detalhadamente a importância do sistema de preços:
são os preços que transmitem todas as informações detalhadas que
diferentes pessoas ao redor do mundo possuem sobre aspectos específicos
de vários mercados.
Em termos puramente econômicos, realmente aquele é o melhor artigo.
Entretanto, o texto abaixo, um excerto de seu gigantesco livro A Constituição da Liberdade, é definitivamente o seu texto mais impressionante.
Seu tamanho relativamente curto (para um ensaio) esconde sua grande
profundidade e sua incrível sagacidade. Você pode lê-lo várias vezes — a
cada releitura, descobrirá algo novo.
Hayek apresenta seu argumento contra os controles e as regulações
estatais — e apresenta também sua constatação sobre como o conhecimento é
disseminado e utilizado na sociedade — da forma mais completa e
profunda possível. Ele apresenta argumentos que fazem você interromper
sua leitura, pensar e repensar.
Por exemplo, ele argumenta que, se já soubéssemos antecipadamente
todos os resultados que surgiriam em um ambiente de liberdade, não
precisaríamos da liberdade: apenas implementaríamos diretamente todos
esses resultados.
Ele também explica que todo o propósito da liberdade é exatamente o
de descobrir, no futuro, tudo aquilo que ainda não sabemos no presente.
Sendo assim, o argumento em prol da liberdade é, em última instância,
baseado na humildade e no respeito pela sabedoria e pela experiência
humana futura.
Eis um ensaio profundamente brilhante, o qual, sem exageros, fará
diferença em como você encara o mundo e como você viverá o resto de sua
vida.
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O argumento em prol da liberdade individual fundamenta-se,
principalmente, no humilde reconhecimento de que somos ignorantes. A
realização dos nossos objetivos e do nosso bem-estar depende de uma
série de fatores sobre os quais somos inevitavelmente ignorantes.
Se existissem indivíduos oniscientes, se pudéssemos conhecer não
apenas tudo o que influi na realização dos nossos desejos atuais, mas
também conhecer nossos desejos e necessidades futuras, não haveria muita
razão para defendermos a liberdade.
Por outro lado, a liberdade do indivíduo tornaria, evidentemente, impossível uma previsão perfeita.
A liberdade é essencial para que o imprevisível exista; nós a
desejamos porque aprendemos a esperar dela a oportunidade de realizar a
maioria dos nossos objetivos. E, justamente porque o indivíduo sabe tão
pouco e, mais ainda, como raramente podemos determinar quem de nós
conhece mais, confiamos aos esforços independentes e competitivos de
muitos a criação daquilo que desejaremos, quando tivermos a oportunidade
de apreciá-lo.
Por mais humilhante que seja para o orgulho humano, devemos
reconhecer que o progresso e até a preservação da civilização dependem
de um máximo de oportunidades para que o imprevisível possa acontecer.
Estas casualidades ocorrem graças à combinação de conhecimentos e
atitudes, aptidões e hábitos adquiridos pelos indivíduos, e também
quando indivíduos treinados se defrontam com problemas específicos que
estão preparados para solucionar.
Nosso inevitável desconhecimento de tantas coisas significa que
teremos de lidar, em grande parte, com probabilidades e acasos.
Naturalmente, tanto na vida social quanto na individual, os acidentes
favoráveis não ocorrem simplesmente. Devemos estar preparados para
quando acontecerem.
Mas, mesmo assim, ainda são acasos, e não se transformam em certezas.
Envolvem riscos deliberadamente aceitos, possíveis reveses de
indivíduos e grupos que têm tanto mérito quanto outros que prosperam,
possibilidade de fracassos ou de recaídas, até para a maioria, e apenas
uma probabilidade de ganhos líquidos no cômputo geral.
O máximo que podemos fazer é aumentar as possibilidades de que certa
combinação de dons individuais e de circunstâncias leve à criação de
algum novo instrumento ou ao aperfeiçoamento de um instrumento antigo e
melhorar a perspectiva de que tais inovações se tornem rapidamente
conhecidas por aqueles que podem beneficiar-se delas.
Seres imperfeitos
Todas as teorias políticas pressupõem, evidentemente, que a maioria
dos indivíduos é muito ignorante. Aqueles que defendem a liberdade se
diferem dos outros porque incluem na categoria de ignorantes eles
próprios e também os mais sábios. Comparada com a totalidade do
conhecimento que é continuamente utilizado no processo evolutivo de uma
civilização dinâmica, a diferença que existe entre o conhecimento dos
mais sábios e aquele que pode ser deliberadamente empregado pelos mais
ignorantes é insignificante.
Embora não percebamos habitualmente, todas as instituições da
liberdade constituem de adaptações a esta fundamental constatação da
ignorância, adaptadas para lidar com possibilidades e probabilidades,
mas não com a certeza. Não existe certeza na ação humana e é por esta
razão que, para fazer o melhor uso do nosso conhecimento individual,
devemos seguir as normas indicadas pela experiência como as mais
adequadas de um modo geral, embora não saibamos quais serão as
conseqüências de sua observância em casos específicos.
O homem aprende pela frustração de suas esperanças. É óbvio que não
devemos aumentar a imprevisibilidade dos acontecimentos com a criação de
tolas instituições humanas. Na medida do possível, deveríamos ter como
objetivo a melhoria das instituições humanas, a fim de aumentar as
possibilidades de previsão correta. Todavia, acima de tudo, deveríamos
proporcionar o máximo de oportunidades para que indivíduos que não
conhecemos aprendessem fatos que nós mesmos ainda desconhecemos e
utilizassem este conhecimento em suas ações.
E é graças aos esforços harmônicos de muitas pessoas que se pode
utilizar uma quantidade de conhecimento maior do que aquela que um
indivíduo isolado pode acumular ou do que seria possível sintetizar
intelectualmente. E graças a essa utilização do conhecimento disperso é
que se tornam possíveis realizações superiores às que uma mente isolada
poderia prever.
É justamente porque liberdade significa renúncia ao controle direto
dos esforços individuais que uma sociedade livre pode fazer uso de um
volume muito maior de conhecimentos do que aquele que a mente do mais
sábio governante poderia abranger.
As chances de erro
A partir destas premissas básicas sobre as quais se fundamenta a
justificativa da liberdade, segue-se que não poderemos alcançar suas
metas se limitarmos o uso da liberdade apenas àquelas circunstâncias
especiais nas quais sabemos que ela será benéfica. Não é liberdade
aquela concedida somente quando seus efeitos benéficos são conhecidos de
antemão.
Se soubéssemos de que forma a liberdade seria usada, não teríamos
necessidade de justificá-la. Nunca conseguiremos os benefícios da
liberdade, nunca alcançaremos os avanços imprevisíveis que ela
possibilita, se ela não for também concedida nos casos em que sua
utilização parecer indesejável.
Portanto, não se pode alegar como argumento contra a liberdade
individual que as pessoas frequentemente abusam dessa liberdade.
Liberdade significa, necessariamente, que cada um acabará agindo de uma
forma que poderá desagradar aos outros.
Nossa fé na liberdade não se baseia nos resultados previsíveis em
determinadas circunstâncias, mas na convicção de que ela acabará
liberando mais forças para o bem do que para o mal.
Segue-se, também, que a importância de termos liberdade de ação não
está de modo algum relacionada com a perspectiva de nós, ou a maioria,
estarmos, algum dia, em condições de utilizar tal possibilidade.
Conceder apenas o grau de liberdade que todos têm a possibilidade de
exercer significaria interpretar sua função de modo totalmente errado.
Por esse raciocínio errôneo, a liberdade utilizada apenas por um
homem entre um milhão pode ser mais importante para a sociedade e mais
benéfica para a maioria do que qualquer grau de liberdade que todos nós
poderíamos desfrutar. Poder-se-ia dizer até que, quanto menor a
oportunidade de se fazer uso da liberdade para determinado fim, mais
preciosa ela será para a sociedade como um todo. Quanto menor a
oportunidade, tanto mais grave será perdê-la quando surgir, pois a
experiência que oferece será quase única.
Por outro lado, é provavelmente correto dizer que a maioria não se
interessa diretamente senão por uma parcela mínima das coisas
importantes que uma pessoa deveria ter liberdade de fazer. A liberdade é
tão importante justamente porque não sabemos como os indivíduos a
usarão. Se não fosse assim, também seria possível chegar aos resultados
da liberdade se a maioria decidisse o que os indivíduos deveriam fazer.
Mas a ação da maioria está necessariamente restrita ao que já foi
testado e averiguado, a questões que já obtiveram o consenso no processo
de análise que deve ser precedido por diferentes experiências e ações
de indivíduos diferentes.
Liberdade para o desconhecido
Os benefícios que a liberdade me concede são, assim, em grande parte,
o resultado do uso que outros fazem dela e, principalmente, dos usos
dos quais eu nunca me poderia valer. Por isso, o mais importante para
mim não é necessariamente a liberdade que eu próprio posso exercer. É
muito mais importante que alguém possa experimentar tudo do que a
possibilidade de todos fazerem as mesmas coisas.
Não é porque gostamos de poder fazer determinadas coisas, nem porque
consideramos algum tipo de liberdade essencial à nossa felicidade, que
temos direito à liberdade. O instinto que nos faz reagir contra qualquer
restrição física, embora seja um aliado útil, nem sempre representa
padrão seguro para justificar ou delimitar a liberdade. O importante não
é o tipo de liberdade que eu próprio gostaria de exercer e sim o tipo
de liberdade de que alguém pode necessitar para beneficiar a sociedade.
Só poderemos assegurar essa liberdade a uma pessoa desconhecida se a
conferirmos a todos.
Os benefícios da liberdade não são, portanto, limitados aos homens
livres — ou, pelo menos, um homem não se beneficia apenas daqueles
aspectos da liberdade dos quais ele próprio tira vantagem. Não há dúvida
de que, ao longo da história, maiorias não-livres se beneficiaram com a
existência de minorias livres, e as sociedades não-livres de hoje se
beneficiam daquilo que podem obter e aprender de sociedades livres.
Evidentemente, os benefícios que obtemos com a liberdade de outros
tornam-se maiores na medida em que cresce o número daqueles que podem
exercer a liberdade.
A tese que justifica a liberdade para alguns aplica-se, portanto, à
liberdade para todos. Mas é ainda melhor para todos que alguns sejam
livres do que ninguém; e, também, bem melhor que muitos possam gozar de
plena liberdade do que todos terem uma liberdade restrita.
O mais significativo é que a importância da liberdade de agir de
determinada maneira nada tem com o número de pessoas que querem agir
assim: a proporção poderia ser inversa. Uma consequência disto é que uma
sociedade pode ser tolhida por controles, embora a grande maioria possa
não se dar conta de que a sua liberdade foi restringida de forma
considerável. Se agíssemos a partir do pressuposto de que só é
importante o uso que a maioria venha a fazer da liberdade, estaríamos
criando uma sociedade estagnada com todas as características da falta de
liberdade.
A natureza das mudanças
As inovações imprevistas que aparecem constantemente ao longo do
processo de adaptação consistirão, primeiramente, em novos arranjos ou
modelos, em que se encontram coordenados os esforços de diferentes
indivíduos, e em novas organizações para o uso de recursos, por natureza
tão passageiras quanto as condições específicas que permitiram seu
aparecimento.
Haverá, em segundo lugar, modificações de instrumentos e de
instituições, adaptadas às novas circunstâncias. Algumas delas serão
também meras adaptações temporárias às condições do momento, enquanto
outras constituirão melhoramentos que, por aumentar a versatilidade dos
instrumentos e hábitos existentes, serão mantidos.
Estes últimos representarão uma adaptação melhor, não apenas às
circunstâncias específicas de tempo e espaço, mas a uma característica
permanente do nosso meio. Nestas "formações" espontâneas está
incorporada uma percepção das leis gerais que governam a natureza. Esta
incorporação cumulativa da experiência em instrumentos e formas de ação
permitirá uma evolução do conhecimento explícito, de normas genéricas
expressas que podem ser transmitidas pela linguagem de uma pessoa a
outra.
Este processo de surgimento do novo pode ser mais bem entendido na
esfera intelectual quando seu resultado são idéias novas. Neste campo, a
maioria de nós percebe pelo menos alguns estágios individuais do
processo; sabe necessariamente o que está ocorrendo e, por esta razão,
em geral, reconhece a necessidade de liberdade. A maioria dos cientistas
compreende que não podemos planejar o avanço do conhecimento, que na
busca rumo ao desconhecido — e é isso que constitui a pesquisa —
dependemos, em grande parte, dos caprichos dos gênios e das
circunstâncias, e que o avanço científico, assim como uma idéia nova que
surge na mente de um indivíduo, será a consequência de uma combinação
de conceitos, hábitos e circunstâncias que a sociedade proporciona a um
indivíduo, resultando tanto de acasos felizes quanto de um esforço
sistemático.
Como percebemos mais facilmente que nossos avanços na esfera
intelectual muitas vezes são fruto do imprevisto e do não-planejado,
somos levados a exagerar a importância da liberdade de pensamento e a
ignorar a importância da liberdade de ação. Mas a liberdade de pesquisa e
de opinião e a liberdade de expressão e discussão, cuja importância é
plenamente compreendida, são significativas somente no último estágio do
processo de descoberta de novas verdades.
Enaltecer o valor da liberdade intelectual, em detrimento do valor da
liberdade de ação, equivaleria a tomar o topo de um edifício como o
todo. Novas idéias devem ser discutidas, diferentes pontos ajustados,
pois estas idéias e pontos de vista surgem dos esforços, em
circunstâncias sempre novas, de indivíduos que se valem, em suas tarefas
concretas, dos novos instrumentos e formas de ação que eles
assimilaram.
A complexidade do progresso
O aspecto não intelectual deste processo — a formação do ambiente
material modificado, no qual o novo emerge — exige, para a sua
compreensão e apreciação, um esforço de imaginação bem maior do que os
fatores destacados pela perspectiva intelectualista.
Embora às vezes possamos identificar os processos intelectuais que
conduziram a uma idéia nova, provavelmente nunca poderíamos reconstituir
a sequência e a combinação das contribuições que não levaram à
aquisição do conhecimento explícito; provavelmente nunca poderíamos
reconstituir os hábitos adequados e as aptidões que foram empregadas, os
meios e as oportunidades utilizadas e o ambiente peculiar dos atores
principais que permitiram aquele resultado.
As nossas tentativas de compreender essa parte do processo não podem
ir além de mostrar, em modelos simplificados, as forças que nele operam e
de indicar o princípio geral e não o caráter específico das influências
que atuam no caso. Os homens sempre se preocupam apenas com o que
sabem. Portanto, as características que, durante o processo, não são
conhecidas ao nível da consciência costumam ser ignoradas e
provavelmente nunca podem ser identificadas em detalhe.
Na realidade, estas características inconscientes, além de geralmente
desprezadas, muitas vezes são consideradas um obstáculo e não uma
contribuição ou uma condição essencial. Por não serem "racionais", no
sentido de serem utilizadas em nosso raciocínio, frequentemente são
consideradas irracionais, contrárias à ação inteligente.
Todavia, embora a maior parte dos elementos não-racionais que afetam
nossa ação possa ser irracional neste sentido, a maioria dos "meros
hábitos" e "instituições sem sentido", que usamos e pressupomos em
nossas ações, representa condições essenciais para a realização de
nossos objetivos, constituindo formas de adaptação da sociedade que já
demonstraram sua eficácia e utilidade, que estão sendo constantemente
aperfeiçoadas e das quais depende a dimensão daquilo que podemos
realizar. Embora seja importante descobrir suas falhas, nem por um
momento poderíamos ir em frente sem confiar nelas constantemente.
A maneira pela qual aprendemos a organizar nosso dia, a nos vestir, a
comer, a arrumar nossas casas, a falar, a escrever e a utilizar outros
incontáveis instrumentos e implementos da civilização, sem esquecer a
experiência prática (o know-how) da produção e do comércio, dá-nos
constantemente os fundamentos nos quais se devem basear nossas próprias
contribuições ao processo de civilização.
E, no novo uso e aperfeiçoamento dos instrumentos que nos são
oferecidos pela civilização, surgem as novas idéias que serão empregadas
finalmente na esfera intelectual.
Embora o uso consciente do pensamento abstrato, uma vez iniciado,
tenha até certo ponto uma vida própria, não poderia perdurar e
desenvolver-se por muito tempo sem os desafios constantes que se
apresentam, pois os indivíduos são capazes de agir de uma maneira nova,
de experimentar outras maneiras de fazer as coisas e de mudar toda a
estrutura da civilização, na tentativa de se adaptar à mudança.
O processo intelectual é, com efeito, apenas um processo de
elaboração, seleção e eliminação de idéias já formadas. E o fluxo de
novas idéias nasce, em grande parte, da esfera na qual a ação, muitas
vezes não racional, e acontecimentos materiais se influenciam
reciprocamente. Este fluxo estancaria se a liberdade fosse confinada à
esfera intelectual.
A importância da liberdade, portanto, não depende do caráter elevado
das atividades que ela torna possíveis. A liberdade de ação, mesmo nas
coisas simples, é tão importante quanto a liberdade de pensamento.
Tornou-se um senso comum desmerecer a liberdade de ação apelidando-a de
"liberdade econômica". Mas o conceito de liberdade de ação é muito mais
amplo do que o de liberdade econômica (o qual ela engloba).
E, o que é mais importante, é extremamente duvidoso que haja ações
que possam ser consideradas meramente "econômicas" e que as restrições à
liberdade possam ficar limitadas aos chamados aspectos "econômicos".
Considerações econômicas são apenas aquelas pelas quais conciliamos e
ajustamos nossos diferentes objetivos, nenhum dos quais, em última
análise, é econômico (exceto os do avarento ou do homem para o qual
ganhar dinheiro se tornou um fim em si mesmo).
Os objetivos são abertos
O que dissemos até agora se aplica, em grande parte, não apenas ao
uso dos meios para a realização dos objetivos individuais, mas também a
estes mesmos objetivos.
Uma sociedade é livre, entre outras razões, porque as aspirações dos
indivíduos não são limitadas, uma vez que o esforço consciente de alguns
indivíduos pode gerar novos objetivos, que posteriormente serão
adotados pela maioria. Devemos reconhecer que mesmo o que agora
consideramos bom ou bonito pode mudar — se não de uma forma perceptível
que nos permita adotar uma posição relativista, pelo menos no sentido de
que, em muitos aspectos, não sabemos o que será bom ou bonito para
outra geração.
Também não sabemos por que consideramos isto ou aquilo bom, nem quem
está com a razão quando há divergência acerca do que é bom ou não. Não
somente em termos do seu conhecimento, mas também em termos dos seus
objetivos e valores, o homem é um produto da civilização; em última
análise, é a importância destas aspirações individuais para a
perpetuação do grupo ou da espécie que determinará se persistirão ou
mudarão.
Evidentemente, é um erro acreditar que podemos tirar conclusões
acerca da qualidade dos nossos valores apenas porque compreendemos que
são produto da evolução. Mas dificilmente poderíamos duvidar que estes
valores são criados e alterados pelas mesmas forças evolutivas que
produziram nossa inteligência. Podemos apenas saber que a decisão final a
respeito do que é bom ou ruim não caberá à sabedoria de indivíduos, mas
à decadência dos grupos que adotaram idéias "erradas".
Medidas de sucesso
É na busca dos objetivos a que o homem se propõe em determinado
momento que podemos comprovar se os instrumentos da civilização são
adequados; os ineficazes serão abandonados e os eficientes mantidos. Mas
não se trata apenas do fato de que, com a satisfação de necessidades
antigas e com o aparecimento de novas oportunidades, surgem
constantemente novas finalidades. O sucesso e a perpetuação deste ou
daquele indivíduo ou grupo dependem tanto dos objetivos por eles
perseguidos, dos valores que governam suas ações, como dos instrumentos e
da capacidade de que dispõem.
A prosperidade ou extinção de um grupo dependerá tanto do código de
ética ao qual obedece, ou dos ideais de beleza e felicidade a que se
atém, como do grau em que aprendeu, ou não, a satisfazer suas
necessidades materiais.
Em qualquer sociedade, certos grupos podem ascender ou declinar de
acordo com as metas que perseguem e os padrões de conduta que observam. E
as metas do grupo que teve êxito tenderão a ser adotadas pelos demais
membros da sociedade.
Na melhor das hipóteses, podemos entender somente em parte a razão
pela qual os valores que defendemos ou as normas éticas que observamos
contribuem para a perpetuação da nossa sociedade. E nem podemos ter
certeza de que, em condições de mudança constante, todas as normas que,
comprovadamente, contribuem para a consecução de um determinado fim
continuarão desempenhando esta função.
Embora se costume supor que todo padrão social estabelecido
contribui, de certa forma, para preservar a civilização, o único meio de
confirmá-lo será averiguar se, concorrendo com os padrões adotados por
outros grupos ou indivíduos, ele continua a se mostrar adequado.
A concorrência permite alternativas
A concorrência, na qual se baseia o processo de seleção, deve ser
entendida no seu mais amplo sentido. Ela implica não apenas a
concorrência entre indivíduos como também a concorrência entre grupos
organizados e não organizados. Encará-la como algo que se contrapõe a
cooperação ou a organização seria interpretar incorretamente sua
natureza.
O esforço para conseguir certos resultados mediante a cooperação e a
organização é tão inerente à concorrência quanto os esforços
individuais. A distinção relevante não está entre a ação individual e a
ação de grupo mas, por um lado, entre as condições em que seja possível
experimentar alternativas, baseadas em diferentes pontos de vista ou
métodos, e, por outro lado, as condições nas quais um organismo detém o
direito exclusivo e o poder de impedir que outros participem.
Somente quando tais direitos exclusivos são conferidos na
pressuposição de que certos indivíduos ou grupos possuem conhecimento
superior, o processo deixa de ser experimental e as convicções que
prevalecem em dado momento podem tornar-se um obstáculo ao progresso do
conhecimento.
Defender a liberdade não significa opor-se à organização — que
constitui um dos meios mais poderosos que a razão humana pode empregar
—, mas opor-se a toda organização exclusivista, privilegiada ou
monopolística, ao emprego da coerção para impedir que outros tentem
apresentar melhores soluções.
Toda organização baseia-se em certos conhecimentos; organização
significa dedicação a um objetivo específico e a métodos específicos,
mas até a organização destinada a aumentar o conhecimento só será
eficiente na medida em que o conhecimento e as convicções nas quais seu
plano se baseia forem verdadeiros.
E, se qualquer fato vier a contradizer as convicções nas quais está
alicerçada a estrutura da organização, isto só se tornará evidente se
ela fracassar e for suplantada por outro tipo de organização. A
organização, por este motivo, poderá ser benéfica e eficiente enquanto
for voluntária e se der em uma esfera livre, e terá de se ajustar a
circunstâncias que não foram consideradas em sua concepção, ou então
fracassar.
Transformar toda a sociedade em uma única organização, criada e
dirigida conforme um único plano, equivaleria a extinguir as próprias
forças que formaram as mentes humanas que a planejaram.
Vale a pena parar por um momento e analisar o que aconteceria se
fosse empregado em todas as ações somente aquilo que o consenso geral
considerasse o conhecimento mais avançado. Se fossem proibidas todas as
tentativas que parecessem supérfluas à luz do conhecimento aceito pela
maioria, e se se indagasse apenas a respeito das coisas consideradas
significativas pela opinião dominante ou se realizassem apenas as
experiências ditadas por esta opinião, a humanidade chegaria talvez a um
ponto em que seu conhecimento permitiria prever as consequências de
todas as ações comuns e evitar todas as desilusões ou fracassos.
Então, aparentemente, o homem teria sujeitado seu ambiente à sua
razão, pois somente empreenderia aquelas tarefas cujos resultados fossem
totalmente previsíveis. Poderíamos imaginar que a civilização teria
deixado de evoluir, não por se terem esgotado as possibilidades de um
crescimento futuro, mas porque o homem teria conseguido sujeitar tão
completamente todas as suas ações e o meio ambiente imediato ao seu
nível de conhecimento, que novos conhecimentos não teriam qualquer
oportunidade de surgir.
O racionalista que deseja sujeitar tudo à razão humana encontra-se,
assim, diante de um verdadeiro dilema. O uso da razão visa ao controle e
à possibilidade de previsão. Mas o processo evolutivo da razão
baseia-se na liberdade e na imprevisibilidade da ação humana.
Aqueles que exaltam os poderes da razão humana normalmente veem
apenas um lado da interação do pensamento e da conduta, na qual a razão
atua na prática e, ao mesmo tempo, é modificada por esta prática. Eles
não percebem que, para haver progresso, o processo social que
possibilita a evolução da razão deve permanecer livre do seu controle.
Congelando o processo
Resta pouca dúvida de que o homem deve parte de seus maiores sucessos
ao fato de não ter sido capaz de controlar a vida social. Seu avanço
contínuo provavelmente dependerá de sua renúncia deliberada aos
controles que agora estão em seu poder.
No passado, as forças evolutivas espontâneas, embora muito limitadas
pela coerção organizada do estado, ainda podiam afirmar-se contra este
poder. Dados os meios tecnológicos de controle hoje à disposição do
governo, talvez já não seja possível afirmar isso; de qualquer forma, em
breve poderá tornar-se impossível.
Não estamos longe do momento em que as forças deliberadamente
organizadas da sociedade poderão destruir as forças espontâneas que
tornaram possível o progresso.
BLOG ORLANDO TAMBOSI

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