Caso permita que a China leve adiante seu ambicioso projeto tecnológico,
o mundo estará numa posição mais vulnerável como jamais esteve. Artigo
de Bruno Garschagen, via Oeste:
China Standards 2035 é o nome do ambicioso plano tecnológico que o
governo comunista chinês pretende lançar até o fim de 2020, projetado
para ser desenvolvido ao longo de 15 anos. Com ele, o regime quer
estabelecer os padrões da próxima geração de tecnologia a ser usados no
mundo inteiro, de big data a internet das coisas, de inteligência
artificial a 5G. Até o momento, são empresas privadas que desenvolvem
esse tipo de tecnologia, não governos.
Junto com suas prepostas Huawei, China Telecom e China Unicom,
empresas chinesas que fingem ser privadas, o governo comunista já havia
proposto em 2019, na conferência da União Internacional de
Telecomunicações (UIT), agência da Organização das Nações Unidas (ONU),
um novo padrão para o IP (sigla em inglês para protocolo de internet)
que colocaria o regime chinês em outro patamar de influência econômica e
política global.
Segundo reportagem do jornal Financial Times [https://on.ft.com/35iTRGt],
que teve acesso aos documentos da reunião, para além da promessa de
revolução tecnológica provocada pelo “novo IP”, o problema é a
possibilidade do controle estatal da internet. E, sendo o responsável
pela tecnologia, o regime chinês teria condições de controlar os
governos que conseguiriam controlar os indivíduos. Sem dúvida, um
negócio da China.
Países conhecidos por controlar sua sociedade — Rússia, Arábia
Saudita e Irã — já estariam interessados em adotar o “novo IP”. Mas
governos de países ocidentais estão preocupados com esse tipo de uso que
a tecnologia chinesa permite. Um representante do governo do Reino
Unido presente à reunião disse ao Financial Times que existe uma grande
batalha antagonizando duas visões a respeito de como a internet deve
ser: 1) a que defende uma internet livre e sem controle estatal; e 2) a
que sonha com uma internet muito mais regulada e controlada pelos
governos.
Autora do recomendável livro The Age of Surveillance Capitalism, a
cientista social da Universidade Harvard Shoshana Zuboff qualificou o
projeto de assustador e afirmou ao jornal que o regime chinês pretende
controlar a internet por meio de sua própria infraestrutura tecnológica.
Paralelamente, por meio de seu banco central, o regime comunista está testando uma moeda digital estatal.
Trata-se de uma criação que perverte o espírito que deu origem às
moedas digitais: estar livre do — e protegida contra o — controle dos
governos. A justificativa do governo chinês é bonita, mas só sendo muito
ingênuo para acreditar que o objetivo é controlar a inflação e proteger
a privacidade dos usuários. Se os chineses já são submetidos a esse
controle por meio da moeda tradicional, o grau de intervenção com a
moeda digital será ainda maior.
Segurança de dados e proteção da privacidade de seus usuários são
duas das grandes preocupações de especialistas e representantes de
governos ocidentais diante da implantação de redes 5G (melhores e mais
baratas) pela empresa chinesa Huawei. O presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump, tem se colocado contra e pressionado países aliados a
fazer o mesmo.
Austrália e Japão seguiram a orientação norte-americana, mas dois
aliados, porém, aceitaram a participação da Huwaei, mesmo com
restrições. No Reino Unido, após intenso debate no Parlamento, o governo
permitiu que “fornecedores de alto risco”, caso da empresa chinesa, só
pudessem suprir equipamentos no limite de 35% das redes para
determinadas partes da infraestrutura de comunicação sem fio (antenas e
estações). Essa foi a solução encontrada para contar com a tecnologia
chinesa sem que isso representasse um problema de segurança — algo que
só saberemos, de fato, no futuro.
No caso do Brasil, documento publicado no fim de março pelo Gabinete
de Segurança Institucional (GSI) não vetou nem limitou a participação da
Huwaei.
Todas as empresas interessadas poderão disputar o leilão, que será
realizado até o fim do ano, mas deverão cumprir os requisitos de
segurança estabelecidos pelo GSI, assim como estarem sujeitas a
auditagens completas que serão realizadas por um órgão do governo
brasileiro. As regras também impedem a criação de monopólio e obrigam as
empresas a se responsabilizar juridicamente caso haja vazamento de
dados.
E o presidente Jair Bolsonaro, que era bastante crítico a
investimentos da China no Brasil, passou a ser favorável somente depois
de reunião com o presidente chinês, Xi Jinping, no ano passado. O
interesse da China pelo Brasil é enorme. Os investimentos aqui somaram
US$ 3 bilhões em 2018, segundo relatório do Conselho Empresarial
Brasil-China (CEBC). Os chineses investiram naquele ano nos segmentos de
energia elétrica, usinas hidrelétricas, insumos agrícolas e grãos,
engenharia consultiva, corretora e plataforma de investimentos,
aplicativo de transporte. Já tinham negócios em infraestrutura, venda de
combustível, distribuição de produtos petrolíferos, produção de
baterias para veículos elétricos, fabricação de eletrodomésticos. A
tendência é que o interesse econômico se mantenha.
De qualquer forma, tanto no caso do Brasil quanto do Reino Unido, só o
tempo dirá se as regras definidas para a participação da Huwaei no 5G
foram suficientes para impedir qualquer eventual acesso ou tentativa de
uso de dados pelo regime comunista chinês, que parece querer estabelecer
uma engenhosa distopia tecnológica que, talvez, nem os escritores
George Orwell, Aldous Huxley ou Ray Bradbury pudessem descrever.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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