É desejável, inclusive
nos temos da Constituição, que os presidentes dos três Poderes tenham
relacionamento harmonioso. Mas confraternizar ultrapassa os limites do
relacionamento desejável. Carlos Brickmann, em sua coluna de domingo:
O problema do
noticiário político do Brasil é um só: os analistas, tanto da
Universidade como da imprensa, insistem em levar as notícias a sério.
Não dá. É como criticar uma piada porque peixe não fala. Na piada, fala,
sim.
Neste momento,
Bolsonaro e o presidente do Supremo, Dias Tóffoli, estão em lua de mel.
Tóffoli participou do pacto de Bolsonaro com Rodrigo Maia “para
destravar o Brasil”. Maia, que é do ramo, sabe que esse tal pacto não é
para levar a sério. Mas Tóffoli está animado. Depois do café da manhã
com Bolsonaro e Maia, ficou novamente ao lado do presidente, que recebia
deputadas e senadoras. Ouviu impassível quando Bolsonaro, depois de
elogiá-lo (“uma pessoa excepcional”), disse: “É muito bom termos a
Justiça ao nosso lado”. E completou fazendo com as mãos uma imitação de
coração.
Tudo muito bom, tudo
muito bem, mas acontece que, mais cedo ou mais tarde, alguma medida de
Bolsonaro “para destravar o Brasil” irá chegar ao Supremo. Como Tóffoli
poderá participar do julgamento, ele que é “a Justiça ao lado” de
Bolsonaro? E, caso se declare impedido, tudo o que o presidente fez para
atraí-lo não terá tido nenhum resultado. Muito esforço para nada.
É desejável,
inclusive nos temos da Constituição, que os presidentes dos três Poderes
tenham relacionamento harmonioso. Mas confraternizar ultrapassa os
limites do relacionamento desejável. Pode caber ao Supremo o julgamento
de Flávio, o filho 01. Amizade, vá lá. Amizade colorida, não dá.
Não é, mas continua sendo
Outra novela curiosa é
o tal fim do Centrão. Depois que o Centrão foi até alvo de
manifestantes que apoiam o Governo, ninguém mais é do bloco. Os
principais dirigentes do partido, inclusive o presidente ACM Neto,
sustentam que Centrão era o grupo de políticos que girava em torno de
Eduardo Cunha. Rodrigo Maia? Imagine! A eleição de Rodrigo Maia eliminou
os últimos vestígios do Centrão. Aliás, o PR também não é Centrão.
Mudou de nome e hoje é PL. O cacique é o mesmo, Valdemar Costa Neto. Mas
são personagens diferentes. O Valdemar do PR talvez fosse Centrão, o do
PL não é. Simples.
O morto-vivo
Aliás, o extinto
Centrão, embora já não exista mais, continua operando como se existisse.
Coisas de nossa estranha vida política, se levada a sério.
Bico longo, penas coloridas
O governador de São
Paulo, João Doria Jr., acaba de assumir o controle do PSDB. Seu
candidato, o deputado pernambucano Bruno Araújo, se elegeu presidente do
partido. Toda a análise política é sobre o “novo PSDB”, que Doria “vai
levar para a direita, abandonando a tradicional postura tucana de
centro-esquerda”. Pois é.
Mas, tirando o
afastamento da antiga geração, toda com mais de 70 anos, do comando
partidário, não há mudança. Doria surgiu na política há 40 anos, na
campanha de Franco Montoro para o Senado. Foi um dos marqueteiros na
eleição de Montoro para o Governo. Com Mário Covas como prefeito
nomeado, dirigiu a Paulistur. Foi indicado por Sarney para dirigir a
Embratur. Quem o lançou candidato a prefeito foi Alckmin. Seu vice era
Bruno Covas, aliado até hoje, o neto de Mário Covas. É tucano de ponta a
ponta. Não muda nada. PSDB é PSDB, para o bem ou para o mal. O que muda
é a formação: Doria é melhor empresário que a média tucana, e tem menos
diplomas universitários. Quem diz que ele é recém-chegado ao partido
não pode ser levado a sério.
Em nome de Deus
Já a frase de
Bolsonaro diante de fiéis da Assembleia de Deus tem de ser levada a
sério: ele perguntou ao público se já não estava na hora de haver um
ministro evangélico no STF. A Constituição fala em notável saber
jurídico e ilibada reputação. Não se refere em nenhum momento à filiação
religiosa de Suas Excelências. Nem para favorecer, nem para prejudicar.
Se alguém tiver ilibada reputação e notável saber jurídico, suas
convicções religiosas não importam.
Mas, se quiser,
Bolsonaro pode nomear um jurista evangélico para o STF. Basta desistir
da nomeação de Moro em favor de um evangélico de notável saber jurídico e
ilibada reputação (e que, aliás, não permitiria que a religião
influenciasse seus votos – mesmo no caso que interessa ao presidente,
contrário a tornar a homofobia um crime). Ou convença Sérgio Moro a
adotar a vertente evangélica do cristianismo, e então nomeá-lo. Fora
isso, estará só fazendo demagogia para buscar mais apoio dos
evangélicos.
O original era melhor
E é difícil levar a
sério a política quando o ministro da Educação aparece num vídeo
simulando uma cena de Cantando na Chuva, o clássico musical lançado em
1952. Qual a mensagem que Sua Excelência queria transmitir?
Não importa: qualquer
que fosse, a cena da dança na chuva protagonizada por um ministro a
abafaria. Para este colunista, que acha importante manter a liturgia do
cargo, a única conclusão a que se pode chegar é que a dança original,
com Gene Kelly, foi muito melhor que a do ministro.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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