A reação
atrasada – mas muito bem-vinda – do governo federal em anunciar o
emprego das forças federais de segurança para restabelecer a legalidade
no país parece estar surtindo efeito. Ainda na tarde desta sexta-feira
(25), na esteira desse anúncio, a Associação Brasileira dos
Caminhoneiros (Abcam) já tinha divulgado uma nota para pedir aos caminhoneiros parados nas estradas que
“retirem as interdições nas rodovias, mas, mantendo as manifestações de
forma pacífica, sem obstrução das vias”. Um respiro de razoabilidade.
No início da noite, as autoridades federais detalharam a estratégia para
garantir as necessidades básicas do país, que não pode ficar refém do
movimento. Além disso, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF), respondendo a um pedido formulado mais cedo pelo
governo, autorizou o uso de força e a imposição de multas sobre caminhoneiros, empresas e entidades que dificultem a desobstrução de estradas.
A reação
das autoridades restabelece o primado da lei no país. A Constituição e a
legislação garantem o direito de greve, mas a Lei 7.783/1989 (Lei de
Greve) proíbe a prática de locaute, a “greve patronal”. Da mesma forma, a
lei garante, seguindo a trilha do artigo 9º da Constituição Federal, o
“atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”, por meio da
manutenção de atividades essenciais, como o tratamento e o abastecimento
de água, a produção e a distribuição de energia elétrica, gás e
combustíveis, a assistência médica e hospitalar e a distribuição de
medicamentos e alimentos. Essas regras refletem a compreensão de que as
pessoas podem exercer seu direito de greve, mas não abusar dele,
desrespeitando os direitos de outras pessoas, muito menos colocando em
risco a vida alheia.
Em
coletiva de imprensa, os ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, da
Segurança Pública, Raul Jungmann, e do Gabinete de Segurança
Institucional, Sérgio Etchegoyen, anunciaram que o governo editou um
decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com vigência prevista até o
próximo dia 04, para garantir o abastecimento de serviços essenciais à
população. As forças federais de segurança e o Exército poderão impedir o
bloqueio de rodovias, garantir o acesso às refinarias, transportar
combustíveis e assegurar o transporte de outros itens de necessidade
básica. A medida respeita requisitos da necessidade e da
proporcionalidade, garantindo o acesso a gêneros de primeira
necessidade, previsto em lei, sem impedir o direito de manifestação dos
motoristas. Tampouco se podem esquecer das relações contratuais
desrespeitadas pela paralisação. Quem teve perdas materiais, como
produtos estragados, e sofreu com danos morais, como a perda de uma
viagem importante, pode acionar os responsáveis na Justiça.
Os fins não justificam os meios
As
autoridades anunciaram que a Polícia Federal está investigando 20
empresários pela prática de locaute. Ainda segundo os ministros, o
presidente Michel Temer também vai editar um decreto de requisição de
bens, com base no inciso XXV ao artigo 5º da Constituição Federal, para
que as forças de segurança possam, se houver necessidade, usar veículos
privados dessas empresas investigadas. O bem comum pode requerer, e a
Constituição autoriza, essa medida extraordinária, e o governo teve
mesmo o cuidado de anunciar que não vai requisitar caminhões dos
motoristas autônomos.
A
situação do país caminhava para um quadro grave. Caminhões com produtos
químicos para tratar água estavam parados em bloqueios, o presidente do
Sindicato e da Federação dos Hospitais, Clínicas de Laboratórios do
estado de São Paulo já alertava para a falta de insumos hospitalares e
oxigênio nos hospitais, a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e
Drogarias (Abrafarma) alertou para a falta de medicamentos e chega a
falar energia em alguns municípios no estado de Rondônia. É preciso
resolver esses problemas com a máxima urgência e o poder público parece,
agora, empenhado nisso.
Todo
esse quadro reflete um fato básico da vida democrática, que temos
enfatizado neste espaço: a democracia não é mera vontade da maioria e
não existe sem Estado de Direito. Mobilizações populares não revogam a
ordem jurídica, e protestos e reivindicações devem respeitar os direitos
alheios e as instituições do país. Isso vale para protestos da
esquerda, da direita ou mesmo da massa de caminhoneiros sem
identificação clara com nenhum dos espectros políticos. Na democracia, a
correção dos procedimentos – balizada pela lei – importa. E os fins não
justificam os meios. Ainda é cedo para saber como esta greve/locaute
vai acabar, mas as decisões desta sexta-feira do governo federal e do
STF apontam para a direção correta.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário