sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
- Cansei!
(Osmar José de Barros Ribeiro)
Ontem, dia de Natal, tive o desprazer de assistir uma propaganda governamental dirigida aos incautos, aos que ainda acreditam em Papai Noel, feita com riqueza de recursos técnicos. Nela, trabalhadores envergando trajes bem talhados e máquinas operando a plena carga, deixavam a nu mais uma das muitas, das incontáveis mentiras com as quais o governo federal procura mostrar que, em lugar de estar afundado na mais triste mediocridade e na mais revoltante corrupção, trabalha em prol de um Brasil com o qual ainda há quem sonhe. Tratava-se da propaganda da tristemente famosa transposição do rio São Francisco. Obviamente, nada mais do que uma peça de propaganda eleitoral, totalmente fora de época, voltada para os nordestinos que amargam uma das secas mais inclementes das que assolam, periodicamente, o sertão em que vivem.
Como uma desgraça nunca vem só, artigo publicado naquele mesmo dia pelo O Estado de São Paulo com o título “As entranhas do bolsismo”, já dera uma ducha de água fria no entusiasmo natalino dos leitores. Seu autor, Zander Navarro, sociólogo e professor aposentado da UFRGS, em viagem de pesquisa, visitou várias áreas do nosso País, registrando uma série de observações que, por pertinentes, ressalto em itálico.
De início, uma nota algo alentadora, haja vista que o professor assinala haver encontrado sinais de continuidade do atraso histórico, mas iguais evidências, ainda embrionárias, de algum dinamismo social.
No parágrafo seguinte, um jovem agricultor, recém-casado e com um filho de seis meses, morando numa casa de barro, cultiva pequena roça de mandioca plantada em uma área desmatada. O jovem somente vende a farinha que produz se precisar de dinheiro, pois recebe uma bolsa do programa Mais Educação. ... “Sou professor de agroecologia”. Trata-se, no caso, de ensinar a preparação de “canteiros sustentáveis, plantar hortas sem veneno”, adiantando... que não foi treinado e, por isso, não sabe “ainda o que é agroecologia”. Trabalha um dia por semana na escola da comunidade e recebe R$600 mensais”.
Em outra área rural, o representante comunitário do programa Minha Casa, Minha Vida afirma que serão oferecidos empréstimos de R$35 mil, mas cada família pagará apenas R$1 mil, divididos em quatro anos, indicando um subsídio de 97% nas futuras moradias.
Dir-se-á que isso acontece no interior da Região Norte, historicamente desassistida pelos governos que se sucedem. Não é bem assim. Em Salvador/BA, uma candidata ao emprego de empregada doméstica, tudo acertado em termos de salário e horário, afirmou que não queria ter assinada a Carteira de Trabalho, para não perder o “auxílio-pesca” que recebe há quase dez anos, embora nunca tenha sido pescadora, acrescentando que em seu município de origem todos recebem o benefício federal, mesmo não sendo pescadores. Mora com o marido na capital, mas mantém o endereço anterior para continuar beneficiária. Pretendem se mudar para a cidade de Conde, pois lá ofereceriam adicionalmente uma cesta básica por mês.
Na famosa Reserva Extrativista Chico Mendes, a principal atividade não é o extrativismo, mas a pecuária de corte... Nem por isso muitos deixam de receber a Bolsa Verde....
Em outra reserva, no Alto Juruá, o líder da comunidade afirma: “O que mais se produz aqui é menino, pois é o que rende mais” – em referência ao recebimento de Bolsa Família e outros benefícios, como a bolsa que a mãe poderá pleitear do Programa Brasil Carinhoso.
Não se trata aqui, assinale-se, de ser contra ou a favor dessa pletora de auxílios, de bolsas e benefícios diversos e que, hoje, sem qualquer controle mais efetivo, foram transformados em apoio político ao partido ora no poder (já se fala em Projeto que tramita no Legislativo e apelidado de Bolsa Prostituta, iniciativa de uma senadora preocupadíssima com o desenvolvimento sociocultural das “meninas” e dos “meninos”). Trata-se, isso sim, de colocar ordem, transparência e moralidade num processo que, administrado corretamente e sem segundas intenções, terminará por estimular o desenvolvimento social do País.
Sem isso, a continuar a desordem instalada nos negócios públicos e à falta de objetivos claramente definidos, aos que ainda acreditam no Brasil, embora os exemplos e a conduta negativas de tantas e tantas autoridades, somente restará dizer, num misto de tristeza e profunda decepção:
-Cansei!
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