BLOG ORLANDO TAMBOSI
Para o pesquisador, o que leva à queda sustentável da pobreza não são ações governamentais de redistribuição de renda nem programas internacionais de ajuda, mas o crescimento econômico, que prospera nas economias de livre mercado e em sociedades que veem os empreendedores de sucesso como modelo e não como bode expiatório. Entrevista a José Fucs, do Estadão:
O historiador e sociólogo alemão Rainer Zitelmann,
de 66 anos, faz parte de uma estirpe rara de intelectuais, que
concentra seus estudos nos benefícios do capitalismo para o
desenvolvimento e a redução da miséria e não nos males que o sistema
supostamente causa para a sociedade, como a maioria de seus pares.
Autor do livro O capitalismo não é o problema, é a solução
(Ed. Almedina), publicado no Brasil em 2022, ele acabou de lançar uma
nova obra que aborda os efeitos positivos gerados pela liberdade
econômica no desenvolvimento e na redução significativa da miséria no
mundo nos últimos 40 anos. O novo livro – cujo título em português será
Como as nações superam a pobreza – deverá ser lançado no País em junho
pela mesma editora.
Nesta
entrevista ao Estadão, realizada por e-mail e complementada por
videoconferência, Zitelmann fala sobre a preocupação crescente com o
aumento da desigualdade social e sobre o trabalho produzido pelo
economista francês Thomas Piketty,
apresentado em detalhes no livro O capital no século 21, lançado em
2014, que se tornou uma referência internacional no assunto. “O que
representou, na interpretação de Piketty, o pior momento (em termos de
desigualdade) foi, na verdade, o melhor momento da história da
humanidade, porque a pobreza nunca caiu tão rapidamente quanto nas
últimas décadas”, afirma. “Eu estou interessado na pobreza e não na
desigualdade. O foco na desigualdade é coisa de gente invejosa.”
Segundo
Zitelmann, as sociedades que têm uma atitude positiva em relação aos
empreendedores bem-sucedidos alcançarão o sucesso de forma mais
consistente do que as que usam os ricos como bodes expiatórios. Confira a
seguir sua entrevista ao Estadão.
Em
seu novo livro, o sr. afirma que a liberdade econômica – e não as ações
governamentais de redistribuição de renda e os programas internacionais
de ajuda – é que promove a redução da pobreza no mundo. O que o leva a
dizer isso?
No
meu livro, eu menciono vários estudos científicos que chegaram à mesma
conclusão nas últimas décadas. A ajuda ao desenvolvimento é, na melhor
hipótese, ineficaz, e muitas vezes até contraproducente. Podemos
observar isso na África:
nenhum continente recebeu tanta ajuda para o desenvolvimento como a
África. Mas as pessoas lá ainda são extremamente pobres. Os países
asiáticos não receberam tanta ajuda. Seguiram um caminho diferente,
permitindo mais liberdade econômica. Veja os casos da Coreia do Sul, de Taiwan, de Cingapura e mesmo de países que se autodenominam socialistas, como a China e o Vietnã. Eles fizeram enormes progressos na luta contra a pobreza com a liberalização de suas economias.
O
sr. pode dizer de que forma a liberdade econômica beneficia os mais
pobres? Isso não é mais uma crença ideológica do que uma conclusão
baseada em fatos e na realidade?
Eu
sou historiador e sociólogo. Para mim, apenas os fatos contam. Eu olho
para a história para ver o que funciona e o que não funciona. Antes do
surgimento do capitalismo,
há 200 anos, 90% da população mundial viviam na pobreza extrema. Hoje,
menos de 9% vivem na miséria. Na China, 45 milhões de pessoas morreram
entre 1958 e 1962, em decorrência do “Grande Salto Adiante” implementado
por Mao Tsé-Tung (1893-1976),
que foi a maior experiência socialista da história. Na época da morte
de Mao, 88% da população chinesa viviam na extrema pobreza. Depois, veio
o Deng Xiaoping
(1904-1997), que introduziu a propriedade privada e implementou a
economia de mercado no país. Ele disse: “Deixem algumas pessoas ficar
ricas primeiro”. Resultado: o número de pessoas vivendo na miséria na
China hoje representa menos de 1% da população.
Como exatamente a liberdade leva à redução da pobreza e aos resultados que o sr. mencionou?
Liberdade
econômica significa deixar os empreendedores fazerem seus negócios,
ganharem dinheiro, ficarem ricos. Quando há liberdade na economia, o
resultado é o crescimento, que é a única forma de reduzir a pobreza.
Isso é o que muita gente não entende. Não é que o governo não precise
fazer nada. Mas, se o governo não estiver tão envolvido nas coisas e
deixar os empreendedores decidirem o que produzir e os consumidores, o
que consumir, a economia vai ganhar dinamismo, o país vai crescer e a
pobreza vai diminuir.
Muita
gente defende a ideia de que a redistribuição de renda é essencial para
reduzir a miséria e diz que a economia de livre mercado leva a mais
desigualdade. Em sua avaliação, a redistribuição de renda não é uma
forma de amenizar as dificuldades dos mais vulneráveis?
Vou
continuar no caso da China para responder a esta pergunta: sim, a
desigualdade hoje é maior do que era nos tempos de Mao. Não havia
bilionários na China naquela época. Hoje, há mais bilionários na China
do que em qualquer outro lugar do mundo, exceto nos Estados Unidos. Você
acha que os chineses querem voltar aos tempos de Mao, porque havia mais
igualdade naquela época? Durante minhas conversas na China, não
encontrei ninguém que quisesse isso. Eu estou interessado na redução da
pobreza e não na desigualdade. O foco na desigualdade é coisa de gente
invejosa.
No
livro “O capital no século 21″, publicado em 2014, o economista francês
Thomas Piketty mostra, com base em dados históricos, que houve um
grande aumento da desigualdade no mundo nas últimas décadas, e faz
críticas duras a esta situação. Qual a sua opinião sobre o trabalho e as
ideias de Piketty a respeito do questão da desigualdade?
As
teses de Piketty foram refutadas muitas vezes. Muitos dos números que
ele usa estão simplesmente errados, como já foi provado repetidas vezes.
Mas, mesmo que estivessem corretos, o que isso significaria? Ele diz,
em primeiro lugar, que a desigualdade diminuiu durante a maior parte do
século 20 . Aí, a partir da década de 1980, veio o que ele considera
como um momento ruim, quando a desigualdade aumentou. Mas o que, na
interpretação de Piketty, representou o pior momento foi, na verdade, o
melhor momento da história da humanidade, porque a pobreza nunca caiu
tão rapidamente como neste período. Nas últimas décadas, desde o fim do
comunismo na China e em outros países, o declínio da pobreza ocorreu
num ritmo inédito na história. Em 1981, 42,7% da população mundial
viviam na pobreza absoluta. Em 2000, o índice havia caído para 27,8% e
hoje é inferior a 9%. Então, como você poder ver, tudo depende do foco, a
desigualdade ou a pobreza, na análise da questão.
O
sr. afirma que, nos últimos 40 anos, US$ 568 bilhões fluíram para
África sem efeitos positivos e sustentáveis na redução da pobreza. Com
base no que o sr. diz isso? As ações realizadas com esse dinheiro todo
não ajudaram os mais pobres na África?
Não.
Sabemos disso pelos estudos que eu menciono no livro. A maior parte do
dinheiro vai para os chamados “projetos”, que às vezes até melhoram as
coisas no curto prazo, quando os recursos estão entrando. Mas, quando o
dinheiro para de entrar e os projetos chegam ao fim, tudo volta a ser
como antes. Além disso, grande parte do dinheiro fica nas mãos de elites
corruptas. Então, a ajuda para o desenvolvimento não é uma forma de
combater a pobreza. É uma forma de manter governos corruptos na África,
com recursos fornecidos pelos pagadores de impostos americanos e
europeus. Muito desse dinheiro vai também para as ONGs
que desenvolvem os projetos. Elas precisam crescer, para manter o
grande número de pessoas que empregam, e estão muito felizes com os
relatórios que produzem, a burocracia que produzem. Estão interessadas
principalmente na própria sobrevivência.
No
seu livro, o sr. usa os casos do Vietnã e da Polônia como exemplos de
países que reduziram de forma significativa a pobreza nos últimos 20 ou
30 anos, após a liberalização de suas economias. Na prática, como a
liberalização ajudou estes países a reduzir a miséria?
Em
1990, o Vietnã era o país mais pobre do mundo. O que a guerra não
destruiu, a economia planificada socialista destruiu. O PIB (Produto
Interno Bruto) per capita era de US$ 98, inferior até aos US$ 130 da Somália.
Mas, com as reformas pró-mercado lançadas pelos vietnamitas no fim da
década de 1980, o número de pessoas vivendo na pobreza extrema caiu de
cerca de 80% da população para 5%. A Polônia,
na década de 1980, era um dos países mais pobres da Europa. Depois, com
as reformas que abriram caminho para a economia de mercado, a Polônia
se tornou a campeã de crescimento na Europa por três décadas seguidas e
as condições de vida da população melhoraram muito.
Por
que o sr. escolheu o Vietnã e a Polônia como exemplos para o seu livro?
O que eles fizeram de diferente que os levou a ter resultados positivos
na redução da miséria?
Todos
os anos, desde 1995, a Heritage Foundation, dos Estados Unidos, publica
o Índice de Liberdade Econômica , que mostra o quão livre é um país do
ponto de vista econômico. Eu analisei todos os 177 países da lista para
ver onde tinham ocorrido os maiores ganhos em liberdade econômica. E em
nenhum outro país de dimensões equivalentes a liberdade aumentou tanto
quanto na Polônia e no Vietnã. Isso me deixou curioso. Aliás, o índice
de 2024 acabou de ser publicado e o Vietnã ganhou 13 posições em relação
a 2023, subindo da 72.ª para a 59.ª posição, num momento em que a
liberdade econômica se deteriorou em quase todo o mundo. Isso só
confirma minha análise. Tive também uma ligação pessoal com os dois
países, porque as duas mulheres com quem tive as relações mais longas da
minha vida vieram da Polônia e do Vietnã.
Os
dois países, o Vietnã e a Polônia, tinham uma economia planificada
antes da liberalização, na qual o Estado controlava quase tudo,
inclusive os preços dos bens e serviços. Muita gente acredita que a vida
das pessoas era melhor naquela época. O que o sr. pensa sobre isso?
No
meu livro, eu conto várias histórias sobre a vida cotidiana das pessoas
no Vietnã e na Polônia. Conto a história de crianças que tinham de
esperar horas na fila só para conseguir arroz – e, mesmo assim, não
recebiam o suficiente para saciar a elas e a suas famílias. Considerando
que os salários mensais das pessoas eram suficientes apenas para
garantir as despesas de subsistência de uma semana, quase todo mundo
tinha de encontrar fontes adicionais de ganho para compensar a escassez.
Em Hanói, era comum as famílias usarem um cômodo de seus apartamentos
para criar porcos. A criação de porcos era a melhor fonte de rendimento
extra que havia e a maioria das famílias destinava um quarto em um
apartamento de três quartos para os porcos, tendo de conviver com o
barulho e o mau cheiro, em condições de higiene terríveis.
No caso da Polônia, a situação era semelhante?
Na
Polônia, acontecia a mesma coisa. As pessoas tinham de esperar horas e
horas nas filas – e algumas vezes até dias – para comprar coisas para o
seu dia a dia. Muitas até pagavam para outras pessoas ficarem para elas
na fila. E, quando chegava a vez delas, acabavam comprando coisas que
nem precisavam, porque não sabiam se iriam faltar depois. De repente,
elas podiam até trocar esses produtos por outros, com outras pessoas. As
longas filas eram muito típicas do socialismo.
Na Polônia, havia também selos para comprar certos produtos que tinham
oferta limitada. Se você perdesse o selo, tinha de fazer uma dieta,
porque não podia repor. Estes são os melhores exemplos de que o sistema
não funcionava – e isso não aconteceu nos anos 1950 e 1960, no
pós-guerra, mas nos anos 1980.
Nestes
países, eu falei com muitas pessoas e também fiz muitas entrevistas.
Não queria que meu livro fosse apenas cheio de números, embora ele tenha
muitos dados. Queria que as pessoas tivessem uma palavra a dizer e
falassem sobre suas vidas naquela época e agora. E, como no caso da
China, não conheci ninguém no Vietnã e na Polônia que quisesse voltar
aos tempos da economia socialista.
No
caso da Polônia, o país conseguiu unir a liberdade econômica com a
democracia. Já o Vietnã manteve o sistema autoritário de partido único
que também se mantém na China, em Cuba e na Coreia do Norte. De que
forma isso influenciou o desenvolvimento econômico e a redução da
pobreza nos dois países?
No
Vietnã, em razão do regime de partido único, as reformas econômicas
foram mais fáceis de implementar do que na Polônia. É preciso
compreender que, num primeiro momento, as reformas tendem a piorar as
coisas. Na Polônia, não foi diferente. O desemprego, por exemplo, que
era camuflado nos tempos do comunismo, ganhou visibilidade. Numa
democracia, durante o período de transição, os meios de comunicação
social e os partidos politicos que se opõem à liberalização da economia
incitam as pessoas contra as reformas e defendem mais intervenção
estatal. É exatamente isso que estamos vendo agora na Argentina, após a eleição de Javier Milei para a presidência.
O
sr. poderia dar um exemplo de um país rico que empobreceu com a
implantação de um regime socialista, supostamente destinado a promover a
redução da desigualdade e da miséria?
Um exemplo emblemático é a Venezuela.
Nos anos 1970, a Venezuela era um dos países mais ricos do mundo. A
Venezuela era uma boa democracia, com uma economia de mercado dinâmica, e
as pessoas tinham um bom padrão de vida. Aí, com a ascensão do Hugo Chávez
(1954-2013), tudo mudou. Os primeiros dois ou três anos nem foram tão
ruins, porque ele teve a sorte de os preços do petróleo estarem em alta
no mercado internacional, garantindo recursos para bancar as ações
sociais. Mas aí o Chávez começou com as nacionalizações, os preços do
petróeo caíram e as coisas se deterioraram rapidamente. Mais de 25% da
população da Venezuela, o equivalente a 7,5 milhões de pessoas, fugiram
do país desde então. Se isso pôde acontecer num país como a Venezuela,
pode acontecer em qualquer lugar.
Quando
as coisas chegam no ponto em que chegaram na Venezuela, a insatisfação
da população não acaba levando a uma mudança no quadro?
Algumas
pessoas pensam que as coisas tem de se tornar muito, muito ruins para
surgir uma boa solução, mas isso não é verdade. A história não é um
filme de Hollywood com garantia de final feliz. As coisas também podem
se tornar piores, como aconteceu na Alemanha nos anos 1930, quando Adolph Hitler
chegou ao poder. Ninguém podia imaginar que algo terrível iria
acontecer, mas aconteceu. Com o Hugo Chávez, foi a mesma coisa. Eu me
lembro que os intelectuais de esquerda da Europa e dos Estados Unidos
estavam entusiasmados com o tal socialismo do século 21 defendido pelo
Chávez, porque finalmente tinham um exemplo de uma nova utopia, já que
na Coreia do Norte
as coisas não funcionaram tão bem como eles imaginavam. Mas, no fim, o
resultado na Venezuela foi o pior possível. O caso da Venezuela é um
aviso de que as nações também podem se tornar mais pobres.
Além
da Venezuela, que outro caso o sr. citaria de um país que era rico e
empobreceu, em decorrência de uma maior intervenção do Estado na
economia, da perseguição aos ricos e da implementação de uma política de
distribuição de renda?
Outro
exemplo que ilustra bem este fenômeno é a Argentina. Muita gente não
sabe, mas a Argentina também já foi muito rica. Há cem anos, a Argentina
era um dos países mais ricos do mundo, tanto quanto os Estados Unidos.
Aí eles começaram com essa política peronista de redistribuição de
renda e deu no que deu, com um aumento considerável da pobreza ao longo
do tempo. De um lado, eu tenho dúvidas hoje se as pessoas terão um ou
dois anos de paciência para esperar os efeitos positivos das reformas
que estão sendo implementadas pelo Milei. Como eu disse há pouco, a
experiência da história mostra que algumas coisas ficam piores no
começo. O desemprego cresce e às vezes há até recessão. Mas elas foram
pacientes o suficiente para esperar 80 anos para mudar, vendo a situação
do país se deteriorar cada vez mais, desde 1945. Com exceção da década
de 1990, a Argentina teve inflação de dois dígitos em todos os anos. Era
algo normal para eles.
O
sr. afirma que, em geral, os ricos são “demonizados” e não admirados em
quase todo o mundo. São vistos como “exploradores " dos pobres por
muitas pessoas, especialmente pelos intelectuais. Mas, na sua visão, ter
uma atitude positive em relação aos ricos e ao capitalismo é algo que
favorece o desenvolvimento e a redução da miséria. O que a atitude das
pessoas em relação aos super-ricos tem a ver com a diminuição da
pobreza?
Eu realizei uma pesquisa sobre a imagem dos ricos em 13 países. A inveja social dos ricos é mais acentuada na França e em seguida na Alemanha.
Já os poloneses e os vietnamitas têm uma atitude positiva em relação
aos ricos. A Universidade de Comércio Exterior de Hanói até me convidou
para participar de um curso sobre o preconceito contra os ricos e o que é
possível fazer contra isso. Não consigo imaginar uma universidade na
Europa ou nos Estados Unidos realizando um workshop como esse. As
sociedades nas quais as pessoas consideram os empreendedores
bem-sucedidos como modelo alcançarão o sucesso de forma mais consistente
do que as que veem os ricos como bode expiatório. Quando há pessoas que
querem ser ricas e têm possibilidade de se tornarem ricas, as coisas
funcionam. Recentemente, escrevi um livro sobre o ódio aos ricos no Chile,
junto com o economista chileno Axel Kaiser, chamado El Odio a los Ricos
(O ódio aos ricos). No livro, nós mostramos que os problemas no Chile,
que era o país mais liberal e mais bem-sucedido da América do Sul, começaram com uma campanha contra os ricos.
Muitas
pessoas acreditam que os mais ricos enriquecem à custas dos mais
pobres, em linha com as ideias propagadas por Karl Marx. Qual a sua
visão sobre esta questão?
No
coração das crenças de todos os socialistas, há esta ideia de soma
zero, de que os ricos só se tornam ricos porque tiram dinheiro dos
pobres. Mas eu sempre pergunto: como explicar que, na China, por
exemplo, o contingente de pessoas vivendo na miséria caiu de quase 90%
para 1% da população em 40 anos, enquanto o número de bilionários
aumentou de 0 para 600? Não é lógico. Isso aconteceu no mundo inteiro. A
população mundial vivendo na pobreza extrema passou de 43% do total em
1980 para 9% hoje, enquanto o número de bilionários aumentou de 500 para
2.700. A razão que leva à redução da pobreza e torna algumas pessoas
muito ricas é a mesma: o crescimento econômico. Este é meu principal
argumento contra o pensamento de soma zero. Essas pessoas pensam a mesma
coisa em relação ao mundo: que os países ricos têm de dar dinheiro para
os pobres, para eles melhorarem sua situação. Também é um tipo de
pensamento de soma zero. Elas não entendem que não é assim que funciona.
Na
China, o presidente Xi Jinping e o Partido Comunista começaram a falar
há alguns anos sobre “prosperidade comum”, em razão do aumento do número
de bilionários e do crescimento da desigualdade. Isso levou também o
regime a adotar medidas para controlar mais a livre iniciativa e
estimular as doações e a redistribuição de renda. Qual a sua avaliação
sobre esta questão?
Em 2019, um relatório de trabalho do Fórum Económico Mundial
afirmava que “o setor privado da China – que vem se recuperando desde a
crise financeira global de 2008– agora é o principal motor do
crescimento econômico do país”. O relatório mencionava também a
combinação dos números 60, 70, 80 e 90, que é frequentemente utilizada
para descrever o papel do setor privado para a economia chinesa. O setor
privado chinês contribui com 60% do PIB do país e é responsável por 70%
da inovação, 80% da mão de obra urbana e 90% dos novos empregos. A
riqueza privada também é responsável por 70% do investimento e 90%das
exportações.
A
ascensão da China resultou totalmente da introdução da propriedade
privada e das reformas capitalistas que fizeram recuar a influência do
Estado. Nos últimos anos, contudo, a tendência começou a se inverter. O
Estado voltou a interferir muito mais na economia e isso já levou a um
abrandamento do crescimento econômico chinês.
Na
sua opinião, o que pode ter um impacto negativo no combate à pobreza e
na melhoria da qualidade de vida da população mundial nas próximas
décadas?
O
esquecimento das pessoas. Vemos isso acontecer em todos os lugares.
Depois de um tempo, as nações esquecem por que tiveram sucesso. Acabei
de dar o exemplo da China, mas há muitos outros. Durante anos, em quase
todo o mundo, os países estão indo na direção de uma economia mais
planificada. Os socialistas, hoje, controlam quase toda a América Latina
– a vitória de Javier Milei é a única exceção em anos. Os Estados
Unidos e a Europa também estão caminhando cada vez mais para uma
economia planificada. No seu grande discurso em Davos, em janeiro, o
Milei enfatizou que, em geral, o socialismo moderno já não promove a
nacionalização dos meios de produção. Segundo ele, isso não é mais
necessário. O mercado livre está sendo cada vez mais sufocado pela
intervenção governamental na economia, pela regulamentação cada vez
maior, pelo aumento da tributação e pelas políticas dos bancos centrais.
Os meios de produção e os ativos imobiliários até podem continuar a ser
considerados como propriedade privada no papel. Mas só os títulos
formais de propriedade se mantêm, porque os supostos proprietários
perdem cada vez mais o controle sobre seus ativos, na medida em que o
Estado é que lhes diz o que fazer (e o que não fazer) com eles.
Postado há 17 hours ago por Orlando Tambosi
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