Frederico Vasconcelos
Interesse Público
No dia em que o golpe militar de 1964 completa 60 anos, reproduzimos trechos da entrevista concedida, em 2005, pelo juiz federal Márcio José de Moraes sobre a decisão que condenou a União pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog no DOI-Codi .
“Dei a sentença com o AI-5 em vigor. Essa visão, eu me orgulho de ter tido. Seria uma reação, um grito de independência do Poder Judiciário. Já tinha formado a minha convicção, iria condenar a União. O gesto só teria valor, como uma espécie de grito político, de revolta contra a ditadura, se fosse dado sob o clima da ditadura, sob o AI-5”, Moraes afirmou ao editor deste blog.
Desinformado, eu ainda resistia a acreditar que havia tortura e morte. Eu ainda admitia que pudesse haver perseguição política. Mas, na verdade, a tortura e a morte eram coisas que eu tinha dificuldade em acreditar.
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MEMÓRIAS DE UM JUIZ DE VERDADE
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Em 1975, eu estava no escritório de advocacia, compro o jornal e vejo que Vladimir Herzog morreu. Eu realmente fiquei chocadíssimo. Não só pela notícia em si. Mas porque ficou absolutamente claro, para mim, que, na verdade, ele morreu torturado. Não era possível que a pessoa tivesse entrado no DOI-Codi, de manhã, e estivesse morto à tarde.
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Foi um choque pessoal. Caiu por terra a resistência que eu tinha em acreditar que a ditadura estava perseguindo, prendendo, matando prisioneiros políticos. Percebi claramente que tudo era verdade. Tive uma certa crise de consciência, por não ter participado politicamente para tentar evitar que aquilo acontecesse.
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Uma semana depois da morte do Herzog, eu participei do culto ecumênico na praça da Sé. Mas ainda um tanto quanto receoso, porque depois que se deu aquela conscientização pessoal, política, em decorrência da morte do Herzog, eu ainda tinha uma certa dificuldade de me engajar.
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Mas eu não fiquei dentro da igreja. Fiquei no lado, perto de uma
pastelaria… Até mesmo, pensando comigo, veja só até onde ia a minha
covardia política naquele momento: “Se a cavalaria da Polícia Militar
invadir a praça da Sé, como se noticiava, eu me ponho aqui dentro da
pastelaria e como um pastel”. Alegaria que estava comendo um pastel…
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Imagine a minha surpresa, quando, três anos depois, em 1978, eu recebo o processo do caso Herzog para sentenciar. Naquele período, tudo podia acontecer. O AI-5 permitia cassar a cidadania, cassar os direitos políticos. O juiz poderia perder o cargo.
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Depois, nem era tanto a aplicação do AI-5, que já dava respaldo à ditadura. Era o medo, na verdade, de que poderia acontecer [com o juiz] o que aconteceu com tantos outros: simplesmente de ser seqüestrado e torturado, como aconteceu com Herzog.
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Mas, eu também tinha, a meu favor, a minha mocidade. Ou seja, essa volúpia no sentido de poder exercer a magistratura com todas as suas condições, apesar do regime militar. Fui advogado de banco e estudei muito o tema da responsabilidade civil do Estado. Sabia que, na sentença do caso Herzog, eu podia dar um passo muito importante na questão da responsabilidade civil.
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Foi uma decisão solitária e muito difícil. Todos aqueles anos de alienação caíram sobre mim. Na verdade, foi a hora que eu cheguei para mim mesmo e disse que, politicamente, eu não poderia mais ficar comendo pastel.
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O laudo era imprestável, assinado apenas por um perito. O perito-chefe assinou sem fazer a autópsia. O laudo, a principal prova da União, não tinha validade. As testemunhas disseram o que acontecia naquelas dependências. Alguns ouviram os gritos de Herzog. Isso foi prova suficiente para me convencer de que Herzog morreu por causa da tortura.
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O Estado era responsável, independente de qualquer circunstância, porque tinha alguém sob sua guarda. Primeiro, eu anulei o laudo. Segundo, valorizei as provas para mostrar que havia tortura naquelas circunstâncias. Terceiro, determinei a abertura de Inquérito Policial Militar para verificar os responsáveis, todas as autoridades policiais e militares que se encontravam no local e que foram responsáveis pela tortura.
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