BLOG ORLANDO TAMBOSI
Lembrancinhas turísticas focadas nos genitais da sublime escultura de Michelangelo são contestadas na justiça por museus italianos. Vilma Gryzinski:
Deus
criou Michelangelo, Michelangelo criou Davi e o resto da humanidade
inundou as cercanias do museu onde o mais perfeito dos homens desfila
sua beleza há mais de quinhentos anos com reproduções e lembrancinhas de
mau gosto horripilante.
Problema
desse Gêneses alternativo: mau gosto não é crime e pode ser visto como
livre exercício de diversas prerrogativas universais.
Mesmo
quando os souvernirs, de imãs de geladeira a aventais de cozinha, focam
nos órgãos genitais da estátua, com seu pênis pequeno e quase
inteiramente coberto pelo prepúcio, tal como era o ideal grego herdado
por Michelangelo – uma prova do triunfo da razão sobre entes animalescos
como os sátiros, estes sim retratados como protagonistas de filmes para
adultos.
A
alemã Cecilie Holberg, diretora desde 2015 da Galleria dell’Academia em
Florença, não está nem aí para os defensores do mau gosto por questão
de princípios. Luta na justiça italiana, que tem dispositivos a favor da
proteção do maior patrimônio histórico do mundo, para defender a imagem
de Davi de exploração “degradante”.
Já
conseguiu indenizações de centenas de milhares de euros, uma “vitória
única” que provocou “grande regozijo no mundo da arte”, segundo disse
para a agência AP.
A
reportagem informa sobre dispositivos jurídicos italianos que permitem
direitos perpétuos a museus e outras instituições italianas sobre as
obras de arte sob sua proteção, contrariando as regras internacionais do
domínio público, vigente a partir dos setenta anos da morte do artista.
Proporções alteradas
A
aura lendária acompanha a escultura desde quando estava sendo feita, em
sigilo total, por um Michelangelo consciente de sua grandeza e
perfeição, tão esmagadoras que até o gênio concorrente, Leonardo da
Vinci sugeriu colocá-lo num lugar menos destacado do que a praça em
frente ao Palazzo della Signoria (onde ficou até 1873, tendo escapado
com apenas um braço quebrado, depois reconstituído, numa das convulsões
florentinas envolvendo os Medici e algum papa, quando estes não eram
simultaneamente a mesma coisa).
Desde
a inauguração, em 1504, o mundo se deslumbra diante do corpo nu e da
serenidade do herói bíblico pouco antes do combate com o gigante que a
funda sobre seu ombro derrubaria.
Ironicamente,
o gigante é ele, com 5,17 metros de mármore num único bloco. Também não
passam despercebidas proporções alteradas de propósito, como a enorme
mão direita, em contraste, de novo, com o pênis reduzido e, para
desgosto de sumidades como Cecilie Holberg, tão amplamente reproduzido.
Que
mal fazem os aventais com Davi, os panos de prato com a Monalisa e as
camisetas com os girassóis de Van Gogh? Muitas vezes, refletem o
primeiro contato com grandes obras de arte e os narizes torcidos para as
imitações que provocam podem ser uma manifestação de esnobismo dos que
nunca, jamais seriam pegos com uma miniatura da Torre Eiffel abandonada
na estante.
Os
esnobes e os adeptos de quinquilharias da família kitsch passarão,
Davi, como “símbolo excelso do triunfo da civilização moderna”, como já
foi definido, sobreviverá, talvez até quando não existam mais geladeiras
para colocar imãs.
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi
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